Senador Ted Cruz explica a pressa: não dá para chegar à eleição com Suprema Corte empatada em 4 a 4.

Manifestantes vaiaram Donald Trump na quinta-feira (24) e bradaram “honre seu desejo”, quando ele foi até a Suprema Corte, onde está exposto o corpo da falecida juíza progressista Ruth Bader Ginsburg, formalmente para prestar seus respeitos, mas principalmente para propiciar um cenário para a nomeação a jato de uma magistrada ultrarreacionária – em tudo o contrário de Ginsburg -, que ajude a subtrair direitos do povo e vote a favor dele caso insista em fraudar a vontade popular se derrotado.

Ginsburg, carinhosamente chamada pelo povo de “RBG”, ao longo de quase três décadas na Suprema Corte buscara brecar o retrocesso ultraconservador sob W. Bush e Trump, depois de ter sido a “advogada da igualdade”, nos tempos de líder do movimento pelo fim da discriminação às mulheres na principal entidade norte-americana de defesa das liberdades, a ACLU.

Ela faleceu de complicações de uma reincidência de câncer no dia 18, aos 87 anos de idade.

“Vote para tirá-lo”, bradaram manifestantes, assim que a limousine de Trump parou diante do prédio da Suprema Corte.

Ele estava acompanhado da primeira-dama, Melania. Usava uma máscara facial – preta -, o que é muito raro para Trump. Mal chegou, saiu e minutos depois estava de volta à Casa Branca.

À neta, nos dias finais de vida, Ginsburg pedira que o nome de seu substituto na Suprema Corte só fosse indicado pelo presidente a ser eleito em 3 de novembro. Aliás, o mesmo critério que prevaleceu em 2016, quando da morte de seu maior amigo no tribunal, mas adversário de enfoque, o conservador Antonin Scalia.

62% CONTRA NOMEAÇÃO A JATO

Pesquisas de opinião mostraram uma oposição esmagadora – 62% – a que Trump nomeie a jato alguém para um cargo vitalício na Suprema Corte na véspera de uma eleição em que são crescentes as chances de que seja enviado, pelas urnas, de volta para seu clube de luxo na Flórida.

O que reflete seu enorme fracasso: 200 mil mortos numa pandemia, economia no chão enquanto os desempregados são milhões, em um governo cuja marca registrada é a incompetência, o obscurantismo e as fake news.

Em 2016, quando Scalia faleceu abruptamente, a dez meses da eleição daquele ano, os republicanos defenderam que Obama não deveria indicar um nome para a Suprema Corte, e que a nomeação deveria ficar para o eleito em novembro. Agora querem fazer exatamente o oposto, o que está causando indignação no país inteiro.

“Acho que tudo vai correr muito bem, que vai muito rápido”, disse Trump à Fox Radio na quinta-feira. “Temos cinco mulheres na lista e gosto de todas”, acrescentou o presidente, que já anunciou que entre as finalistas está a magistrada arquiconservadora Bárbara Lagoa, de origem cubana, e juíza de Miami. Na Flórida, um dos principais Estados campo de batalha, as pesquisas estão dando empate entre Trump e Biden.

ASSÉDIO

Também pela Fox, Trump já dissera que iria anunciar o novo nome “entre sexta e sábado”, só esperando pelo enterro. O assédio de Trump à Suprema Corte terá que passar pelo Senado, onde os republicanos têm maioria de 53 a 47.

Até aqui, só duas senadoras republicanas se comprometeram com a manutenção do critério que prevaleceu em 2016, a indicação pelo presidente eleito.

A morte de Ginsburg ocorreu a dois meses da data da eleição, e com a votação pelo correio já em andamento.

O que causou uma comoção nacional, com milhares de pessoas indo prestar uma última homenagem a RBG, manifestando seu compromisso com a defesa da democracia e dos direitos e exibindo cartazes com os dizeres “nenhuma nomeação antes da posse”. Petição online nesse sentido foi assinada por 1 milhão de pessoas em três dias.

A imposição por Trump de um jurista de extrema direita faria com que o atual desequilíbrio na Suprema Corte pendesse ainda para a reação, para 6 a 3. Nas palavras do moderado líder democrata no Senado, Chuck Schumer, “se o líder McConnell e os republicanos do Senado avançarem com isso, nada estará fora da mesa no próximo ano”.

Como ele disse, nada ficaria a salvo: Obamacare, direitos civis, direitos de voto, direitos trabalhistas, proteção do meio ambiente, ação afirmativa, legislação LGBT, direitos reprodutivos, controle sobre venda indiscriminada de armas pesadas e, claro, a descriminalização em vigor do aborto.

Outra vantagem para os trumpistas é que a indicação de uma magistrada desse perfil ajudaria a mobilizar sua base de fundamentalistas evangélicos e a reinflar a campanha eleitoral republicana. Os republicanos já esperam perder, no voto popular, nacionalmente, por uma diferença de milhões de votos. Eles tentam ganhar no colégio eleitoral, já que na democracia à americana o que vale mesmo é ele, e com o vencedor de cada Estado levando todos os delegados.

Em 2016, Trump teve três milhões de votos a menos, mas como ganhou em quatro estados por diferenças mínimas nas urnas, ficou com todos os delegados, desequilibrou a disputa no colégio eleitoral, e levou seu reality show para a Casa Branca.

Mas foi o senador Ted Cruz que cometeu a indiscrição de dar o nome do jogo tentado pelos trumpistas.

Com as reiteradas declarações de Trump mentindo que o voto pelo correio é fraude e dizendo que não irá reconhecer o resultado se for derrotado, Cruz teve a desfaçatez de dizer que “não podemos deixar o dia da eleição ir e vir e com um tribunal de 4-4”, sob o risco de uma “crise institucional”.

Em resumo, o que Cruz está dizendo é que a nomeação de uma magistrada trumpista garantiria a vitória a Trump, caso este virasse a mesa, usando o pretexto dos votos pelo correio. Ou, repetindo a fraude da eleição de 2000, em que W. Bush passou a perna em Al Gore, com o endosso da maioria da Suprema Corte, mandando encerrar a recontagem de votos e, na prática, dando o poder a W. Bush.

A senadora democrata Elizabeth Warren, ao homenagear na quarta-feira a magistrada das mulheres Ginsburg, advertiu contra “a agenda extremista de direita” que os trumpistas e a elite bilionária tentam enfiar goela abaixo do povo norte-americano.

“Ruth Ginsburg foi uma mulher que não deixou que nenhum homem a silenciasse”, destacou a senadora, acrescentando que “o tributo mais adequado a ela é a recusa em ficarmos em silêncio” e conclamando à mobilização para impedir que “surrupiem outro assento na Suprema Corte”.

Ela assinalou, ainda, que os democratas “têm a obrigação de explorar todas as opções que tivermos para restaurar a credibilidade e integridade da Suprema Corte”. “Tenho esperança, pois essa é uma luta por direitos justos, e sei que milhões de norte-americanos também estão nesta luta”, finalizou Warren.

*