"Democracia, liberdade, 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais", entoaram os portugueses nas ruas

Com cravos vermelhos, faixas, cartazes, bandeiras portuguesas e, claro, máscaras faciais, milhares de pessoas tomaram a Avenida da Liberdade em Lisboa no domingo (25) para dizer que, apesar da pandemia, os ideais de Abril seguem de pé, no dia da comemoração dos 47 anos do levante que pôs fim a décadas de fascismo, obscurantismo e miséria em Portugal, o ‘25 de Abril’.

Os avanços no enfrentamento da pandemia permitiram este ano o que no ano passado não havia sido possível, a comemoração nas ruas, substituída em 2020 pelo cântico das pessoas, das varandas e janelas em meio ao confinamento, de “Grândola”, a música senha – e síntese – da Revolução dos Cravos. Nesse 25 de Abril não foi registrada nenhuma morte por Covid em Portugal.

A data também foi comemorada pelo parlamento português, com a presença do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, e em atos pelo país inteiro.

Bradando “25 de abril sempre, fascismo nunca mais”, centenas de pessoas participaram do “Desfile da liberdade” no Porto, segunda maior cidade de Portugal. A manifestação saiu da Avenida Rodrigues de Freitas, junto ao antigo quartel da PIDE [polícia política salazarista], rumo à Avenida dos Aliados.

Brasil

No Brasil, a data foi homenageada pela Confederação das Mulheres do Brasil (CMB), em ato realizado no Largo Mestre de Avis, na cidade de São Paulo, com a presença de Ana Maria Rodrigues, diretora de Relações Internacionais da entidade, Maria Beatriz, diretora da CMB, do Centro Cultural 25 de Abril, da Casa de Portugal (representado por Renato Afonso e Ricardo Magalhães), do CEBRAPAZ (Diego Nogueira) e da União Patriótica/Colômbia (Prof. Pietro Alarcon).

“As mulheres lutam pela vida, pela esperança, pela paz, pela justiça. Nesse 25 de abril, nós mulheres brasileiras cantamos juntas com as mulheres portuguesas, em comemoração à Revolução que pôs fim ao fascismo em Portugal há 47 anos. E abriu as portas para que tantos outros povos, africanos, latino-americanos, pudessem também cantar a sua liberdade. Viva o 25 de abril! Viva a Revolução dos Cravos!”, afirma a declaração da CMB.

Mantendo uma tradição iniciada pelo agora secretário-geral da ONU e então primeiro-ministro, Antonio Guterres, o chefe de governo Costa abriu os jardins e a residência oficial de São Bento na data e concedeu a medalha de mérito cultural ao compositor Sérgio Godinho, um dos grandes nomes que cantaram a vitória do 25 de Abril, ao lado de Zeca Afonso e José Mário Branco, que já se foram. A Rádio Televisão Portuguesa (RTP) transmitiu um concerto pré-gravado dos 50 anos de carreira de Godinho.

Também foi homenageada a escultora Fernanda Fragateiro, cuja obra ‘A poesia é’ foi inaugurada nos jardins do palácio. Ela contou que tinha 11 anos quando aconteceu o 25 de abril de 1974, justamente o dia em que foi submetida a uma operação cirúrgica. “Passei esse dia anestesiada. Adormeci num país muito escuro e acordei num outro país já em liberdade”, declarou.

Liberdade

A líder da bancada socialista, Ana Catarina Mendes disse que o 25 de Abril é “uma festa de todo o povo português, pela democracia, pela liberdade”. “A democracia custou muito a conquistar, precisa ser todos os dias regada e [temos de] passar às novas gerações a ideia de que Portugal é um todo e que, dentro das nossas divergências, podemos convergir no que é maior”, disse.

Repúdio ao fascismo marcou a celebração em Portugal. Para a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, “a Avenida da Liberdade é de todas as pessoas que têm compromisso sério com a liberdade, com o 25 de Abril e a sua promessa de igualdade”, acrescentando que isso passa pelo “Serviço Nacional de Saúde (SNS), pela escola pública e pela Segurança Social para todos”.

Ela prestou homenagem aos que fizeram o 25 de Abril e frisou que “este é o dia de quem construiu a liberdade por inteiro”.

“Olhando para frente e para trás, sinto uma imensa alegria ao fim de 47 anos vendo que o povo saiu à rua, mas sobretudo que os jovens saíram à rua”, assinalou o secretário-geral do PCP, Jerônimo de Sousa.

O líder comunista disse que há muitos jovens defendendo os valores de abril “mesmo quando não os chamam assim”, quando defendem o direito ao ensino ou rechaçam a precariedade no emprego. “Então abril está vivo e o povo correspondeu. Podemos acreditar que a democracia tem futuro em Portugal”, acrescentou.

Na convocatória “aos trabalhadores, à população, à juventude e aos democratas para que por todo o País façam da sua participação um momento de afirmação do que Abril representa de avanço e conquista no plano da liberdade, dos direitos, e de progresso”, o PCP havia exigido, ainda, “resposta aos mais urgentes problemas econômicos e sociais que os trabalhadores e o povo enfrentam, decorrentes da epidemia e do aproveitamento que dela se está a fazer para aumentar a exploração”.

“Valores de abril”

No ato comemorativo na Assembleia da República, destacou-se o pronunciamento da deputada Alma Rivera (PCP), por sua lucidez e atualidade. “Quase seis milhões de portugueses nasceram depois de 25 de Abril de 1974. Não viveram Abril, não viveram a Revolução, mas têm-na em si gravada, presente nas suas vidas, por muito que haja quem queira apagar a memória e negar o que Abril nos trouxe”.

Ela destacou que cada pessoa que vive no nosso país “tem a sua vida marcada pelo que Abril e os seus valores consagraram em direitos, liberdade e progresso”.

“Muitos são os que nasceram fruto desse progresso e da grande conquista que hoje nos volta a valer – o Serviço Nacional de Saúde – que debelou o drama da mortalidade infantil e materna”, apontou.

“Abril trouxe os direitos de maternidade e paternidade e cada criança de hoje vai à escola porque Abril a resgatou ao duro trabalho no campo e nas fábricas, à miséria e ao analfabetismo e lhe deu o direito a aprender e a brincar. Cada jovem pode sonhar com o seu percurso acadêmico, com o início da sua vida, porque não tem de ir para a guerra, obrigado a matar outros jovens com sonhos em países irmãos”.

“Quando lutamos pelo aumento do salário mínimo nacional, instituído com a revolução, pelo direito ao trabalho e pelo trabalho com direitos é por Abril que lutamos. Quando cada qual faz greve e não deixa que a lei da selva se imponha, faz cumprir o que Abril trouxe e antes era proibido”, lembrou Alma.

“Cada trabalhador deste país tem o direito a férias e a férias pagas porque Abril o conquistou. Foi com Abril que a deficiência deixou de ser uma sentença e concretizar a inclusão é um tributo que se faz à revolução”.

A deputada acrescentou que “foi Abril que acabou com a separação de pessoas de primeira e de segunda e foi com Abril que as mulheres passaram a ser plenas em direitos, donas de si mesmas, capazes de se libertarem da violência e de termos todos o afeto e o amor como únicos critérios para se ser família”.

“Quando hoje nos indignamos, nos levantamos contra a injustiça, a desigualdade, a corrupção é porque podemos fazê-lo”, fez questão de registrar Alma.

“Porque Abril fez-nos querer mais e ter direito a mais que um país dominado por meia dúzia de famílias e donos, em que a política do Estado era a corrupção, a sua ocultação e a repressão dos que a denunciavam”.

Práticas que alguns – denunciou – “querem hoje restaurar, contra a Constituição da República e por via da sua revisão, impondo o domínio do poder econômico sobre o poder político”.

“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, assinalou. “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito em razão de ascendência, do sexo, da raça, da língua, do território de origem, da religião, das convicções políticas ou ideológicas, da instrução, da situação econômica, da condição social ou da orientação sexual”.

“Esses valores, consagrados na Constituição há quarenta e cinco anos, são valores que transportamos no presente e projetamos no futuro de Portugal”.

Dirigindo-se às gerações mais jovens, “bisnetas dos antifascistas que deram a vida pela causa da libertação”, ela convocou a defender as conquistas de abril, o regime democrático, e a concretizar o que ficou “inacabado”.

“Mais do que nunca, é evidente quão importantes são os serviços públicos conquistados com Abril e quão decisivo é o papel daqueles que diariamente os constroem, em particular o Serviço Nacional de Saúde e a Escola Pública”, reiterou.

“O acesso de cada pessoa que habita este país a direitos fundamentais, à educação de qualidade, à saúde de qualidade, a uma habitação digna, ao trabalho enquanto elemento de realização social e pessoal, à proteção na doença e na velhice. Esta é uma das grandes batalhas do nosso tempo, a de garantir que toda e cada pessoa tenha condições de bem-estar econômico, social e cultural”, destacou.

Estado a serviço dos portugueses

O povo português precisa “de um Estado ao seu serviço”, que cumpra a missão “de desenvolver o país, elevar as condições de vida, alcançar o pleno emprego, repartir a riqueza e afirmar a soberania”, sublinhou a deputada Alma Rivera.

“Travamos a batalha pela defesa dos valores mais humanos e mais essenciais, de liberdade e democracia, de igualdade e solidariedade”.

“E não calamos que a pobreza e a miséria, a precariedade e o desemprego são inimigos dos valores de Abril. Que a desesperança é o contrário do caminho de abril”, ressaltou a deputada.

“Que a impunidade da corrupção, dos crimes econômicos e financeiros, dos achaques da banca, da utilização indevida do erário público são afrontas à democracia. Que o seu maior inimigo é a subjugação do poder político pelo poder econômico e a sua fusão num só”, advertiu.

Ao concluir, Alma ressaltou que “continuamos a lutar com a convicção de que o povo unido jamais será vencido”. “Quem precisa que a Constituição e os seus direitos se cumpram, tem a força para impedir retrocessos e é com a sua voz e os seus braços que fará cumprir Abril”.