A mensagem do povo norte-americano para Trump: "está demitido"

A lunática declaração do secretário de Estado norte-americano Pompeo reclamando que os chefes de estado estrangeiros, ao invés de telefonarem para ele, andam ligando para o democrata Joe Biden que, segundo a Associated Press, já assegurou 290 delegados ao Colégio Eleitoral (o número mínimo para se chegar à Casa Branca é de 270) e podendo chegar a 306, com 1% dos votos a serem computados na Geórgia.

Este, aliás, presidente eleito dos EUA, de acordo com todas as projeções, conforme o sistema – não existe um superior tribunal eleitoral – pelo qual há quatro anos atrás Trump fora considerado vencedor.

Diante da acintosa alegação, mais os atos de Trump para tumultuar o ambiente em Washington, Biden chamou de “vergonhoso” que o bilionário não aceite a derrota.

Quanto às medidas para encenar ‘impedir’ a transição, como a proibição a órgãos federais de contatos com a equipe democrata ou recusa a fornecer a verba concedida pelo Congresso, o presidente eleito disse que francamente “não ver nada” que “vá nos retardar”. “Vamos fazer exatamente o que faríamos se ele tivesse concedido [admitido a derrota]”. “Dissemos que vencemos, como de fato. Então isso não muda realmente nada”, acrescentou.

Biden também tem se dirigido ao povo norte-americano sobre questões essenciais do momento. A primeira, a urgência de ter uma resposta coordenada nacionalmente ao coronavírus, que Trump deixou à solta, com o país tendo chegado a 200 mil novos casos em 24 horas.

Ele anunciou os nomes de sua força-tarefa contra a Covid-19. Também foram apresentados os centenas de especialistas envolvidos com a transição.

A segunda, a preservação do Obamacare – ainda mais sob pandemia -, de novo levado pelos republicanos à Suprema Corte. Biden reiterou seu compromisso de ampliar os beneficiados e de preservar o atendimento em caso de doença pré-existente.

Em outro ato de provocação, segundo o Washington Post, a Casa Branca orientou as agências federais a prepararem a proposta de orçamento do governo para o próximo ano fiscal, que começa em 21 de outubro de 2021 – meses depois de Trump deixar o governo. Usualmente, a proposta orçamentária é apresentada em fevereiro.

“Eles estão fingindo que nada aconteceu”, relatou uma autoridade do governo Trump ao Post. “Todos nós estamos tendo de fingir que isso é normal, e fazer todo esse trabalho, enquanto nós sabemos que vamos ter de jogar fora”.

Nesta quarta-feira, de acordo com a Associated Press, Biden ultrapassou a marca de 5 milhões de votos de vantagem sobre Trump, mais exatamente 5.071.200. Biden ganhou – e de lavada – nas grandes cidades e subúrbios adjacentes, e Trump, nos grotões e recantos rurais.

Sem provas, a tentativa de Trump de assaltar o resultado da eleição via tapetão, alegando ‘fraude’, vem fracassando. Tribunais já recusaram 16 ações de sua campanha. Os advogados de Trump atuaram contra os resultados nos estados-pêndulo de Wisconsin, Michigan, Georgia, Arizona, Nevada e Pensilvânia

Apesar de o principal conselheiro jurídico da campanha Biden, Bob Bauer, ter considerado inicialmente tais processos mais “teatro” do que ações legais – pelo primarismo e falta de embasamento – logo o jogo ficou mais bruto.

O ministro da Justiça (cargo que nos EUA é chamado de ‘procurador-geral’), William Barr, alterou as normas em vigor, para ordenar aos procuradores federais nos Estados que investigassem – antes de concluída a contagem – supostas fraudes. Medida sem precedentes que levou o chefe da investigação de crimes eleitorais, Richard Pilger, a renunciar ao cargo em protesto.

Segundo o professor Stephen Vladeck, da Escola de Direito do Texas, “fazer isso quando não há tal prova – e quando a estratégia clara do presidente é deslegitimar os resultados de uma eleição decente – é um dos mais problemáticos de qualquer promotor-geral em toda a minha vida”.

Para a senadora Elizabeth Warren, “Se Barr se importasse com nossa democracia, estaria focado na transição pacífica do poder em vez de atender à encomenda de um aspirante a ditador”.

Na quarta-feira, três altos mandos do Pentágono renunciaram após a intempestiva demissão do secretário de Defesa Mark Esper por Trump. Apresentaram cartas de demissão o subsecretário interino de Defesa para Políticas, James Anderson; o subsecretário de Defesa para Inteligência e Segurança, Joseph Kernan; e o chefe de gabinete do secretário de Defesa, Jen Stewart. “Que Deus nos acuda”, disse Esper ao deixar o cargo, diante do clima de conspiração e ressentimento atiçados por Trump.

O comportamento sem precedentes de Trump de sabotar abertamente a integridade do processo eleitoral nos EUA é ainda mais deletério quando o país está sob pandemia e recessão – e quando tempo perdido implica em vidas perdidas, desemprego e fome.

Matéria do The New York Times na quarta-feira registrou que autoridades estaduais responsáveis pelo processo eleitoral de quase 50 estados que ouviu declararam não haver evidências de qualquer fraude generalizada ou irregularidades graves, ao contrário do que Trump tem alegado.

45 estados responderam diretamente; outros quatro já haviam divulgado que o pleito havia transcorrido na normalidade. Apenas alguns problemas menores, comuns a todas as eleições, foram relatados por alguns estados, e já estão sendo corrigidos.

O secretário de Estado de Ohio, o republicano Frank LaRose, disse ao NYT que “há muitas coisas que não são verdadeiras” sobre as eleições e que teorias da conspiração e boatos encontram “terreno fértil”.

Apenas o Texas não atendeu às perguntas do NYT. Talvez porque a orientação ali seja no sentido contrário: o vice-governador, o republicano Dan Patrick, anunciou um fundo de US$ 1 milhão para oferecer recompensa para animar os boateiros.

Um funcionário dos correios na Pensilvânia, cujas alegações de irregularidades foram citadas por líderes republicanos nacionais e repercutidas nas redes sociais, depois de apertado pelos investigadores, confessou que as fabricou.

Ao longo dos meses de campanha, já circulavam nas redes sociais fantasias escabrosas sobre a eleição, enquanto Trump dizia que a única forma de perder, era se a eleição “fosse roubada”.

Em Nevada, cuja apuração deve se encerrar nesta quinta-feira, a Suprema Corte estadual rejeitou pedido da campanha de Trump para parar a contagem de votos pelo correio em Las Vegas. Pedidos semelhantes foram rechaçados em outros estados.

Em entrevista à CNN, o secretário de Estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, disse que não havia qualquer prova de discrepâncias grandes o bastante que pudessem reverter a vantagem de Biden. “Nós acreditamos que as cédulas foram contadas acuradamente”.

“Deixe-me ser clara – as eleições de novembro em Michigan transcorreram tão tranquilamente quanto sempre”, destacou a procuradora-geral do estado, Dana Nessel. “Não houve quaisquer instâncias de irregularidades no processo de contar os votos, só alegações sem provas, especulação desenfreada, e teorias conspiratórias”.

De acordo com as respectivas leis estaduais, haverá recontagem em Wisconsin e na Geórgia. Lá, como determinado por Raffensperger, a recontagem será manual.

Para Bauer, as recontagens não irão alterar o resultado, devido às margens de vitória de Biden. Como ele observou, as recontagens nos estados há uma década só alteram em geral algumas centenas de votos.

A mesma coisa quanto aos assim chamados, pelos trumpistas, de “votos ilegais” – os votos que chegaram depois da data final da eleição (mas com carimbo do correio até esse dia). As autoridades da Pensilvânia já informaram que os votos que chegaram após o dia 3 não passam de 10.000, bem abaixo da margem da vitória de Biden no estado, mais de 45.000.

O que pode explicar a mudança de tática judicial da campanha Trump, passando a buscar bloquear a certificação de toda a eleição de um estado. O que já foi feito em relação à Pensilvânia e ao Michigan, com os advogados de Trump citando “células lançadas com nomes de pessoas mortas” e outras invencionices.

Como o parlamento estadual da Pensilvânia é controlado pelos republicanos – apesar de o governador ser democrata – um comitê de deputados revelou plano para audiências sobre a eleição, o primeiro passo para a arriscada manobra de ignorar a votação e apontar seus próprios delegados ao colégio eleitoral.

Nos estados sob litígio, as certificações de delegados ao colégio eleitoral terão de ser feitas entre os dias 20 de novembro a 1 de dezembro, com primeiro os condados procedendo à certificação local e depois centralizando no prazo limite.

No sábado, os trumpistas estão convocando uma marcha a Washington, que já vem sendo ironizada como a MAGApalooza, pela óbvia razão de que estarão todos de chapéu vermelho de Make America Great Again, o lema de Trump. O presidente pato manco – a gíria é referente aos em fim de mandato – promete fazer na próxima semana comícios nos estados-pêndulo, cuja disputa busca levar para o tapetão.

Em outra frente, a das fake news, o centro de cibernética do Homeland (a Secretaria de Segurança Interna norte-americana) teve o trabalho quintuplicado pela enxurrada de alegações sobre “fraude nas eleições”.

O portal da agência de combate às fake news, ‘Controle de Rumores’, precisou repetir que “não era uma coisa real” a teoria conspiratória segundo a qual existiria um computador chamado “Hammer” [Martelo] e o correspondente programa “Scorecard”, que secretamente “desviaria votos de Trump para Biden”.

“Não promova desinformação! Pare de espalhar #SharpieGate”, assinalou também o portal, se referindo à alucinada história de que existiria uma caneta especial – o voto nos EUA é no papel – cuja escrita sumiria, roubando voto de Trump.

Na terça-feira, Chris Krell, que comanda o centro de cibernética do Homeland, reiterou dois avisos: “Não esqueça. (1) Hammer/Scorecard ainda é nonsense, & (2) DHS [Segurança Interna, Homeland] NÃO ESTÁ realizando uma operação sigilosa antifraude usando cédulas com marca d’água”.