Malcolm X se encontra com Martin Luther King

As três filhas de Malcom X e o advogado de direitos civis Ben Crump pediram que seja investigada a participação do FBI e da polícia de Nova York no assassinato do líder negro há 56 anos, exposta em carta no leito de morte por um policial, Raymond Wood, que atuava na época infiltrado.

A carta foi apresentada por um primo do policial, Reggie Wood. Ela fôra enviada a seu pai e que ele a encontrou após a morte dele em 2011.

Implicação do FBI na morte de Malcolm X tem novas comprovações

O assassinato de Malcom X aconteceu há 56 anos, no dia 21 de fevereiro de 1965. Um atribulado período na história norte-americana, em que foram assassinados o presidente John Kennedy (1963), Malcom X (1965), Martin Luther King (1968) e Robert Kennedy (1968).

“Qualquer evidência que forneça uma maior compreensão da verdade por trás dessa terrível tragédia deve ser investigada exaustivamente”, disse Ilyasah Shabazz, uma das três filhas de Malcolm X.

“Ray Wood, um policial disfarçado na época, confessou em uma carta de declaração no leito de morte que a NYPD [polícia de Nova York] e o FBI conspiraram para minar a legitimidade do movimento pelos direitos civis e seus líderes”, assinalou Crump.

“Sem nenhum treinamento, o trabalho de Wood era se infiltrar em organizações de direitos civis e encorajar líderes e membros a cometer atos criminosos. Ele também foi encarregado de garantir que o destacamento de segurança de Malcolm X fosse preso dias antes do assassinato, garantindo que Malcolm X não tivesse segurança na porta enquanto estava no Audubon Ballroom, onde foi morto em 21 de fevereiro de 1965”, resumiu o advogado.

Malcolm X foi morto naquele dia por assassinos identificados como membros da Nação do Islã, organização que ele integrara e da qual se afastara por divergências. Três homens foram condenados pelo assassinato e presos, e todos acabaram em liberdade condicional.

Na época Malcom X vinha assumindo uma concepção muito mais ampla da luta contra o apartheid vigente nos EUA e inclusive procurara se aproximar de Martin Luther King, a quem costumava, anteriormente, criticar pela ‘conciliação’.

Reggie Wood leu em uma entrevista coletiva na semana passada a carta em que o primo revela ter participado “de ações que, em retrospectiva, foram deploráveis e prejudiciais para o avanço do meu próprio povo negro. Minhas ações em nome do Departamento de Polícia de Nova York foram feitas sob coação e medo”.

“Por 10 anos, carreguei essa confissão secretamente com medo do que poderia acontecer à minha família e a mim se o governo descobrisse o que eu sabia”.

De acordo com essa carta, em 1965, os supervisores da polícia de Nova York [NYPD] de Wood o instruíram a arquitetar um complô para atrair dois membros-chave da segurança de Malcolm X, Khaleel Sayyed e Walter Bowe, a fim de garantir que os dois fossem presos e separados de Malcolm X durante seu discurso em 21 de fevereiro.

“Era minha missão atrair os dois homens para um crime federal para que eles pudessem ser presos pelo FBI e mantidos longe de garantir a segurança da porta do Audubon Ballroom de Malcolm X” no Harlem, explicou o infiltrado.

Sayyed e Bowe foram presos em 16 de fevereiro em conexão com o suposto ‘atentado contra a Estátua da Liberdade’, embora Bowe tenha testemunhado na época que era coisa de Wood. A carta divulgada mais de meio século depois corrobora a afirmação de Bowe.

Wood também confessou ter ajudado a incriminar um homem chamado Thomas Johnson, mais recentemente conhecido como Khalil Islam, pelo assassinato de Malcolm X. Condenado à prisão perpétua, Islam sempre manteve que era inocente, até à morte em 2009.

“Em 21 de fevereiro de 1965, recebi a ordem de ir ao Audubon Ballroom, onde fui identificado por testemunhas ao sair de cena”, acrescentou na carta Wood. “Thomas Johnson foi posteriormente preso e condenado injustamente para proteger meu disfarce e os segredos do FBI e da NYPD.”

Na carta, Ray Wood disse ter sido ameaçado pela polícia com “acusações pendentes de tráfico de álcool … se não seguisse” as instruções para sabotar grupos de direitos civis. Sua confissão também compartilhou detalhes dos esforços da NYPD para incriminar um grupo de Panteras Negras, conhecido como “Pantera 21”, que foram absolvidos após serem injustamente acusados de planejar ataques terroristas em Nova York em 1969 .

O advogado Benjamin Crump traçou uma conexão direta entre as tentativas de agentes da lei de se infiltrarem e sufocarem movimentos de ativistas pelos direitos civis na década de 1960 e os esforços mais recentes contra os ativistas do Black Lives Matter. Ficou notória a atuação do Departamento de Justiça do então presidente Trump na vigilância e arapongagem contra líderes negros no auge dos protestos anti-racismo do verão passado, quando o assassinato de George Floyd levou o país à comoção.

“Embora esta seja uma revelação surpreendente do passado”, disse Crump sobre a confissão de Ray Wood, “vou lembrá-lo: o passado é um prólogo. Malcolm X é Black Lives Matter.”

Crump convocou o procurador distrital de Manhattan e os membros do Congresso – em particular a Bancada Negra – a investigar a confissão de Ray Wood e o papel potencial do governo no assassinato de Malcolm X.

O FBI se manteve no maior silêncio frente às denúncias. Já a polícia de Nova York se colocou à disposição dos promotores públicos para “ajudar de alguma forma na revisão” do caso, asseverando já ter fornecido “todos os registros disponíveis”.