Soldado lança gás de pimenta sobre um dos que carregavam caixões dos mártires

Bombas de gás lacrimogêneo foram atiradas nesta quinta-feira, 21, sobre os mais de 500 mil manifestantes que, em La Paz, foram dar o seu último adeus aos mártires de Senkata, moradores que protegiam o terminal de combustíveis localizado em El Alto, cidade vizinha à capital, e que foi tomado pelo governo golpista.

Aos cantos de “El Alto de pé, nunca de joelhos”, a multidão percorreu cerca de 20 quilômetros cobrando a imediata saída da autoproclamada presidenta Jeanine Áñez e justiça para as mais de 30 mortes provocadas pela repressão.

Tendo à frente mulheres vestindo negro e familiares das vítimas, com a Whipala (bandeira que simboliza a integração nacional indígena) tremulando, a peregrinação somou moradores dos 14 distritos de El Alto, da Federação das Juntas de Vizinhos da cidade e camponeses das 20 províncias do país, fechando o cerco sobre a impunidade.

“Então, quando estávamos chegando à Praça Murilo, onde está o Palácio de Governo, fomos barrados por policiais e militares a mando da senhora Jeanine Áñez. Os caixões se chocaram contra escudos, um completo disparate. E começou a chover bombas para impedir que mais de mais de meio milhão de pessoas desse seu último adeus aos companheiros, algo mais do que inacreditável, completamente desumano”, declarou Joaquim Rojas, atualmente na clandestinidade, por telefone ao HP.

Os informes realizados pelo Instituto de Investigações Forenses indicam que todos os oito corpos – encontrados até agora próximos à unidade da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) – “todos, sem exceção, apresentavam lesões e traumas provocadas por projétil de arma de fogo”. “Mas mais do que suspeitas ou indícios, há denúncias que vários corpos continuam escondidos pelos órgãos de repressão, como infelizmente passou a ser sua prática nesta ditadura. O resultado foi uma manifestação ainda maior, inclusive de pessoas que não estavam ao lado de Evo, mas que não concordam com tamanha atrocidade”, acrescentou Rojas.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos repudiou o uso desmedido de violência pelo governo ditatorial e a responsável pela Defensoria do Povo, Nadia Cruz Tarifa, conclamou a mobilização para que os crimes não fiquem impunes e se faça justiça.

“Para que os crimes não fossem registrados”, denunciou Rojas, “a polícia dispersava com motos, o Exército tinha tanques, e tudo virou uma batalha campal em que só um dos lados massacrava”.  “O racismo e a covardia das forças da repressão”, assinalou, eram mais do que evidentes, “quando diziam pessoalmente para as mulheres de pollera [saia indígena] irem molestar em El Alto”.