Militantes da saúde e delegados à 17ª Conferência Nacional de Saúde, em Brasília, reuniram-se nesta segunda (26), numa plenária online para discutir a mobilização para o encontro histórico que deve começar no próximo domingo (2) e segue até a quarta-feira (5), no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB), em Brasília (DF). O tema do evento que pode chegar a sete mil delegados e convidados, é “Garantir Direitos, defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã vai ser outro dia!”.

A plenária foi uma iniciativa do Movimento Nacional Saúde pela Democracia +SUS é +Brasil. Entidades de movimentos sociais como a CTB (central sindical), Conam (moradia), UJS (juventude), Unegro (combate ao racismo) e UBM (mulheres), participaram do debate, assim como cerca de 200 militantes de partidos como PCdoB, PDT, PSB, conselheiros de Saúde, entre outros não filiados a partidos. A ideia é ampliar a articulação cada vez mais para garantir um debate qualificado sobre saúde pública na 17a. CNS.

O ex-conselheiro de Saúde, Ronald Santos, foi um dos condutores da plenária que ressaltou a potência que a saúde tem de mobilizar a sociedade e confrontar ideias. “As conferências são uma invenção brasileira da democracia participativa que têm reflexos por muitos anos de governos”, ressaltou. 

Ele leu e comentou as ideias expostas no Manifesto aprovado em conferência livre, com um conjunto de proposições que foram consenso nas tarefas da saúde. “Propostas que precisam ganhar as bases e territórios para enfrentar esse tempo. São o que acumulamos até o momento e que pretendemos articular nesta reunião de trabalho”, pontuou o sindicalista da Fenafar (Federação Nacional de Farmacêuticos).

Getúlio Vargas, presidente da Conam, ressaltou o papel que a plenária tem de ampliar o movimento, acionando militantes e forças políticas diversas, que se comprometam a defender a pauta da defesa do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele pontuou a importância que esta 17a. CNS terá na defesa da ministra da Saúde, Nísia Trindade, sob ataque de setores políticos que querem o controle dos recursos do Ministério. “Nísia não é de partido, mas representa a ciência, a FioCruz e o SUS n Ministério da Saúde após um período sombrio de negacionismo bolsonarista”. 

Para Getúlio, a 17a CNS também tem o papel de reafirmar a pauta do Governo Lula “e o programa vitorioso e de resistência do último período, que tem o DNA desses movimentos”, e foi eleito em 2022.

Vanja Santos, da UBM, salientou os desafios que devem estar postos a partir de domingo. Na opinião dela, as conferências nos estados e municípios encontraram muita resistência nas mudanças e até fascismo no debate sobre o SUS.

A militante feminista afirmou como o bolsonarismo continua presente nos debates sociais, buscando “escamotear” os debates propostos nos eixos da Conferência. “As mulheres brasileiras são as mais atacadas nos seus direitos sexuais e reprodutivos”, diz ela.

Vitória Davi, liderança da juventude, afirmou que cada encontro, plenária, mobilização e empenho em cada atividade já é “a reconstrução do Brasil que queremos”.Para além de participante das mobilizações pela saúde, a juventude quer estar como agente para uma Conferência Nacional que, na opinião dela, sem dúvida, será histórica.

“Não podemos nos enganar. A reconstrução do SUS é um enfrentamento contra as forças deles. O povo brasileiro precisa se sentir participante e acolhido pelos movimentos e pelos políticos”, disse ela, enfatizando que a 17a. CNS vem com muita força.

Conceição Silva (PE), da Unegro, também considera a Conferência histórica por representar a retomada da democracia e a reconstrução do SUS, “após o caos sanitarista que levou a muitas vidas perdidas”. 

Ela lembrou como a população negra sofre primeiro as vulnerabilidades da saúde e da miséria. Conceição considera que esta conferência foi construída com a força dos movimentos sociais, “mas também com capacidade ampla de diálogo”.

Lastrear e referendar propostas

Ronald, então, fez uma apresentação das propostas levantadas e expressas no Manifesto do Movimento Nacional Saúde pela Democracia. Para ele, a plenária tem o objetivo de mostrar o que foi acumulado como grandes consensos “para lastrear e referendar com força social e política, pois não basta apenas ter as melhores ideias”. 

Ele lembrou que mais de dois milhões de brasileiros se mobilizaram em torno deste debate nas conferências por todo o país. “As proposições precisam ter propostas concretas para o que significa +SUS”, disse.

Entre estas propostas ele resumiu a necessidade de discutir a locação das riquezas e recursos, após um governo em que o orçamento secreto nada mais foi que a disputa por eles. “Apontar  um percentual é entrar na disputa efetiva”, disse ele, sobre a proposta de elevar o piso mínimo para Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) ao ponto de chegar a 6% do Produto Interno Bruto.

Citou ainda a necessidade de reforçar que SUS é integralidade e universalidade na prestação do serviços e saúde. Não basta atender a todos, mas atender com integralidade. Mencionou a necessidade de discutir o piso da enfermagem, como prioridade na valorização dos profissionais.

Para ele, é preciso fazer a população entender com clareza a importância de baixar os juros. “O Brasil foi tomado de assalto por parasitas rentistas. Os juros mais altos também são responsáveis pelo crônico subfinanciamento do SUS”.

Ronald mencionou a necessidade de tecnologia e indústria nacional, que ficou claro na pandemia, quando ficamos sem máscaras, oxigênio e até antibióticos. Para isso, há a defesa do desenvolvimento de um Complexo Econômico-Industrial da Saúde. 

“O racismo e o machismo são dilemas estruturais que mais se expressaram no último período e exigiram enfrentamento do SUS”, acrescentou. Os direitos das mulheres foram, segundo ele, uma barreira enfrentada no SUS.

“É preciso ampliar a maioria social em torno dessa agenda. Aglutinar força social e política a nosso movimento”, enfatizou ele, pedindo a que cada um procure os parceiros de luta em todos os partidos e mesmo fora deles.

“Os Grupos de trabalho da Conferência têm momentos importantes para ter presença de diálogo com delegados de outras forças políticas que podem se alinhar com nossas propostas”, sugeriu ele. Isso é importante, para incorporar essa agenda com capilaridade e chegar à plenária final de forma organizada.

“Temos a pretensão da construção de maioria politica nos territórios”, reafirmou. “É preciso atrair todos que têm um grau de convergência em torno da valorização do SUS, do trabalho e do serviço público. Uma pauta que una, não divida”.

Ele também recomendou que todos levem material que dê presença visual às propostas do movimento. Foi organizado um grupo de Whatsapp para manter o diálogo entre os participantes ativo.

Percepção territorial

Foi aberto o microfone para todos que quisessem se expressar, quando cerca de 25 pessoas falaram de diversos movimentos, conselhos, delegados ou não da 17a. Conferência. 

A médica Julia Roland, de São Paulo, buscou destacar, dentre as milhares de propostas, algumas fundamentais para que todas as outras se realizem. Ela citou a questão do financiamento, com ênfase no percentual de 6% do PIB para o setor público, afinal não adianta aumentar os recursos, se a maioria vai para planos de saúde do setor privado. Ela considera importante discutir equidade ao reconhecer as diferenças, pois os recursos são finitos. 

Ela ainda observou a importância do debate em torno de um complexo industrial de saúde, que pode envolver justamente os ministérios que representam a Frente Ampla do governo: o Ministério da Saúde (Nísia Trindade), da Indústria e Comércio (Geraldo Alckmin) e do Planejamento e Orçamento (Simone Tebet).

A farmacêutica e liderança de mulheres, Jussara Cony, falou do significado da amplitude deste momento da plenária para traduzir para a conferência a necessidade de conquistar muita gente para o movimento e “fazer o enfrentamento do veneno fascista”. 

“Somos a maioria das usuárias e trabalhadoras, e quem mais sofre quando acontecem retrocessos. Por isso, mesmo, temos um caso de amor com o SUS”, disse ela sobre as mulheres. Ela falou de seu sonho de uma Universidade do SUS e da necessidade de fortalecer Nísia.

Mario Kato considera a 17ª. CNS um grito da democracia no fim de um regime fascista. Para ele, é preciso ousar, mas também politizar propostas e ser claros para conquistar adesão. Ele defendeu a necessidade de falar com muita clareza sobre a disputa no Banco Central que faz com que 46% do orçamento sejam dedicados para amortização da dívida, deixando 3,3% para saúde. Para ele, Nísia representa a reconstrução do SUS após a “catástrofe”. Para ele, ela sofre ataques por ser uma mulher competente.

A relatora da plenária Francisca Valda lembrou que temos um Congresso que trabalha para o outro projeto, por meio de chantagem e sabotagem, com apoio da mídia corporativa para promover uma agenda desumana.

“Precisamos juntar força na sociedade civil, por isso a Conferência é tão importante”, disse.

Valda explicou que a 17ª. CNS traz 1462 propostas e diretrize, o que representa quatro vezes mais que a anteriores e 2019. “Temos a meta de alcançar 6% do PIB e inverter a destinação, que hoje a maioria vai para plano saúde, que atende a minoria”, ressaltou.

Surgiram ainda destaques a propostas para a população em situação de rua, mais equidade e acessibilidade para pessoas com deficiência, atendimento aprimorado a doenças raras, oferta maior de melhores medicamentos na Farmácia Popular, garantia de psicólogo nas escolas para enfrentar a violência, investimento em tecnologia e start ups de saúde, fortalecer o controle social para impedir o desvio de recursos, investimento em atenção primária para evitar o sucateamento da rede hospitalar. 

Vários delegados enfatizaram a disputa de ideias com bolsonaristas nas conferências locais, defendendo até o fim do SUS e contaminando muitas propostas. Acreditam que a ida desses delegados à 17ª. Conferência será “uma luta”. Helena Piragibe, da UBM, disse que será preciso ter t’tica para derrotar os fascistas em cada um dos 41 grupos de trabalho.

O fortalecimento da ministra Nísia Trindade foi uma unanimidade entre os participantes. 

Jussara encerrou a plenária a pedidos, recitando seu poema “Aos que não desistem” e emocionando a todos. Leia a íntegra abaixo”

Aos que não desistem

Do amor, da luta, da labuta!

Aos que não desistem

Da ternura

E daquela solidariedade

Incessante e itinerante!

Aos que não desistem

Da beleza contida

Na verdade,

Na unidade,

Na liberdade!

Aos que não desistem

Da construção dessa Nação

Na pampa,

Nas florestas,

No sertão!

Aos que não desistem

Da noite,

Da madrugada,

De um amanhecer.

Aquele novo dia

Para retomar direitos, afetos

E a sonhada democracia!

Antes que tarde!

Pois soa o alarde

E o toque de avançar!

Aos que não desistem

De lutar,

Unir, resistir,

Libertar!

No andar certeiro:

Nenhum passo atrás,

Nenhuma estagnação,

Um só coração!

Organizar,

Unir,

Ampliar,

Resistir,

Avançar!

Reencantar!

Esperançar!

Revolucionar!

(por Cezar Xavier)