Padrão residencial predominante em bairros como Cidade TiraPadrão residencial predominante em bairros como Cidade Tiradentes na Zona Leste paulistana. Foto Cassimano (CC)dentes na Zona Leste paulistana. Foto Cassimano (CC)

Pesquisa do Instituto de Geociências da Unicamp analisou a disseminação da pandemia de Covid-19 na Zona Leste de São Paulo e percebeu a diferença de disseminação do contágio, em relação a outras regiões da cidade. A pesquisa foi feita através do uso de Geoinformação e da coleta de dados primários junto à população, utilizando questionário online.

“A política pública de contenção só foi efetiva nas áreas mais centrais e nobres da cidade, devido à visão homogênea do território, deixou as periferias desassistidas, onde o contágio e o número de óbitos tem sido intenso e persistente”, dizem os pesquisadores Altair Aparecido de Oliveira Filho e João Pedro de Almeida Santos, na divulgação dos resultados preliminares do estudo.

Com os resultados, a Frente Popular pela Vida, grupo de movimentos sociais da Zona Leste, que acompanha e reivindica ações efetivas do poder público no combate à pandemia, pode reivindicar uma política territorial mais eficiente, com um olhar mais atento à diversidade de condições socioespaciais presentes em São Paulo.

Simplismo da estratégia do governo

O plano do Governo do Estado de São Paulo sobre a retomada da economia conforme a pandemia arrefeça, revela uma “simplificação e um olhar homogeneizador das diversas realidades urbanas”. O estudo mostra que o plano trabalha com escala de ação a partir dos “Departamentos Regionais de Saúde”, e, com isso, a Região Metropolitana de São Paulo foi dividida em somente duas áreas (a capital e todos os outros 38 municípios).

“Proposto dessa forma, o plano de retomada escancara a ausência de uma estratégia territorializada, que compreenda a multiplicidade dos territórios existentes na maior cidade do hemisfério sul e suas desigualdades”, dizem os pesquisadores.

O uso da Geoinformação mostra que, à medida em que as semanas epidemiológicas transcorrem, os efeitos se deslocam territorialmente, impactando em novas áreas e mudando de extrato social mais impactado. Num primeiro momento, com a chegada dos casos importados do exterior, o vírus ficou circunscrito em bairros de classe alta e média do centro expandido de São Paulo; no segundo momento, a doença se espalha pelo centro expandido, dando início à transmissão local, decretada já em 12 de março (44 casos), quando não se sabe mais a origem dos casos. Esta circunscrição nos bairros de renda alta vai até 31 de março (mil casos): Itaim Bibi, com 437 casos e Jardim Paulista, com 366 casos, enquanto, São Rafael e Cambuci ambos na zona leste, apresentavam 4 e 4,5 vezes menos casos.

O terceiro momento da pandemia marca sua expansão territorial para os flancos da cidade, período em que se registra casos em todas as regiões e a intensidade da incidência emigra para as periferias. O avanço da Covid-19 pela periferia de São Paulo é concretizado e retroalimentado pelos fluxos de pessoas indo e voltando do trabalho. Este movimento coincide com o relaxamento das medidas de isolamento social, em meados de abril, quando o percentual de isolamento estabiliza em torno de 45% e assim permanece. No dia 26 de junho, o percentual de isolamento no Brasil foi de 37,5%10.

“A trajetória era previsível e foi deliberadamente não vista pelo poder público. No mês de maio, definitivamente é consolidada a pandemia nas periferias”, diz o estudo.

Esta realidade é clivada pelos problemas persistentes, como limitações de saneamento; moradias precárias com pouca possibilidade de isolamento; mais horas no transporte coletivo; falta de equipamentos de saúde; poluição ambiental; desemprego crescente, principalmente dos jovens; predominância da economia informal, que gera instabilidade na renda.

Mapa mostra a redução dos casos em bairros de renda alta conforme a pandemia explode na periferia

Doença que começou em bairros centrais, entre populações ricas, tem seu maior impacto e violência entre os mais pobres.
A densidade demográfica pesa menos

Os pesquisadores explicam que a densidade demográfica, usada por Bolsonaro e outros analistas para explicar o impacto nas cidades não tem peso direto ou aritmético na disseminação do vírus. Em todo o mundo, lembram eles, a Covid-19 atingiu fortemente grandes cidades globais densas, como Nova York, Londres e São Paulo, como cidades pequenas em regiões mais interioranas. “É importante distinguir as infelizes coincidências dadas pelas características dos lugares, que podem impulsionar ou limitar a propagação do vírus”, observam os pesquisadores.

Assim, os geógrafos afirmam que não é a densidade demográfica em si que torna a cidade suscetível, mas o tipo de densidade e a maneira como afeta a vida e o trabalho diário dos indivíduos da periferia. “Isso ocorre porque os lugares podem ser densos e ainda fornecerem condições para as pessoas se isolarem e se manterem socialmente distantes”.

Eles descrevem essa diferença entre bairros ricos e densos, onde as pessoas podem se abrigar no local, trabalhar remotamente e receber alimentação sem sair de casa, contra regiões pobres e densos, que acabam por empurrar as pessoas para as ruas, aos trabalhos precarizados e no transporte coletivo lotado. A Covid-19 não está mais atingindo com intensidade as áreas no entorno de Perdizes e Jardins Paulista, que são superdensas, mas os bairros igualmente ou “menos” densos da zona leste, como Sapopemba, Jardim Helena e Vila Jacuí.

Por isso, os pesquisadores concluem que esta sobreposição de fatores produziu “duas pandemias” na cidade de São Paulo. “Uma controlada, compreendida e reconhecida publicamente e uma outra pandemia, negligenciada e escondida por estar concentrada nas regiões mais pobres e acometendo os indivíduos periféricos”, definem.

Renda e rede sanitária

Desta forma, em vez de se pontuar pelas limitações dos dados por Distritos Administrativos, o governo do estado deveria atentar para questões levantadas pelos moradores desses bairros, que foram levantadas nos questionários da pesquisa, já em julho:

Mais da metade daqueles que responderam o questionário, afirmam enfrentar redução dos seus rendimentos. Olhando os dados desagregados encontramos que 9,8% estão com perdas acima de 50% dos seus ganhos antes da pandemia e 23,4% estão desempregados. “O território precisa ser olhado como unidade de planejamento e gestão das desigualdades, norteando as ações concretas de redistribuição de instrumentos e instalações públicas, bem como ampliar as possibilidades de desenvolvimento socioeconômico com investimentos diretos e modernização das infraestruturas urbanas existentes”, sugerem os pesquisadores.