Deputada Janaina Paschoal (PSL). Foto: Bruno Rocha/Estadão Conteúdo

Por 58 votos a favor e 20 contrários foi aprovado, nesta quarta-feira (14), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o projeto de lei da deputada Janaina Paschoal (PSL) que garante à gestante a possibilidade de optar pela cesárea, a partir da 39ª semana de gravidez, em hospitais públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que não haja orientação médica. O projeto ficou conhecido como PL das Cesáreas.
O conteúdo no projeto não foi debatido em nenhuma comissão temática, como a de Constituição e Justiça, por exemplo, nem foi aberto para uma audiência pública. Nenhuma organização técnica foi convidada a se manifestar sobre a proposta na Assembleia. Um acordo entre os deputados permitiu que o PL 435 fosse incluído no pacote de projetos de urgência, o que o levou direto à votação em plenário e acarretou na aprovação precoce.
A deputada do PSL afirma que sua intenção é defender a vida e a autonomia das mulheres em relação ao que chama de “obsessão” por parto normal. “O parto cesáreo não é uma questão de comodidade, mas a salvaguarda da vida de uma criança pronta para nascer e que cuja mãe, muitas vezes, é mandada de volta para casa até que o parto normal tenha início – em função de uma verdadeira obsessão pelo parto normal – e acaba ocasionando asfixia fetal, levando crianças à morte em uma circunstância grave, triste e desnecessária”, disse.
O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) e o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública estadual ((Nudem) são contra o projeto.
O Coren, afirma que “o PL apresentado está em desacordo com as 56 recomendações emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgadas em 2018, que estabelecem padrões de atendimento para reduzir as intervenções desnecessárias no parto. Nas últimas décadas, houve aumento significativo das taxas de cesariana em todo o mundo, sem comprovação de benefícios significativos para a saúde das mulheres e de seus bebês”, afirmou a entidade.
A defensora pública Paula Sant’Anna Machado de Souza citou estatísticas em que 70% das mulheres iniciam o pré-natal com desejo de ter um parto normal. Mas ao final, mais da metade dos partos ocorre por cesariana. “Será que elas realmente estão tendo opção? O que tem havido nesse tempo, que leva a escolha de um procedimento que contraria as indicações de saúde internacionais?”, questionou.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda cesárea apenas “quando medicamente necessária”. Segundo a OMS, as cesarianas podem causar complicações significativas, incapacidade ou morte, particularmente em locais sem instalações com condições de realizar cirurgias seguras ou tratar potenciais complicações.
Em 2016, o Ministério da Saúde publicou um protocolo com orientações aos serviços de saúde, com incentivo ao parto normal. Em 2018, 56% dos partos realizados no Brasil foram cesarianas, a maioria em hospitais particulares, e 44% normais, segundo levantamento da pasta.
Historicamente, esse tem sido o padrão. No estado de São Paulo, o percentual é semelhante. Anualmente, são realizados, em média, 370 mil partos no SUS paulista, e as cesáreas correspondem a cerca de 43% desse total. Desde 1985, a comunidade internacional de saúde considera a taxa ideal para cesarianas entre 10% e 15%.
Resolução de 2016 do Conselho Federal de Medicina (CFM) afirma ser “ético” o médico atender à vontade da gestante de realizar a cesárea, desde que “garantida a autonomia do profissional, da paciente e a segurança do binômio materno fetal”. Ou seja, desde que não afete a segurança vital da mãe e do bebê.
A presidente da Confederação das mulheres do Brasil (CMB) Gláucia Morelli criticou o projeto e destacou a existência de outro que atende as necessidades das mulheres.
“Gostaria muito que a Deputada Janaina Paschoal escutasse de verdade as mulheres. Essa Lei é agressiva com o ‘manto’ de proteção. Totalmente contraria a todas as lutas por real proteção a maternidade. O município de São Paulo tem uma excelente lei para garantir mais acolhimento e respeito. A Lei Municipal 15.894 de 2013 de iniciativa da vereadora Patricia Bezerra (PSDB). Esta lei poderia ter sido proposta por Janaina para o Estado de SP e se tornar exemplo para todo o Brasil”, afirmou Glaucia.
“Queremos respeito a luta de tantas mulheres para ter um Pre-natal, parto e pós parto como merecemos. A discussão deveria estar no absurdo congelamento de verbas da saúde e educação por 20 anos que resulta em fechamento de maternidades e vagas obstétricas nos SUS e NAO em as mulheres serem cortadas sem necessidade porque não tiveram o atendimento adequado com analgesia se quiserem e outras praticas paliativas de diminuição da dor a que deveriam ter acesso”, disse a presidente da CMB.
O obstetra Braulio Zorzella, representante da REUNA — Rede de Humanização do Nascimento e a pediatra e epidemiologista, Sonia Lansky, coordenadora da exposição Sentidos do Nascer, publicaram um vídeo direcionado à deputada, que viralizou nas redes sociais e fez com que a deputada os recebesse para uma conversa sobre o tema, mas Janaína não deu ouvidos aos argumentos levantados pelos médicos.
“Eu concordo com você (Janaína Paschoal) que a cesárea é melhor do que um parto mal feito. Porém, a grande discussão é melhorar o acesso a analgesia de parto, pois muitas mulheres pedem cesárea porque estão com dor. Mas, nesse caso, a saída é a analgesia e não a cirurgia, pois é a anestesia da cesárea que tira a dor”, salientou Braulio.
“Hoje, uma mulher que chega sozinha em um ambiente hostil de um hospital, com pessoas que não conhece, fica estressada. E o hormônio do estresse, que é a adrenalina, compete com a liberação da ocitocina natural, dificultando o parto normal. O que temos que fazer é melhorar a ambiência, o conforto, a falta do direito à analgesia”. “No Brasil, 70% das mulheres querem parto normal e 30% cesárea. Mas esses 30% escolhem cesárea pela desestrutura do sistema e não porque não querem o parto normal. Um hospital superlotado, poucos médicos, a falta de uma enfermeira obstétrica, o uso excessivo de ocitocina para acelerar os partos… É uma sequencia de erros que ainda persistem nas práticas e isso é que temos que mudar”, completa Braulio.
“É importante que as mulheres tenham acesso a cesariana, ninguém discute isso. Mas não há como defender os altos índices de cesariana que temos no Brasil, e o aumento desses números não é uma conquista da mulher”, diz Braulio.
BRASIL
O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de cesarianas. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece em até 15% a proporção recomendada, no Brasil esse percentual chega a 57%.
Grande parte dessas cesarianas é feita de forma eletiva, sem fatores de risco que justifiquem a cirurgia, e antes de a mulher entrar em trabalho de parto. Em muitas localidades, faltam condições de assistência que favoreçam o sucesso do parto vaginal, tanto no setor público como no privado, analisa a obstetra Roseli Nomura, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
“Equipes em número insuficiente de profissionais de saúde, não apenas médicos, mas obstetrizes, enfermeiras, anestesistas e neonatologistas, prejudicam o cuidado à parturiente”, observou.
Mas por que a cesárea é tão recorrente nas maternidades? Um parto normal pode demorar horas, dias e a equipe médica deve ser paciente, não se pode agendar vários partos normais para um dia. Não é incomum em convênios médicos grávidas escutarem: “Se for normal, vai ter que ser no pronto socorro. Comigo, apenas cesárea”. Para o hospital particular, é lucrativo alugar todo seu equipamento de cirurgia com uso certo, do que apenas para intercorrências. Há um mercado que lucra com a cesárea.