"As táticas de pressão máxima dos EUA estão perdendo força quando se trata da China”, dizem analistas ao Global Times. (Foto-montagem do Tecmundo)

“Sob Trump, o déficit de mercadorias dos EUA com a China bate recorde histórico e seu o déficit global do comércio exterior atingiu seu ponto mais alto nos 243 anos de história do país”, diz o acadêmico David Firestein, do Centro de Políticas da China da Universidade do Texas. E o PIB desacelerou de 0,75% para 0,51% entre o 1º e o 2º trimestre

Menos de 15 dias depois de ter rompido a trégua comercial com Pequim e anunciado a imposição em 1º de setembro de tarifa adicional de 10% sobre US$ 300 bilhões em importações da China, o governo Trump adiou na terça-feira a imposição dessa tarifa a laptops, celulares, computadores, monitores, consoles de vídeo game e uma ampla gama de outros produtos, para 15 de dezembro. A lista de 21 páginas inclui, ainda, micro-ondas, carrinhos de bebê, certos itens de brinquedos, calçados e roupas, e até fogos de artifício e ketchup. Alguns produtos também foram removidos da lista de sobretaxas.

O adiamento foi bem recebido pela Associação de Líderes da Indústria de Varejo, que assinalou que a medida – que brinquedos, eletrônicos, roupas e calçados – é bem-vinda, pois atenuará alguns problemas para os consumidores na época de festas.

A decisão também foi elogiada pela Câmara de Comércio dos EUA, que acrescentou que é “mais importante do que nunca” que os dois lados retornem à mesa de negociação “e se comprometam a alcançar o progresso em direção a um acordo abrangente e executável”.

A gama de produtos beneficiados é de US$ 98 bilhões, segundo a Reuters, ou de US$ 130 bilhões, de acordo com o jornal chinês Global Times – ou seja, cerca de um terço dos US$ 300 bilhões inicialmente apontados como alvo.

O inesperado adiamento de Washington foi publicado, segundo a Reuters, poucos minutos depois de o Ministério do Comércio da China ter divulgado que o vice-primeiro-ministro Liu He, que é o principal negociador comercial da China, discutiu as divergências no comércio com o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, e com o representante do Comércio dos EUA, Robert Lighthizer.

Na conversação por telefone, também participaram, pelo lado chinês, o ministro do Comércio, Zhong Shan, o governador do BC chinês, Yi Gang, e o vice-presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, Ning Jizhe. As duas partes concordaram em realizar outra conversa por telefone dentro de duas semanas.

ALÍVIO

Como registrou a Reuters, o adiamento nas tarifas que estavam programadas para começar no próximo mês proporciona algum alívio para os varejistas. Embora a maioria das lojas tenha estocado suas mercadorias de fim de ano antes do prazo final de 1º de setembro, algumas poderiam ser penalizadas pelas tarifas adicionais em seus pedidos para a temporada de compras de fim de ano.

“Estamos fazendo isso para a temporada de Natal, para o caso de algumas das tarifas impactarem os clientes dos EUA”, disse o presidente Donald Trump a repórteres enquanto se preparava para partir de Nova Jersey para um evento em Pittsburgh.

Também pelo Twitter, Trump voltou a um dos seus temas favoritos nessa pré-temporada de eleições 2020 e com os agricultores da soja e milho no maior sufoco. “Como de costume, a China disse que ia comprar “grande” de nossos grandes fazendeiros americanos. Até agora eles não fizeram o que disseram. Talvez isso seja diferente!”

O anúncio também melhorou o humor dos especuladores de Wall Street e o índice S&P 500, que recuara 4% desde 1º de agosto, teve uma alta de 1,57%.

No segundo trimestre, o PIB dos EUA – anualizado – murchara de 3,1% para 2,1%, sintoma da fraqueza da economia, que volta ao pífio patamar dos últimos dez anos pós-crash, mesmo depois do colossal corte de impostos para corporações e magnatas, que não se transformou em investimentos e, sim, em recompra de ações, para dar mais bônus a banqueiros e acionistas, jogatina na bolsa e inchaço da parcela da riqueza em mãos dos 0,1% – além de inflar o déficit fiscal.

NUVENS A ESTIBORDO

No domingo, o Goldman Sachs assinalara que estão aumentando os temores de que a guerra comercial EUA-China que está levando à recessão e acrescentou não esperar mais um acordo comercial entre as duas maiores economias do mundo antes da eleição presidencial de 2020.

Na semana anterior, o Morgan Stanley já havia advertido que se o conflito EUA-China durar mais quatro a seis meses, a economia global estará em recessão em nove meses.

Analistas ouvidos pelo Global Times disseram que o súbito adiamento das tarifas iminentes mostra que as táticas de pressão máxima dos EUA “estão perdendo força quando se trata da China”.

Lian Qi, professor da Universidade de Nankai, considerou que a decisão mostra que “tanto a China quanto os EUA são altamente dependentes uns dos outros, e a prática de impor tarifas não necessariamente coloca a China de joelhos”. “Também podemos ver que a imposição de tarifas pode prejudicar os interesses dos EUA, dificultando a reeleição de Trump”, completou.

HUAWEI AINDA NA MIRA

Visto por outro ângulo, o embate continua fervendo: entrou em vigor na terça-feira a proibição das compras federais de equipamentos e serviços da Huawei e mais quatro empresas chinesas de tecnologia, supostamente por razões de “segurança nacional”, mas, na verdade, como forma de sabotar o acelerado progresso chinês no domínio da alta tecnologia.

A proibição atinge especialmente a Nasa, a Administração de Serviços Gerais e o Pentágono, que estão vedados de comprar produtos ou serviços, bem como de prolongar ou renovar contratos com essas empresas de tecnologia chinesas, a menos que seja concedida uma dispensa.

As outras empresas atingidas são a ZTE, Hytera Communications Corporation, Hangzhou Hikvision Digital Technology Company e a Dahua Technology Company. Em agosto de 2020, entrará em vigor uma proibição mais ampla, aplicável a qualquer empresa que utilize equipamento chinês, ainda a ser regulamentada.

BARREIRA DOS SETE YUANS POR DÓLAR

Na semana passada, o entrevero entre Washington e Pequim ficara centrado na acusação de que a China era “manipuladora da moeda” pelo fato de a cotação do yuan em relação ao dólar ter ultrapassado a barreira de 7 por 1 pela primeira vez em décadas, o que ocorreu sob a guerra comercial desencadeada por Trump e com a China, em 2015/2016 tendo usado US$ 1 trilhão das suas divisas para manter a cotação.

A acusação foi desmentida por relatório do FMI que comprova que, ao longo do ano passado, a cotação do yuan esteve “amplamente em acordo com os fundamentos a médio prazo”, o superávit chinês em conta corrente caiu cerca de um ponto percentual (em relação ao PIB) e, além disso, o yuan esteve sobrevalorizado – e não desvalorizado – em relação a uma cesta de moedas.

A depreciação pontual do yuan – citada pela acusação dos EUA – foi, como salientaram especialistas, muito, mas muito menor que flutuações vistas no won sul-coreano, na lira turca e em moedas latino-americanas, e cujos países nem por isso foram chamados de ‘manipuladores’. Mnuchin havia ameaçado ir ao FMI para “eliminar a vantagem competitiva injusta criada pelas últimas ações da China”.

Embora o déficit comercial norte-americano com a China seja uma realidade (e inclusive piorada sob Trump), isso expressa em última instância a decisão dos monopólios norte-americanos de deslocarem parte essencial de sua indústria para os países de baixíssimo salário para compensar sua perda de competitividade decorrente da perda de produtividade. Pagar salários de Taiwan ou Shenzhen e vender a preços de Nova Iorque, e embolsar a diferença. Mas o alvo principal dos magnatas norte-americanos em relação à China continua sendo arrombar a China para Wall Street e barrar o desenvolvimento da alta tecnologia.

VERÃO DE 2020

Sobre o impasse Trump-China, um acadêmico ouvido pelo Global Times, David Firestein, do Centro de Políticas da China da Universidade do Texas, fez uma curiosa análise: que Trump “enfrenta uma escolha estratégica: pode ser ‘ ‘Presidente Tarifa’ ou pode ser um presidente de dois mandatos, mas não pode ser ambos”.

“Se ele continuar no atual caminho político, ele perderá parte de seu apoio popular e esses votos perdidos, em lugares como Pensilvânia e Michigan, custarão a ele a eleição. Para ganhar a reeleição, Trump deve acabar com a guerra comercial; e ele deve fazê-lo até o verão de 2020”, afirmou.

Para Firestein, a atual política dos EUA em relação à China “está falhando nos EUA de várias maneiras mensuráveis”. “Sob Trump, o déficit de mercadorias dos EUA com a China subiu para um recorde histórico; o déficit global do comércio exterior dos EUA atingiu seu ponto mais alto nos 243 anos de história dos EUA; os mercados de ações dos EUA estão perdendo fôlego; e os americanos estão efetivamente pagando mais impostos hoje – mais de US$ 800 por família por algumas estimativas na forma de preços mais altos gerados pelo aumento das tarifas que Trump impôs às importações chinesas – do que em 2017”.

Ainda segundo o acadêmico, “empresas, trabalhadores, fazendeiros e pecuaristas americanos estão todos começam a sentir níveis mais altos de dor, devido ao aumento dos custos de insumos e à diminuição da demanda na China por seus produtos, serviços e commodities”.

Firestein afirmou que a insanidade da abordagem de Trump em relação às tarifas “surge principalmente quando se destila a política até sua essência. “O que Trump está dizendo à China é: ‘Vou taxar meu próprio povo, prejudicar o crescimento da minha própria economia, sabotar meus próprios mercados de ações e apagar trilhões de dólares da riqueza da minha nação até que você (China) faça o que eu quero que faça.’ Não é propriamente uma estratégia vencedora”.

Concluindo, ele apontou que “nem os EUA nem a China estão ‘vencendo’ a guerra comercial; estamos todos perdendo. Da sua parte, os EUA estão perdendo em muitos dos meios óbvios e auto-evidentes mencionados acima”.

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