PIB britânico encolhe 20,4%, quase o dobro da queda da Europa
A Grã Bretanha entrou oficialmente em recessão após sua economia contrair 20,4% no segundo trimestre, na comparação com o trimestre anterior, no auge da quarentena para conter a Covid-19, anunciou o Instituto Nacional de Estatísticas (ONS, na sigla em inglês).
Retrocesso pior do que qualquer grande país europeu e do que os Estados Unidos. O resultado é quase duas vezes mais grave do que o da retração da União Europeia em igual período: -11,9%
No primeiro trimestre, o PIB britânico havia diminuído 2,2%.
O PIB britânico está de volta ao patamar de junho de 2003, com 17 anos de crescimento econômico apagados pela pandemia em apenas dois trimestres.
O mergulho da economia britânica se seguiu à irrupção da Covid-19 em março, acompanhado do fracasso da política de ‘imunização de rebanho’, o que levou à decretação em atraso de um fechamento nacional para conter o coronavírus, cuja extensão acabou sendo maior do que naqueles países que rapidamente tomaram medidas e realizaram a testagem e o rastreamento de contatos.
No mesmo trimestre, a zona do euro encolheu 12,1%, a Alemanha, -10,1%, a França, -13,8% e a Itália, -12,4%. O recuo nos EUA foi de 10,6%.
Ao mesmo tempo em que teve o pior resultado na economia em comparação com os países europeus vizinhos, a Grã Bretanha também foi o país europeu com maior número de mortos, 46 mil.
“A longa duração do bloqueio no segundo trimestre, devido à lenta resposta do governo à Covid-19 em março, seguida por sua falha em evitar que o vírus se propagasse, foi a raiz do baixo desempenho da economia”, afirmou Samuel Tombs, economista-chefe do Reino Unido da Pantheon Macroeconomics, conforme a Bloomberg.
Sob a imperiosa necessidade de fechar lojas, restaurantes, escolas, obras, fábricas e tudo o que não fosse essencial, e de manter as famílias protegidas em casa, a derrubada se estendeu a todos os setores da economia, como atestam os números do ONS.
Os gastos do consumidor caíram 23,1%. A produção industrial encolheu 17%, pior ainda na construção civil, que despencou 31,4%. No setor de hospitalidade – bares, restaurantes e hotéis, a contração chegou a 75%. Os serviços, que são 80% da economia, recuaram 20%. O investimento das empresas desabou 31,4% e os gastos do governo, 14%. Os salários e vencimentos caíram 1,6%, a primeira queda desde 2015 e a maior desde 2008 – queda que só não foi muito, muito maior, por causa do programa de subsídio aos salários dos trabalhadores sob quarentena. 730 mil empregos foram perdidos no período.
Com a flexibilização das restrições, houve alguma recuperação em junho, com crescimento de cerca de 9% em relação ao fundo do poço.
De acordo com o estatístico-adjunto, Jonathan Athow, do ONS, “a economia começou a se recuperar em junho, com a reabertura de lojas, fábricas começando a aumentar a produção e construção de casas continuando a se recuperar. Apesar disso, o PIB em junho ainda permanece um sexto abaixo do nível de fevereiro, antes de o vírus atacar.”
Como registrou o jornal The Guardian, “apesar dos sinais de recuperação, a onda de choque desencadeada pelo colapso econômico continua a ser sentida, à medida que o desemprego começa a aumentar e as empresas em todo o país lutam para se manter à tona”.
Quanto a isso, o secretário do Tesouro britânico, Rishi Sunak, disse que “centenas de milhares de pessoas já perderam seus empregos e, infelizmente, nos próximos meses, muitas mais perderão”. “Tempos difíceis estavam por vir e os números de hoje confirmam que os tempos difíceis chegaram”.
Na estimativa do Guardian, a taxa de desemprego na Grã-Bretanha deve mais do que dobrar, atingindo o nível mais alto desde os anos 1980, antes do Natal.
Embora Sunak haja feito eloqüentes promessas a essas “muitas pessoas a mais” de que “ninguém ficará sem esperança ou oportunidade”, e que tudo será superado apesar das “escolhas difíceis à frente”, diferentes setores britânicos manifestaram seu inconformismo com os rumos que vão sendo esboçados desde 10 Downing Street, a sede do governo.
O Partido Trabalhista, através da secretária do Tesouro paralela, Anneliese Dodds, rechaçou o encerramento em outubro do sistema de retenção de empregos e apoio às empresas, que foi o que evitou que o desemprego explodisse, ao subsidiar as folhas de pagamento. Ela classificou essa decisão de “erro histórico”, que agravará a crise de empregos e a situação das empresas.
No início da semana, foi revelado que 5,5 milhões de pessoas estão reivindicando os benefícios do Crédito Universal, um programa de emergência para trabalhadores informais.
“O primeiro-ministro vai dizer que há um limite para o que ele poderia fazer durante uma pandemia global, mas isso não explica por que nossa economia está afundando tanto em comparação com outros países”, disse ela.
“É o governo dele [Boris Johnson] que arrebata o apoio salarial para empresas que mal reabriram. E seu governo não conseguiu testar, rastrear e isolar, apesar de alegar que é um sistema ‘mundial’”.
A secretária-geral da central sindical britânica TUC, Frances O’Grady, conclamou o governo de Boris Johnson a “fazer tudo” para impedir o desemprego em massa, acrescentando que “a melhor maneira de melhorar a economia é manter as pessoas trabalhando”.
Isso significa – como registrou o jornal progressista Morning Star – “estender além de outubro o esquema de preservação de empregos para empresas que têm um futuro viável, mas precisam de apoio”. “E significa investir em empregos decentes de que precisamos para o futuro em indústrias verdes, programas sociais e em todo o setor público”, acrescentou O’Grady.
O Morning Star apontou, ainda, como fator fundamental para que a recessão na Grã Bretanha tenha sido pior do que nos países vizinhos, a “década de austeridade neoliberal” sob os governos conservadores, que fragilizou a economia.
Também pelo lado dos empresários – como registrou o Guardian – há alertas de que “uma recuperação econômica sustentada não está de forma alguma garantida”, diante da ameaça de uma segunda onda de infecções, restrições locais de bloqueio e incerteza do Brexit.
Por sua vez os economistas assinalaram que a retomada da atividade em maio e junho foi “impulsionada predominantemente pela liberação da demanda reprimida e disseram que o crescimento pode vacilar nos próximos meses com o aumento do desemprego”.
O professor de Economia Jonathan Portes, do King’s College, observou que “o aspecto mais incomum dessa recessão é que, embora a produção tenha despencado, o desemprego não disparou. O que quase inteiramente se deve ao esquema de licença do governo, que agora está sendo eliminado”.
Ele propôs um “aumento no crédito universal para sustentar a renda dos desempregados e impulsionar a demanda do consumidor; concessão de bolsas de retreinamento e criação direta de empregos no setor público”.
Por sua vez o Independent registrou que “há relatos de que o governo está prestes a vacilar na economia”. Para o jornal londrino que a mensagem de Sunak de “custe o que custar” foi a certeza de que a Grã Bretanha precisava durante a quarentena, mas “vem sendo lentamente diluída” conforme “o momento da verdadeira dor se aproxima”.
O Independent advertiu que o secretário do Tesouro “está supostamente preparando um aperto nos gastos públicos neste outono”. O que acontecerá “exatamente no momento em que o apoio à licença for retirado e centenas de milhares, talvez milhões, de trabalhadores provavelmente perderão seus empregos, tirando a demanda (gastos) da economia”.
Nesse momento – de acordo com o jornal – “o governo deveria estar buscando investir, para ajudar a estimular a demanda e compensar a carência. Deve ser garantido às empresas viáveis que elas serão apoiadas e direcionada ajuda aos setores mais em perigo”.
O Independent também sugeriu “um plano de longo prazo confiável para investimento real em grande escala para estimular a recuperação, em vez de reaquecer planos antigos de gastos com infraestrutura e fingir que são novos”.
E concluiu: “adotar uma abordagem com foco na disciplina orçamentária de curto prazo seria agravar os erros anteriores e condenar o Reino Unido a uma lenta recuperação de uma recessão desnecessariamente profunda.