A divergência entre o saldo do emprego formal do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e os dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) questionam se realmente há recuperação do emprego no país, como quer fazer crer o ministro da Economia, Paulo Guedes.

De acordo com nota técnica do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), o bom resultado de geração de vagas formais do Caged nos últimos meses não é um bom termômetro para avaliar o mercado de trabalho – uma vez que há “evidências da subnotificação”.

Em publicação no Blog do Ibre, o pesquisador Daniel Duque afirma que a diferença entre a criação de vagas com carteira assinada medida nas pesquisas do IBGE (Pnad Contínua e Pnad Covid-19) e no Caged, que sempre existiu, alcançou níveis nunca registrados em julho e agosto.
Enquanto, pelos dados do Ministério da Economia, o saldo líquido entre admissões e demissões foi positivo em mais de 150 mil nos dois meses – maior nível desde dezembro de 2011 -, os levantamentos do IBGE mostraram redução das ocupações formais no período, com ligeira recuperação em agosto, nota Duque.

“Após acumular uma redução de quase 1,5 milhão de vagas com carteira assinada entre março e junho, o Caged registrou saldo positivo de mais de 150 mil em julho e agosto. Tal saldo é inesperado, principalmente pelo de fato de que seu nível foi o maior desde dezembro de 2011.

Mostra-se também enigmática a relação desses dados com outros. Por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) e a PNAD Covid-19 registraram até julho queda do número de empregos formais com carteira assinada (em agosto essa última mostrou pequena recuperação). Ainda que tais pesquisas jamais tenham mostrado total equivalência, a distância entre elas aumentou expressivamente durante a pandemia”.

As evidências se baseiam também no fato de que os pedidos de seguro desemprego tiveram crescimento disparado e muito maior que as demissões contabilizadas nos últimos meses do Caged.

“O número de pedidos de seguro de desemprego, que cresceu expressivamente mais quando acumulado nos últimos meses em relação aos desligamentos do Caged, sugere mais demissões do que reportado na segunda pesquisa”, afirma Duque.

O pesquisador do Ibre reforça que a queda expressiva no número de empresas notificando o Ministério do Trabalho, corroboram com a tese de subnotificação. De janeiro a março, eram cerca de 850 mil empresas mandando informações ao Caged. Esse número caiu para 550 mil a partir de abril, subindo para apenas 610 mil em agosto.

O fechamento em massa de empresas durante a pandemia pode ter afetado as estatísticas de desligamentos.

“Uma empresa que fechou ou ‘hibernou’ tem grande chance de ter realizado demissões, sem reportá-las ao governo”, afirma ele. “Admitindo que tais empresas não realizaram admissões, isso implicaria que o saldo das empresas que não reportaram movimentações seria negativo”.

Por avaliação final, Duque conclui que os números do Caged podem não ser retrato fidedigno do emprego e desemprego no momento. “Eles não seriam evidência de um mercado de trabalho mais forte”.

Guedes, se baseando nos dados do Caged, declarou, na segunda-feira (19) que na pandemia “perdemos só 1 milhão de empregos” e “preservamos 11 milhões de empregos”, comparando com os 33 milhões de trabalhadores que ficaram desempregados nos EUA.

Segundo o IBGE, só no trimestre encerrado em julho, 7,214 milhões de brasileiros perderam o emprego. Em um ano, o total de postos extintos supera 11,6 milhões.

“O número de empregados com carteira de trabalho assinada no setor privado (exclusive trabalhadores domésticos), estimado em 29,4 milhões, foi o menor da série, caindo 8,8% (menos 2,8 milhões de pessoas) frente ao trimestre anterior e de 11,3% (menos 3,8 milhões de pessoas) ante o mesmo trimestre de 2019″, apontou a PNAD Contínua do trimestre encerrado em julho.