Painéis e projeções com dados em tempo real da eleição na sede da BBC em Londres

De acordo com as atualizações das projeções da pesquisa de boca de urna da BBC, a aposta do primeiro-ministro Boris Johnson, de antecipar as eleições gerais para dezembro, pela primeira vez em um século, para as tornar um referendo do Brexit, funcionou, e o Partido Conservador obteve 362 deputados na Câmara dos Comuns, 36 cadeiras acima dos 326 que demarcam a maioria.

Campanha que conduziu sob o lema de ‘Get Brexit Done’ (Cumpramos com o Brexit), e na qual fugiu o mais que pôde de qualquer debate, enquanto a mídia da City londrina submetia o líder trabalhista Jeremy Corbyn a uma cruzada implacável de difamação e demonização – de “antissemita” a “terrorista”, além do inominável crime de querer taxar magnatas e especuladores.

Até a divulgação da pesquisa de boca de urna, jornais ingleses do peso do Guardian consideravam o resultado “imprevisível”, enquanto o The Independent assinalava a campanha eleitoral como “a mais capciosa e suja da história”.

O outro partido que surfou nessas eleições foi o Nacionalista Escocês, que teria ficado quase com todos os mandatos dos distritos eleitorais escoceses, 52 de 59, com uma mensagem direta de manter a Escócia na União Europeia e de realizar um segundo referendo pela independência no próximo ano.

O total de cadeiras obtidos, na projeção da BBC, pelos trabalhistas, seria o pior desde 1935: 199. Corbyn anunciou que não irá liderar os trabalhistas na próxima eleição, após “uma noite tão desapontadora para o partido”, mas que continuará no comando durante um “processo de reflexão” sobre o resultado. Ele acrescentou que a questão do Brexit “polarizou” a política e “suplantou em muito o debate político normal”.

Apesar do mau tempo, o comparecimento surpreendeu, com longas filas mostradas nas redes sociais. Para a ex-primeira-ministra Theresa May – que se reelegeu deputada -, o povo ficou diante de “uma clara escolha” se queria “assegurar o Brexit”. “Esta eleição foi sobre assegurar que pudéssemos encerrar este impasse, obter que o Brexit fosse feito e s e mover em frente”. Conhecidos deputados conservadores contrários ao Brexit, como Dominique Grieve, também não se reelegeram.

Como registrou o jornal progressista inglês The Morning Star, o número dois dos trabalhistas, John McDonnell, depois de tomar conhecimento da pesquisa de boca de urna, visivelmente chocado disse à BBC que “o Brexit dominou” a eleição.

“Achávamos que outras questões poderiam ser resolvidas e haveria um debate mais amplo, com base nessas evidências que claramente não existiam”, ponderou McDonnnell, que é o chanceler-sombra do trabalhismo no modelo político inglês.

“Acho que as pessoas, quase em desespero, queriam concluir o Brexit porque estão fartas com o que está acontecendo”, acrescentou o líder trabalhista, se referindo ao impasse que racha sociedade britânica de cima a baixo e ao cansaço com as sucessivas postergações e indefinições do Brexit e diante da década perdida do arrocho pós-crash, que é a exacerbação da herança maldita do Thatcherismo.

McDonnell alertou que tal resultado colocaria “o gabinete mais de extrema direita que vimos em nossa história” no poder, com mandato para introduzir “políticas reacionárias”. “Se o eleitorado decidiu dessa maneira, é a democracia, é preciso respeitá-la”, disse ele. “Mas não acho que isso junte o país, acho que ainda estará dividido.”

Como salientou o Morning Star, se o resultado real se assemelhar à previsão, o Partido Trabalhista perderá 52 assentos, colocando-o em seu pior resultado em termos de assentos desde 1935, após – como enfatizou o jornal – “a decisão de fazer campanha para um segundo referendo sobre a adesão à UE”.

Aqui o Star se refere à decisão de último minuto de Corbyn, tentando navegar entre as correntes internas pró-UE (basicamente os blairistas) e pró-Brexit, em que se fixou na proposta de um segundo referendo, com ele se declarando neutro.

Agora fica visível, como temia o jornal, a perda em redutos históricos do partido, muitos no nordeste da Inglaterra, constituintes que votaram predominantemente pró Brexit, como no distrito histórico de mineração Blyth Valley. A BBC anunciou a perda do distrito de Leigh, que os trabalhistas mantinham desde os anos 1920. Wrexham – desde 1930. Workington – desde os anos 1970.

Também para o secretário da Justiça paralelo, Richard Burgeon, foi o Brexit que ditou a votação. “Se, ao que parece, essa foi uma eleição do Brexit, a próxima não aclamará a agenda Thatcherista de Johnson”, postou nas redes sociais, conclamando à resistência.

Outro aspecto da avalanche eleitoral foi a estratégia do guru de Johnson, de manter unidos os votos pró-Brexit, e estimular a divisão entre os opositores.

Como visto com o Partido do Brexit, que se esbaldara nas eleições ao Parlamento Europeu, que optou por não apresentar candidato em muitos distritos, para não pôr em risco a eleição dos pupilos de Johnson. Não elegeu ninguém.

Os conservadores pró-permanência na UE (“Remainers”) não descarregaram votos na legenda que passou a se assumir como a principal anti-Brexit, os liberal-democratas, que obtiveram apenas uma cadeira a mais do que tinham, conforme a pesquisa de boca de urna, ficando com 13. Em compensação, de acordo com a pesquisa de boca de urna, a líder dos Lib Dem, Jo Swinson, perdeu o mandato.

Ao que tudo indica, Johnson fingirá ter recebido um cheque em branco do povo inglês para concluir o Brexit até 31 de janeiro, mas nem mesmo o engordado placar eleitoral tem o condão de abafar o acúmulo de montanhas de materiais inflamáveis nas ilhas britânicas.

As expectativas geradas entre o povo pelo Brexit serão atendidas pelo ‘Brexit de cabeça no colo de Trump’ sonhado por BoJo? Quais serão os frutos do debate sobre a sobrevivência do NHS, o sistema único de saúde britânico, cobiçado pelos carteis hospitalares norte-americanos e por Trump?

A retomada da “soberania britânica” será resumida à manutenção dos sórdidos privilégios dos especuladores londrinos de alto coturno?

E o que esperar de um personagem, como Boris, capaz de posar de “Trump britânico”, e ao mesmo tempo ser destaque na roda da galhofa sobre Trump na cúpula da Otan de Londres? De ir votar levando o lulu pela guia e pespegar qualquer sandice sem a menor cerimônia ou desconfiômetro, um filho mimado e sem limites da oligarquia inglesa, pajem da monarquia carcomida.

Acabada a marquetagem, a dura realidade insiste em emergir.

A foto do menino deitado no chão de um hospital inglês, que Johnson tentou ignorar. Os documentos que vieram a público mostrando que se trama nos porões a privatização do NHS. O vazamento da gravação em que o negociador-chefe europeu diz que o tempo para chegar a um acordo concreto entre a UE – principal mercado inglês hoje – e Londres é muito exíguo.

A Escócia, que quer seu referendo da independência e ficar na UE. O ‘backstop2’ de BoJo no mar entre a Irlanda do Norte e a Inglaterra. Ainda é Reino, mas cada vez mais desunido – e o louro Boris, aliás BoJo, é quase um retrato falado da crise que ronda o ex-império.