Peru: presidente Sagasti renova polícia para “garantir democracia”
Poucos dias depois das enormes manifestações que deixaram dois falecidos e mais de 100 feridos no país, o novo presidente interino do Peru, Francisco Sagasti, anunciou uma renovação da cúpula da Polícia, e o início de um processo de reforma para “modernizar” a instituição, que tinha sido comprometida com a repressão desatada contra o povo que se opunha nas ruas ao efêmero governo anterior, encabeçado por Manuel Merino.
Em sua primeira mensagem à nação, Sagasti pediu perdão “pelos abusos do Estado” às famílias de Bryan Pintado e Inti Sotelo, dois jovens de 25 anos que morreram durante as manifestações marcadas pela repressão, segundo denúncias de organismos de Direitos Humanos.
Em sua reforma, o governo nomeou um novo comandante e enviou 15 generais que estavam comprometidos com atos violentos e ilegais para a reserva. “Tomei a decisão de designar como novo comandante de Polícia o general César Augusto Cervantes”, anunciou em mensagem ao país exibida na televisão seis dias após assumir o poder. “Estas medidas têm por finalidade fortalecer a polícia”, assinalou.
A crise que o país ainda não superou totalmente teve como estopim a destituição do ex-presidente Martín Vizcarra sob acusações de corrupção, no dia 9 de novembro, poucos meses antes das eleições, marcadas para abril do próximo ano. As manifestações não tiveram como objetivo central a defesa daquele governo, mas impedir que a forma irregular do processo permitisse a instauração de um golpe que adiasse as eleições. Indicado como resultado da formação de ampla frente no Congresso contra o golpismo da direita fujimorista, Francisco Sagasti prometeu manter as eleições na data já fixada.
Cervantes substituiu o general Orlando Velasco, que estava no comando das forças de segurança desde 7 de agosto. A mudança ocorre apesar de Velasco estar de licença médica durante os protestos contra o presidente anterior, Manuel Merino.
O ministro do Interior, Rubén Vargas, afirmou que “queremos uma polícia que continue defendendo a democracia e os direitos fundamentais, que nos devolva a segurança e as garantias”.
Sagasti criou ainda uma comissão, liderada por Vargas que, em 60 dias, deve apresentar propostas para modernizar e fortalecer a instituição. O presidente interino disse que com a reforma pretende “conectar a polícia com os cidadãos”.
Além das duas mortes e dos mais de 100 feridos, vítimas do uso de espingardas que disparavam balas de chumbo e bolas de cristal no centro de Lima, mulheres detidas em delegacias apresentaram denúncias de abusos sexuais.
O Ministério Público abriu uma investigação penal preliminar contra Merino e dois de seus ministros pela repressão descontrolada.
“Tivemos a oportunidade de conhecer mais sobre a situação no Peru por meio de nossa observação direta e do diálogo franco com seus protagonistas”, incluindo parentes dos dois jovens falecidos, disse Jan Jarab, chefe da delegação e representante da ONU para os Direitos Humanos na América, presente em Lima.
Depois de assumir o poder em 17 de novembro, Sagasti introduziu várias mudanças na direção do Ministério do Interior, sob cuja estrutura está a Polícia.
O presidente disse que esta reforma visa dar “transparência e integridade” à instituição, aludindo a alegados atos de corrupção durante a pandemia.
A gravidade da situação é preocupante: os contaminados pela pandemia de coronavírus se aproximam de um milhão e os mortos já ultrapassam os 35 mil – para uma população de 32 milhões de habitantes -, proporcionalmente, pior do que o Brasil. E no primeiro semestre o PIB peruano caiu 17,4%, um dos piores desempenhos do mundo.