Peru: Júri derrota recurso de Fujimori para anular votos nas eleições
O Júri Eleitoral Especial do Peru rejeitou em primeira instância os recursos feitos por Keiko Fujimori para anular a eleição presidencial no país, após perder nas urnas para o progressista Pedro Castillo no último dia 6 de junho.
O partido de Castillo, Peru Livre, rechaçou a tentativa de fraudar a verdade das urnas, enquanto ativistas exigiam que “não se meta com meu voto” e lideranças indígenas ameaçavam marchar a Lima em defesa da lisura da eleição.
Alegando “fraude”, a herdeira da ditadura Fujimori pedira a anulação de boletins de urna correspondentes a 200 mil votos. No total, ela fez 945 solicitações, mas apenas 134 chegaram dentro do prazo permitido, segundo o jornal peruano La República.
Observadores internacionais do processo em Lima afirmaram que as eleições foram transparentes. Segundo o Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE), Castillo obteve 50,125% dos votos válidos, contra 49,875% de Fujimori. 8.835.579 votos a 8.791.521, uma diferença de apenas 44.058 votos (0,25%).
Aguarda-se, ainda, uma apelação de seu partido, o Fuerza Popular, ao Júri Nacional de Eleições (JNE).
Ataque à democracia
Por sua vez, o presidente interino do Peru, Francisco Sagasti, rechaçou uma tentativa de interferência de militares da reserva nas eleições presidenciais. Em carta, um grupo de membros das Forças Armadas pediu a Sagasti que desconsiderasse o resultado da recente eleição, alegando supostas irregularidades.
“É inaceitável que um grupo de reformados das Forças Armadas pretenda incitar os comandos de Exército, Marinha e da Força Aérea para violar o Estado de Direito”, disse o presidente em pronunciamento. Sagasti ordenou a abertura de uma investigação sobre o conteúdo e autoria do documento por “conduta prejudicial ao Estado de Direito”.
Sobre a tentativa da herdeira de Fujimori de levar a eleição no tapetão, o veterano jornalista César Hildebrand, conforme La República, considerou que “a única coisa que o submundo de Fujimori conseguiu foi atrasar o pronunciamento oficial do JNE e estender o clima lamacento de suas vidas a todo o ambiente da política peruana”.
Ainda segundo o jornalista, os números oficiais do ONPE e a tendência dos pronunciamentos dos Júris Especiais Eleitorais (JEE) e do Júri Eleitoral Nacional (JNE) indicam que a vitória eleitoral corresponde a Pedro Castillo é “definitiva e irreversível”.
O jornalista disse que o fujimorismo quer “turvar tudo” para que o próximo governo não tenha legitimidade e, desta forma, tenha os dias contados. “Será que os partidos que, somados, formam a maioria no novo Congresso, se prestarão a isso? Será que o submundo de Fujimori voltará para ditar a agenda e traçar o curso? Somos nós, peruanos, uma turba liderada por turbas?”, ele se perguntou.
Sobre Keiko Fujimori, ele acrescentou que “a infratora em flagrante delito sabe que o cárcere a espera se ela não se proteger com a presidência da república”.
Para ela – acrescentou – “é de vida ou de prisão pedir asilo no palácio do governo e desmantelar, em seus cinco anos de mandato, o processo de 15.000 páginas seguidas contra ela por lavagem de dinheiro e criação de conspiração criminosa com fachada de partido”.
Conhecido adversário da ditadura fujimorista, Hildebrandt, após fazer a consideração de que Castillo seria “o pior candidato que a esquerda poderia ter”, se pergunta como a vitória “foi possível”.
“Existem respostas complexas e eruditas, mas prefiro a mais simples: o Peru ignorado, mais exasperado do que nunca pela crise pandêmica, mandou o Peru oficial para o inferno”, escreveu.
“Castillo é o presidente da república do bicentenário e isso talvez possa ser chamado de justiça. Um presidente andino com poucas letras assume a presidência de um país que queria que todos os castelos dessas terras esperassem mais 200 anos para propor um contrato social diferente”, comentou.
Registre-se que o jornalista não é propriamente um admirador do partido de Castillo e seu programa, Peru Livre.
Ampliar para mudar
O professor Castillo tem se reunido com diferentes forças políticas e com o empresariado, este, um setor que esteve alinhado com a volta do fujimorismo. “Faremos um governo respeitoso com a democracia, com as leis. Faremos um Governo com estabilidade financeira e econômica”, reiterou.
Castillo indicou que vai criar um conselho de cientistas e técnicos em saúde pública e pesquisadores para desenhar medidas de enfrentamento à pandemia que registra hoje a maior taxa de mortalidade do mundo. Programa que incluirá vacinação gratuita para todos os residentes no país, reforço dos leitos de UTI e distribuição gratuita de oxigênio medicinal.
Castillo, como está delineado no projeto de desenvolvimento do seu partido Peru Livre, é a favor de intervenção estatal na economia, propondo dar ao Estado o poder de regulador do mercado e de estimulador do crescimento.
Ele propõe, ainda, a convocação de um referendo para substituir a “constituição da ditadura”, herança maldita do fujimorismo, e que “prioriza o interesse privado sobre o interesse público, o lucro acima da vida e da dignidade”.
Para Castillo, a nova Carta Magna deve reconhecer e garantir expressamente “os direitos à saúde e educação, à alimentação, à moradia e ao acesso à Internet; o reconhecimento dos povos nativos e de nossa diversidade cultural; e a nacionalização de setores estratégicos, como os de minas, gás e petróleo”. Também é inadiável uma reforma do sistema previdenciário do país para torná-lo mais abrangente e justo.