“Julian expôs os crimes de torturadores e assassinos da CIA”, diz a advogada Stella Morris

Em meio à encenação de uma ‘cúpula pela democracia’ virtual, o regime Biden recebeu de um tribunal vassalo inglês, e em pleno Dia Internacional dos Direitos Humanos da ONU, o aval à extradição para os EUA do principal preso político do mundo inteiro, o jornalista e fundador do WikiLeaks Julian Assange, acusado sob a lei de espionagem norte-americana por ter tornado públicos os crimes de guerra dos EUA no Iraque, Afeganistão e Guantánamo e por ter provado que dois jornalistas da Reuters foram assassinados pelos EUA, junto com mais nove civis, em Bagdá em 2007, crime de guerra indiscutível, que passou à história como o “assassinato colateral”.

Em última instância, o significado da insistência de Biden em prosseguir com a perseguição ao jornalista Assange e do aval inglês à extradição dele, cujo pedido foi apresentado pelo governo Trump, é que não existe liberdade de expressão, não existe liberdade de imprensa nos EUA.

Questão que não passou despercebida de entidades como Repórteres Sem Fronteiras e Anistia Internacional, por entenderem suas implicações, além da óbvia revanche e crueldade.

“A acusação do governo dos EUA [a Assange] representa uma grave ameaça à liberdade de imprensa tanto nos Estados Unidos quanto no exterior”, disse Nils Muižnieks, diretor da Anistia Internacional para a Europa, que classificou a decisão do tribunal de “um travesti de justiça”.

“Julian Assange deve ser imediatamente libertado e devem ser tomadas medidas para garantir que nenhum jornalista, editor ou fonte possa ser visado desta forma novamente”, exigiu Muižnieks, que chamou de “profundamente falhas” as ditas ‘garantias de Washington’, que serviram de folha de parreira para a corte inglesa.

Primeiro editor sob a lei da espionagem

O secretário-geral dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Christophe Deloire, afirmou que Assange seria “o primeiro editor processado sob a Lei de Espionagem dos EUA” da história, o que exclui a defesa do interesse público e estabelece “um precedente perigoso que poderia ser aplicado a qualquer meio de comunicação que publicasse histórias com base nos documentos vazados, ou mesmo qualquer jornalista, editor ou fonte em qualquer lugar no mundo”.

Ele repudiou a decisão da corte britânica, que chamou de “histórica por todos os motivos errados” e acrescentou que os documentos publicados por Assange “expuseram crimes de guerra e abusos dos direitos humanos pelos quais ninguém jamais foi processado”.

“Assange foi alvo por suas contribuições ao jornalismo e defendemos este caso por causa de suas implicações perigosas para o futuro do jornalismo e da liberdade de imprensa em todo o mundo. É hora de parar esta perseguição de mais de uma década de uma vez por todas. É hora de libertar Assange”.

Criminalização do jornalismo

Que é a liberdade de expressão que está em jogo também foi assinalado pelo premiado jornalista norte-americano Chris Hedges, que assinalou que se Assange for “considerado culpado, isso criminalizará efetivamente o trabalho investigativo de todos os jornalistas e editores, em qualquer parte do mundo e de qualquer nacionalidade, que possuam documentos confidenciais para iluminar o funcionamento interno do poder”.

Hedges acrescentou que esse “ataque mortal à imprensa terá sido orquestrado, não devemos esquecer, por um governo democrata. Isso abrirá um precedente legal que encantará outros regimes totalitários e autocratas que, encorajados pelos Estados Unidos, irão alegremente prender jornalistas e editores, não importa onde estejam, que publicam verdades inconvenientes”.

Detentor do Pulitzer, o principal prêmio de jornalismo dos EUA, Hedges acrescentou que a perseguição de Assange tem o objetivo de “enviar uma mensagem a qualquer um que considere expor a corrupção, desonestidade e depravação que definem o coração negro de nossas elites globais”.

Ele também citou Dean Yates, então chefe do escritório da Reuters em Bagdá em 2007, quando foram assassinados os jornalistas Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh, sob as “garantias” norte-americanas. “O governo dos Estados Unidos passou três anos mentindo para Yates, Reuters e o resto do mundo sobre os assassinatos, embora o exército tivesse evidências em vídeo do massacre cometido a partir dos helicópteros Apache durante o ataque”. Vídeo que vazou em 2010 por Chelsea Manning através de Assange.

“Pela primeira vez, aqui estava a prova de que os mortos não estavam, como o exército insistia repetidamente, em um tiroteio. Ele expôs as mentiras dos Estados Unidos de que não foi possível localizar o vídeo e nunca tentou encobrir os assassinatos”.

A companheira de Assange e mãe dos seus dois filhos, Stella Moris, denunciou que o “Reino Unido está prendendo Julian em nome de uma potência estrangeira que está processando um jornalista de forma abusiva e vingativa. E é disso que se trata”. “Peço a todos que se unam e lutem por Julian. Julian representa todas as nossas liberdades e todos os nossos direitos”, convocou.

“Hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos. Que pena, que cínico ter esta decisão neste dia. Ter um dos mais importantes, o principal editor, jornalista dos últimos 50 anos em uma prisão do Reino Unido, acusado de publicar a verdade sobre crimes de guerra, sobre as equipes de extermínio da CIA”.

“Julian expôs os crimes de torturadores da CIA, de assassinos da CIA e agora sabemos que aqueles assassinos da CIA planejavam matá-lo também. Como pode este tribunal aprovar um pedido de extradição nestas condições? Como podem aceitar a extradição para o país que planejou matar Julian, que planejou matar um editor por causa do que ele publicou?”. Isso atinge os fundamentos da liberdade de imprensa e da democracia, sublinhou.

“Cada geração tem uma luta épica pela qual lutar, e esta é a nossa, porque Julian representa os fundamentos do que significa viver em uma sociedade livre. Do que significa liberdade de imprensa. Do que significa para os jornalistas fazer seu trabalho sem medo de passar o resto da vida na prisão”, convocou.

Ao reproduzir em sua conta no Twitter a indignação de Stella, o cineasta e amigo John Pilger acrescentou uma frase: “marquem esse dia como aquele em que o fascismo tirou os disfarces”.

Coincidentemente, quando a corte inglesa, em nove minutos, enterrou no país da Carta Magna a justiça, em Washington, na ‘cúpula pela democracia’ do regime Biden, seu secretário de Estado Blinken asseverou, sem corar, que a liberdade de imprensa “joga um papel indispensável em informar o público, em manter os governos sob escrutínio, e em contar histórias que de outra foram não seriam contadas”. Acrescentou ainda que os EUA “continuariam a se levantar” pela liberdade de imprensa e prometeu meio bilhão de dólares para “apoiar o jornalismo independente”.