O Brasil precisa dar atenção aos grandes desafios nacionais. Nos últimos anos o debate nacional foi apequenado e  desviado para uma chamada pauta de costumes que remota ao  Século 18.

Por Perpétua Almeida*

É preciso voltar a pensar grande e se recolocar entre as  maiores economias do mundo. O desenvolvimento tecnológico é o horizonte do futuro.  Mas da educação à questão ambiental, temos passivos que  se agravam na negligência.

Falamos de infraestrutura, logística e comunicações. De  saneamento e saúde. De indústria e cadeias sustentáveis de  produção. Frente aos grandes desafios nacionais, as forças produtivas e  o Estado precisam se completar.  Cada segmento da sociedade tem seu dever e a Nação não  pode prescindir das Forças Armadas, com missões engrandecidas  e delimitadas na Constituição.

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Ao longo do Século 20, foi atuando como instituições de  Estado que Marinha, Exército e Aeronáutica contribuíram  verdadeiramente para transformar o Brasil agrícola numa potência  econômica com influência no mundo todo.

O sistema de ciência, tecnologia e inovação das Forças  Armadas foi base para o desenvolvimento da engenharia brasileira,  ainda no período colonial. No presente, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica e o  Programa Nuclear da Marinha são exemplos da capacidade  brasileira para desenvolver tecnologias avançadas.

A expertise militar nacional se destaca nas estratégicas áreas  nuclear, cibernética e espacial, sob encargo, respectivamente, da  Marinha, do Exército e da Força Área.  A autonomia tecnológica do Brasil é a medida do desafio  digno do preparo dos nossos militares.

A Base Industrial de Defesa vai além da segurança do país.  Ela é fundamental para a reindustrialização e para garantia de  insumos que a iniciativa privada, mais cedo ou mais tarde, não terá  dinheiro para comprar no estrangeiro.

Desafio à altura das Forças Armadas é proteger a Amazônia  brasileira do tráfico internacional de drogas.  É integrar a Amazônia como indutora do desenvolvimento  sustentável do país, com qualidade de vida e garantia de direitos  para os mais de 29 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia  Legal, especialmente às populações tradicionais e indígenas.

As Forças Armadas devem servir a todos os governos com  altivez e isenção para não se curvarem a nenhum desvio partidário  ou autoritário.

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Não se trata de preconceitos com militares na política. Mas  quem deseja fazer política partidária – seja por militância,  candidatura ou ocupação de cargos governamentais; deve se despir  da farda, renunciar à patente e devolver as armas que a Nação lhe  confia.

Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à  Constituição Número 21, de minha iniciativa, que regula a ocupação  de cargos políticos por militares.  Ela consagra a ideia-força da Doutrina Góis Monteiro.  Fortalece o caráter de Estado que tem as Forças Armadas  profissionais, apartidárias, ciosas da natureza democrática e civil  dos governos, mediante eleições livres, universais e periódicas.

Mas o momento atual é pródigo em casos de oficiais de alta  patente se rebaixando na política e comprometendo a história e a  imagem das Forças Armadas.

Que sejam exceções confirmando à regra do  profissionalismo, do respeito à hierarquia e da disciplina da grande  maioria dos militares.  Já não é possível desconhecer a conduta antidemocrática do  presidente Jair Bolsonaro.  Quando um chefe eventual se coloca acima da Constituição,  rebaixa o poder militar à condição de guarda pretoriana.

Bolsonaro é ameaçador quando diz “o meu Exército”. O  capitão enquadrado como “mau militar” pelo general Ernesto Geisel  alardeia ter o apoio da caserna para não aceitar uma eventual  derrota nas eleições que se aproximam. Infelizmente, o general Braga Netto faz parecer que  Bolsonaro tem as Forças na mão, afirmando que sem a auditoria de  votos exigida pelo presidente, “não tem eleição”.

O ex-ministro Braga Neto não tem autoridade constitucional  para fazer tais afirmações. E o presidente trai a Constituição jurada  desde o Artigo 2º, que impõe a independência e a harmonia entre  os poderes. Quando ataca o Supremo Tribunal Federal, ele tenta  desconstituir o Poder Judiciário.

No Congresso Nacional o governo é sócio do orçamento  secreto e Bolsonaro abafou a voz do General Heleno, que já não  canta mais, “se gritar pega Centrão”.  Bolsonaro desonra o legado de uma geração de oficiais  superiores que deu à Marinha, ao Exército e à Aeronáutica uma  face democrática, moderna e profissional.

A atual geração de oficiais e comandantes se fortaleceu  justamente no trabalho de consolidação das Forças Armadas como  instituição de Estado. Isso elevou a confiança e o respeito da sociedade na  Marinha, no Exército e Aeronáutica.

A credibilidade dos militares nunca foi tão alta – mas isso até  Bolsonaro aparecer fazendo do poder militar o apelo da sua  propaganda política e da sua chantagem contra a democracia.  Pesquisas já indicam a diminuição da confiança da população  nas nossas Forças Armadas.

Bolsonaro confunde a opinião pública. Faz parecer que pode  ordenar o que quiser aos chefes militares. E que estes lhe devem  cega obediência.  Esconde que acima do presidente e de suas vontades está a  Constituição da República. E que nenhuma ordem fora da  Constituição deve ser cumprida.

O respeito da comunidade internacional das Nações às  Forças Armadas brasileiras, também está sendo minado.  O Brasil tem um histórico de honra no cumprimento de  missões de paz. A missão Minustah, no Haiti, é um exemplo. O Exército que se orgulha de ouvir o chamado da paz, não  pode dar ouvidos aos gritos do autoritarismo.

Minha admiração às Forças Armadas cresceu no convívio  respeitoso com os militares. Primeiro como presidente da Comissão  de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos  Deputados. E depois como titular da Seprod, Secretaria  responsável pela política, produtos e indústria de Defesa no  Ministério da Defesa.  Convivi com exemplos de profissionalismo e aprendi sobre a  história militar brasileira.

No calor revolucionário da década de 1930, o general Pedro  Aurélio de Góis Monteiro afirmava que “é preciso ter uma política do  Exército, e não a política no Exército”.  Essa frase mostra o desacerto histórico e moral quando  Bolsonaro afirma: “Meu Exército”.

A Doutrina Góis Monteiro tornou-se o pilar conceitual para  afirmação das Forças Armadas como instituição de Estado. Quanto mais clara a sua missão, mais exige o distanciamento  da política partidária e da identificação ideológica de qualquer  governo.  Centenária, mas atualíssima, a doutrina Góis Monteiro  aconselha que os militares se voltem novamente para os grandes  desafios nacionais.

Como mulher da Amazônia, reconheço a fundamental  contribuição dos brasileiros fardados na integração do território  nacional.  Sem os Pelotões de Fronteira nas florestas e nas cabeceiras  dos rios de onde venho, a ausência do Estado Nacional seria  completa.

As desigualdades regionais seriam ainda maiores sem a  marcha para o oeste encorajada pelo Marechal Rondon, pacifista,  sertanista, patrono das comunicações e construtor da integração  nacional.

O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips foram  assassinados na Amazônia defendendo os indígenas, a exemplo do  marechal Rondon com o seu lema de vida: “Morrer se preciso for.  Matar, nunca”.

O maior esforço de guerra da República brasileira aconteceu  em 1944. Com 25.834 homens e mulheres participando da  intervenção verde e amarela, decisiva para os rumos da Segunda  Guerra Mundial. Chamo aqui a memória dos  nossos militares: a Força Expedicionária Brasileira não foi à Itália  combater nenhuma ameaça comunista. Foi lá para ajudar o mundo  democrático livrar-se do fascismo e do nazismo.

Chamo a atenção dos nossos comandantes: seus  predecessores foram à guerra como parceiros dos países Aliados – incluindo a União Soviética. Marinha, Exército e Força Aérea guardam o legado da  participação na missão histórica de livrar o mundo da antiliderança  de Hitler e de Mussolini, cujos espectros ressurgem agora para  perturbar a democracia na Europa e nas Américas.

A invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, por ordem de  Donald Trump, o presidente derrotado na tentativa da reeleição,  manchou a chamada maior democracia do mundo com o sangue de  5 mortos – 2 seguidores de Trump e 3 policiais.

Bolsonaro afirmou que o que aconteceu lá nos EUA, pode  acontecer no Brasil.

Na última audiência na CREDN, com o Ministro da Defesa e  os três comandantes militares, perguntei se a inteligência das  Forças Armadas está monitorando grupos armados ou pessoas  mal-intencionadas que possam perturbar a ordem e a paz no  processo eleitoral. Insisti em perguntar o que nossas Forças  Armadas estão fazendo para evitar um Capitólio em Brasília.

Ainda é tempo, democratas, de repudiar o fascismo e o  nazismo sem que seja preciso a cobrar fumar novamente.  Lembro, senhores, a Constituição de 1988 é a mais longeva  da República brasileira e está acima da expectativa de vidas das  constituições mundo afora.  De certo imperfeita, pode ser, mas a Carta Cidadã é  inquestionavelmente democrática.

Senhores militares, colegas parlamentares, se querem um  testemunho da segurança das urnas eletrônicas, eu estou aqui.  Nasci em família pobre, no interior do Acre, a 15ª filha de pai  seringueiro e mãe costureira. Sou professora e não tenho dinheiro.  Mas estou no quarto mandato nesta casa parlamentar.

As eleições de outubro renovarão a esperança do povo  brasileiro e o chamado da Nação às Forças Armadas para que  cuidem dos grandes desafios nacionais.  Confiem as urnas eletrônicas ao TSE, como sempre fizeram  nos últimos 25 anos, sem que nunca se comprovasse nada que  pudesse comprometer o resultado eleitoral.  Confiamos que a Constituição será respeitada e que a  democracia brasileira vai emergir vitoriosa, inclusive no seio das  Forças Armadas.

 

*  Perpétua Almeida é deputada federal do PCdoB-AC

 

(PL)