Pequim: guerra tecnológica dos EUA contra China “é delírio paranoico”
A China manifestou “indignação e oposição resoluta” ao projeto de lei aprovado pelo Senado dos EUA que, a pretexto de reforçar a “inovação e a competitividade” norte-americanas, mais parece uma oficialização da guerra tecnológica declarada a Pequim por Donald Trump e mantida pelo governo Biden.
Em comunicado, o comitê de Relações Exteriores do Congresso Nacional do Povo, o parlamento da China, denunciou na quarta-feira (9) que a legislação está “cheia de mentalidade de Guerra Fria e preconceito ideológico” e acusou Washington de tentar minar o “direito legítimo chinês ao desenvolvimento”.
“A prática de tratar a China como um ‘inimigo imaginário’ a cada passo é contra a tendência geral do mundo, é impopular no mundo inteiro, e fadada ao fracasso”, diz ainda a declaração.
O tom anti-China do projeto de lei foi classificado no comunicado como um “delírio paranoico”, que se concretiza em cláusulas explícitas, como a que proíbe o download do aplicativo de mídia TikTok em dispositivos federais, a que bloqueia a aquisição de drones de fabricação chinesa e até o veto à participação de autoridades norte-americanas nas Olimpíadas de Inverno do próximo ano em Pequim, a pretexto de “Xinjiang, Hong Kong e Taiwan”.
“Dias contados”
No clima, o líder da maioria, o democrata Chuck Schumer, defendeu a aprovação alegando que “se não fizermos nada, nossos dias como a superpotência dominante podem estar acabando. Não pretendemos deixar esses dias acabarem sob nossa supervisão”. Ao que se seguiu a conhecida cantilena sobre “roubo de propriedade intelectual”, “democracia versus autocracias” e “direitos humanos”.
A aprovação da lei se deu por 68 a 31. O senador Bernie Sanders votou contra, por considerar que a lei é apenas uma forma de bilionários como Jeff Bezos ou Elon Musk embolsarem mais dinheiro a rodo do erário. O projeto ainda irá à votação na Câmara.
Como salientou o jornal Global Times, “com sua natureza maliciosa e implicações generalizadas para a comunidade global de ciência e tecnologia, o projeto de lei dos EUA não mudará os laços cada vez mais conflitantes entre China e EUA e apenas reforçará a busca direta da China por independência tecnológica”.
Não haveria o que contestar caso o objetivo da lei dos EUA fosse simplesmente mudar sua política industrial para reerguer setores industriais devastados sob a globalização – que Wall Street impulsionou – ou consertar gargalos de sua estrutura produtiva e cadeias de suprimento, mas a questão é que Washington vê tudo como um jogo de soma zero. Em que o desenvolvimento de áreas da alta tecnologia por outros países é tido como ameaça direta aos interesses norte-americanos.
A “revisão” realizada pelo governo Biden sobre a questão concluiu pela formação de uma “força de ataque comercial” que promete “ações de imposição unilaterais e multilaterais contra práticas desleais de comércio exterior que erodiram cadeias de abastecimento críticas”.
Na semana passada, Biden também estendeu para 59 o número de empresas de ponta chinesas sob sanções, lista negra que Trump começou com 31.
A revisão também identificou entre os gargalos do setor produtivo norte-americano semicondutores, baterias elétricas e terras-raras. O projeto que passou no Senado destina US$ 250 bilhões para subsidiar a alta tecnologia nos EUA, sendo US$ 54 bilhões para a área de semicondutores.
O projeto de lei vai ao ponto de estabelecer pontos “remotamente relacionados à alta tecnologia”, como o que estabelece permissão para que diplomatas e militares de Taiwan exibam as bandeiras da ilha ao conduzirem negócios oficiais nos EUA, numa cínica violação do princípio de ‘Uma Só China’, pedra angular da retomada das relações entre Pequim e Washington, iniciada por Nixon e sacramentada por Jimmy Carter.
“Movendo as traves do gol”
Como registrou um colunista da RT, “os EUA não podem mais vencer e, por isso, querem mover as traves do gol”. A China é regularmente culpada “por todos os infortúnios econômicos e declínio industrial do país, o que ignora a realidade de que foram mais as preferências das empresas americanas, e não uma ‘economia subsidiada pelo Estado’, que criaram esse cenário em primeiro lugar”, afirmou Tom Fowdy.
Porta-voz de Pequim pediu que Washington suspenda a legislação para evitar danos adicionais às relações e cooperação com os EUA, após registrar que esta “interfere grosseiramente nos assuntos internos da China e está fadada ao fracasso”.
Sob a alegação da “ameaça da China”, a legislação do Senado dos EUA instrui as autoridades norte-americanas a atacar e sancionar as empresas estatais chinesas por causa do suposto “roubo” de propriedade intelectual e transferência “forçada” de tecnologia.
“Amostra do próprio remédio”
Diante dessa investida, o Comitê Permanente do NPC está revisando seu próprio projeto de lei de resposta às sanções. Uma legislação antidiscriminação, para dar aos agressores “uma amostra de seu próprio remédio”, disse o porta-voz da Comissão de Assuntos Legislativos do Comitê Permanente do APN, de acordo com a Televisão Central da China.
Analistas observaram que a lei norte-americana pode ter como efeito colateral “estrangular a capacidade das empresas americanas de buscar inovação científica e tecnológica porque desencoraja a competição no mercado e atrapalha a cooperação global”.
Para esses observadores, o projeto de lei norte-americano “é tudo uma questão de ‘politicamente correto’ dentro do ecossistema político doméstico dos EUA. É sobre ganhar votos”. Vender a retórica “dura com a China” pode ganhar alguns votos, mas não ajudará as empresas americanas.
Para Li Yong, vice-presidente do Comitê de Especialistas da Associação da China do Comércio Internacional, mesmo se o projeto se tornar lei, irá enfrentar “sérios problemas práticos simplesmente porque vai contra as regras e tendências do mercado”.
“A China já é líder em 5G e alguns outros setores. Existem cerca de 30 tecnologias de ponta que já enfrentam restrições estrangeiras. Nada neste projeto de lei mudará esse status quo”, concluiu.