Trump forja atritos com a China para ocultar problemas internos. Na foto, mascarados pedem intervenção dos EUA em Hong Kong -foto Vincent Thian- AP

A China classificou de “lógica de gângster” a ação do governo Trump que retirou de Hong Kong o status comercial preferencial, após soberanamente a Assembleia Nacional do Povo chinesa ter aprovado para a região administrativa especial a Lei de Segurança Nacional, que pune os crimes de secessão, terrorismo, colaboração com forças estrangeiras e sedição. Esse ato foi um de vários ataques do governo Trump contra a China ao longo da semana.

“A interferência insensata e as ameaças desavergonhadas dos Estados Unidos são uma lógica de gângster típica e um comportamento assediador”, assinalou o Escritório de Ligação de Pequim no porto e pólo financeiro.

A China acrescentou que a medida terá pouco impacto em Hong Kong e só prejudicará os interesses norte-americanos – Hong Kong é uma das poucas regiões do mundo com que os EUA têm superávit comercial.

O decreto de Trump permite a imposição de sanções e restrições de vistos a autoridades e bancos chineses por agirem contra a “democracia” em Hong Kong.

A interferência estrangeira ficou patente no ano passado, com uma conselheira da CIA alocada no consulado dos EUA, e passagem por Mossul e Cabul, sendo flagrada em vídeo dando instruções a “líderes das manifestações” e conhecidos secessionistas.

Atos que incluíram marchas até o consulado dos EUA com cartazes “Trump faça Hong Kong grande de novo” e bandeiras norte-americanas, e ao consulado inglês, onde foi cantado o hino do império britânico.

Washington e a antiga potência colonial vêm tentando frear a integração plena de Hong Kong à China – o que não tem contradição com o princípio de “um país, dois sistemas” – como forma de atrasar o avanço nacional da China e do multilateralismo e restauração do direito internacional, no lugar do “excepcionalismo” norte-americano que impera no mundo desde o fim do socialismo no Leste europeu.

Hong Kong foi subtraída da China a canhonaços no século XIX na Guerra do Ópio, movida pela Inglaterra para impor seu tráfico à milenar nação, e só foi devolvida em 1997 após longas negociações com Londres. Como a China já reiterou, “os dias de colônia já acabaram” e Hong Kong é um assunto interno chinês.

Além de Hong Kong, outros confrontos com a China tiveram lugar, sempre por iniciativa de Washington.

BOCA DE URNA ANTI-CHINA

A razão desse acirramento foi, como notou o jornal chinês de língua inglesa, Global Times, que as eleições presidenciais de 2020 estão se aproximando “e o presidente Trump está ficando atrás do candidato democrata Joe Biden” e decidiu “usar uma estratégia anti-China para atrair os votantes indecisos”.

Como essa estratégia está profundamente emaranhada com as proposições dos falcões contra a China em Washington – ressalta o GT – “isso tem levado a ataques crescentemente hostis e insanos contra a China”.

O próprio Trump busca fugir da responsabilidade pela pandemia de Covid-19 estar descontrolada a quatro meses da eleição, com uma campanha de racista de demonização da China pela “disseminação” do coronavírus e devastação da economia, com ele chamando a doença de “Kung Flu” e o patógeno de “vírus chinês”.

Como registra o jornal, “agora está difícil distinguir quanto desses rosnados entre os dentes são feitos para as eleições, e quanto vem do coração deles”.

O secretário de Estado e ex-diretor da CIA Mike Pompeo passou a dizer abertamente que são “ilegais” as reivindicações da China sobre o Mar do Sul da China, que têm como base a história, mesmo havendo pleitos de outros países, como Filipinas, Vietnã e Japão.

Os EUA sequer são signatários do Tratado sobre o Mar sobre o qual andam dando palpite. E, como disse um militar chinês, aqui é o Mar do Sul da China, não é o Caribe. Na semana passada, Trump enviou dois porta-aviões para manobras em paralelo com exercícios navais chineses, sob o pretexto da “liberdade de navegação”, na verdade, “liberdade de intervenção”.

Em outra declaração, Pompeo ameaçou de sanções a funcionários chineses de empresas de tecnologia [Huawei?] por supostamente fornecimento de apoio material a regimes envolvidos em violações e abusos de direitos humanos no mundo inteiro. Chegou até mesmo a classificar a China de “a mancha do século” nos direitos humanos.

Pompeo é aquele sujeito que, à testa da CIA, ficou famoso pelo vídeo em que, às gargalhadas, falava sobre os ‘trabalhos’ da agência que dirigia: “nós mentimos, nós fraudamos, nós roubamos”. Por modéstia ou disfarce, não falou dos assassinatos, sabotagens e terrorismo que fazem a fama da casa.

“MENTIRA DO SÉCULO”

A resposta veio logo, de parte da porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Hua Chunying, considerando as acusações de Washington sobre direitos humanos em Xinjiang como as “maiores mentiras do século” e relembrando o fato amplamente conhecido de que os EUA são “os maiores violadores de direitos humanos do mundo”.

“As autoridades americanas deveriam sentir vergonha de si mesmas, e a mídia e as pessoas dos EUA devem sentir pena de ter tais funcionários cheios de mentiras”, assinalou. Ela acrescentou que cabe ao povo chinês, e não a políticos de Washington, julgar o desempenho da China em direitos humanos.

Hua sugeriu a Pompeo que “pergunte a George Floyd e outras minorias étnicas sobre como eles vêem as condições de direitos humanos nos Estados Unidos, e pergunte àquelas vidas inocentes tragicamente perdidas no Iraque, Líbia e outros países sobre como eles vêem o desempenho dos EUA nos direitos humanos”.

A porta-voz enfatizou que “George Floyd não foi a única pessoa sufocada até a morte porque ‘não conseguia respirar’, já que a discriminação racial é generalizada nos Estados Unidos.”

Hua destacou que, entre todos os países ocidentais, “são os EUA que sofrem a polarização mais séria entre ricos e pobres”, lembrando que “os 50% mais pobres viram essencialmente zero ganhos líquidos de riqueza de 1989 a 2018, e a diferença de riqueza atingiu uma alta de 50 anos”.

A diplomata denunciou o genocídio dos habitantes originários, os índios, na chamada ‘Marcha para o Oeste’. Registrou, ainda, que durante mais de 240 anos de história americana desde sua fundação, o país esteve livre de guerras por apenas 16 anos. As intervenções militares dos EUA desde 2001 em países como Iraque, Líbia, Síria e Afeganistão “causaram mais de 800 mil mortes, e dezenas de milhões de civis foram deslocados”.

“850 MILHÕES FORA DA POBREZA”

Em comparação, desde a fundação da República Popular da China há mais de 70 anos, sob a liderança do Partido Comunista da China, o povo chinês obteve conquistas notáveis ao buscar um caminho de desenvolvimento adequado às suas próprias condições nacionais, sublinhou Hua.

Nas últimas quatro décadas, China experimentou um aumento de mais de 25 vezes em sua renda per capita e “tirou 850 milhões de pessoas da pobreza, contribuindo com mais de 70% para o esforço mundial de alívio da pobreza”, destacou.

“SEM GUERRA, COLONIALISMO OU ESCRAVIDÃO”

Hua chamou a atenção sobre que a China “se tornou a segunda maior economia do mundo sem recorrer a guerras, colonialismo ou escravidão, a única entre todos os principais países a fazê-lo”.

Ainda, após a crise financeira de 2008/9, por mais de uma década seguida contribuiu com mais de 30% para o crescimento do PIB global.

“Estes são os maiores projetos de direitos humanos, as melhores práticas de direitos humanos e as maiores contribuições para o esforço mundial de direitos humanos”, disse Hua, acrescentando que essas conquistas estão lá para todos verem, desde que sejam vistas sem preconceitos.

Encerrando, ela disparou: “Eu me pergunto como Pompeo, diante desses fatos concretos, tenha a desfaçatez de questionar a China sobre direitos humanos”.