China “adiciona 12.000 hectares de florestas e 90.000 kW de potência fotovoltaica/dia afirma porta-voz Wang Wenbin

“Enfrentar a mudança climática exige ações concretas, não palavras vazias”, retrucou o porta-voz diplomático chinês, Wang Wenbin, à declaração feita pelo presidente norte-americano Joe Biden, contra a “ausência” do presidente Xi Jinping (e do presidente russo Vladimir Putin) na cúpula do clima da ONU de Glasgow, a COP26, cuja primeira parte com líderes mundiais se encerrou no início da semana, com os trabalhos continuando com diplomatas e especialistas até o dia 12.

Atrasada em um ano devido à pandemia covid-19, a COP26 é a primeira conferência após o ciclo de revisão de cinco anos sob o Acordo de Paris de 2015.

Por sua vez, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, após registrar que as ações que a Rússia toma contra as mudanças climáticas são “consistentes, ponderadas e sérias”, não aliviou o chefe da Casa Branca. “A tundra queima. Mas não vamos esquecer que as florestas também queimam na Califórnia, Turquia e outras partes do mundo”, rebateu.

Aliás, queimam muito na Califórnia. Peskov acrescentou que a Rússia não minimiza a importância do que está acontecendo em Glasgow. Mas, esclareceu, as ações climáticas do país não são “orientadas para este ou aquele evento.”

O porta-voz Wang enumerou algumas das ações “de verdade” da China sobre as mudanças climáticas. Em média por dia a China “adiciona cerca de 12.000 hectares de área florestal e 90.000 kW de capacidade fotovoltaica instalada”. “Estamos construindo um lote de projetos de energia eólica e fotovoltaica de quase 30 milhões de kW”, destacou.

Antes da cúpula de Glasgow, tanto China quanto Rússia já tinham divulgado à ONU suas metas para a contenção da mudança climática, com os respectivos compromissos de atingir o pico de emissões até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono em 2060, e estão representados presencialmente por altos dirigentes.

A China anunciara no mês passado o fim do financiamento a usinas de carvão no exterior. A Rússia, na COP26, assinou o compromisso de desmatamento zero até 2030.

Analistas ligaram a ausência de Jinping e Putin à pandemia. A Rússia enfrenta um agravamento da crise sanitária. Por sua vez, o presidente Xi não deixa o país desde quando a pandemia começou em 2020.

O representante permanente da China na ONU, Zhang Jun, reagiu à provocação de Washington, enfatizando que para dar conta das mudanças climáticas “precisamos de compromissos firmes e ações contínuas”.

O que não precisamos – continuou – “são slogans vazios, políticas em constante mudança, caravanas de luxo e entourage, expondo irresponsavelmente inúmeras pessoas à infecção”.

No caso, a caravana de Biden de 85 veículos – “muito ecológico”, comentaram as redes sociais. “E não fomos nós que nos retiramos do Acordo de Paris”, destacou o diplomata.

Holofotes e mãos vazias

A declaração de Biden à mídia, voltada para ligar holofotes sobre a volta dos EUA às cúpulas do clima depois de quatro anos de sabotagem trumpista, e acusando China e Rússia de “darem às costas”, foi vista pelo jornal chinês Global Times como uma tentativa de fazer da COP26 um “show político”.

A cena de Biden contrasta com as mensagens lúcidas do presidente Xi ao G20 e à COP26, chamando as economias desenvolvidas a liderarem na adoção das respostas às mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que convoca a reavivar a economia mundial no pós-pandemia, buscando um “desenvolvimento verde e sustentável”, apoiando os países menos

desenvolvidos com financiamento e tecnologia, sob o multilateralismo e o “princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas”.

De parte da China as medidas sobre as mudanças climáticas já foram incluídas no 14º Plano Qüinqüenal [as metas para 2030 e 2060, o “duplo controle”] e já viraram ação no país inteiro, se tornando um indicador chave do desenvolvimento econômico social do país.

Já Biden literalmente chegou de mãos vazias à COP26, com promessas altissonantes, mas que, por enquanto, são só isso. Biden não tem como aprovar nada no Congresso e Trump ameaça retornar em 2024.

Como salientou o Global Times, para serem levados a sério os compromissos de Biden, ele teria de obter apoio conjunto dos partidos Democrata e Republicano, consignado “em um mecanismo legal de que não será derrubado por um novo governo”.

Aliás, o plano que financiaria os avanços ambientais – e sociais – de seu governo foi cortado pela metade, e nem assim deslanchou no Congresso.

O governo Biden também precisa dizer claramente ao mundo “como seus compromissos de redução de emissões serão implementados como uma política industrial nacional. Eles não podem falar da boca para fora em troca de esforços reais de outros países”.

Sereno, como é de seu jeito, o presidente Xi em sua mensagem à COP26 enfatizou que “quando se trata de desafios globais como as mudanças climáticas, o multilateralismo é a receita certa”. “Espero que todas as partes tomem ações mais firmes para, em conjunto, enfrentar os desafios climáticos e proteger o planeta, o lar compartilhado por todos nós”.

Apontando que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e seu Acordo de Paris “fornecem a base jurídica fundamental para a cooperação internacional sobre o clima”, o presidente chinês exortou “a nos concentrarmos em ações concretas” e convocou as partes a definir “metas e visões realistas e fazer o melhor” nas medidas de ação climática.

A China, anunciou, irá promover “um sistema econômico verde em um ritmo mais rápido”, avançará com o “ajuste da estrutura industrial” e deterá projetos irracionais “com alto consumo de energia e altas emissões”.

A China lançará planos de implementação específicos para áreas-chave “como energia, indústria, construção e transporte, e para setores-chave como carvão, eletricidade, ferro e aço e cimento”, juntamente com medidas de apoio “em termos de ciência e tecnologia, sumidouros de carbono , políticas fiscais e tributárias e incentivos financeiros”, acrescentou.

O que conforma uma estrutura de política para alcançar o pico de carbono e a neutralidade de carbono, “com um cronograma, roteiro e projeto claramente definidos”.

Xi cobrou ainda dos países desenvolvidos o compromisso – de 2009 – de financiarem as respostas dos países mais pobres com US$ 100 bilhões por ano. Ele observou ainda que os países do G20, como responsáveis por 80% das emissões globais de gases de efeito estufa, têm uma “responsabilidade maior”.

A bem da verdade, o porta-voz Wang foi bastante modesto sobre as realizações da China para responder à mudança climática. A China já gera mais energia solar e eólica do que a União Europeia e se tornou líder mundial inconteste em veículos elétricos, trens elétricos de alta velocidade e em painéis solares.

As medidas sobre as mudanças climáticas foram incluídas no 14º Plano Qüinqüenal da China, não como promessas mirabolantes, mas como passos concretos que permitam ao mesmo tempo ir realizando a substituição da grade energética por outra mais limpa, mais ‘verde’, e o desenvolvimento do bem estar do povo chinês, da soberania e do domínio da alta tecnologia.

O que a China não admite é ser chantageada por Washington para fazer concessões que vão contra seus interesses nacionais. É notório que a economia chinesa está se transformando em um modelo de crescimento de alta qualidade, abandonando as indústrias de uso intensivo de energia.

Aliás, as emissões per capita de carbono dos EUA são mais do que o dobro das da China, conforme os números do Banco Mundial.

Além de que um grande componente das emissões de gases de efeito estufa da China “está intimamente ligado aos laços econômicos e comerciais com os Estados Unidos e a Europa”.

É o que atesta estudo da Universidade de Stanford: os EUA, Japão e a Europa Ocidental conseguiram “terceirizar ‘mais da metade de suas emissões de CO2 e fugir da responsabilidade por sua parcela da poluição que altera o clima”, exportando aos países em desenvolvimento suas necessidades de produção.

Também são os países desenvolvidos, encabeçados pelos EUA, que são responsáveis pela esmagadora maioria das emissões de gás poluente acumuladas. Estatísticas do Banco Mundial mostram que as emissões de CO2 dos EUA ficaram em mais de 18 toneladas métricas per capita entre 1966 e 2008, atingindo o máximo de 22,5 em 1973.

Por outro lado, como a “fábrica mundial”, 29 por cento das emissões da China foram atribuídas a produtos enviados para países desenvolvidos, segundo o site chinês tanpaifang.com.

Assim como Xi, o presidente Putin tem chamado a atenção que, ao mesmo tempo em que é preciso responder à mudança climática e ao aquecimento global, não há como levar a bom termo a transição verde sem simultaneamente se combater a desigualdade extrema que aflige grande parte da humanidade.

Não é tão simples quanto ‘deixar de usar os combustíveis fósseis’ hoje, agora mesmo, como às vezes simplificam alguns ativistas, porque é preciso que a energia renovável possa atender às necessidades de bilhões de seres humanos – inclusive quando a Europa se depara com um inverno que pode ser frio e o gás está escasso.

O que dá uma medida do que a improvisação, ou pior, a má definição podem acarretar na hora de mexer na grade energética. Se isso pode ocorrer em países desenvolvidos e com forte infraestrutura, imagine-se nos países pobres.

E o ‘inimigo’ não é a ‘mudança climática’, ou os ‘extremos climáticos’, mas os monopólios privados, cuja ganância e sede de lucro devastam a natureza, aquecem o planeta, emporcalham os oceanos e mares, em meio ao neoliberalismo desvairado, à especulação desenfreada e à desigualdade sem precedentes.

Na COP26, o príncipe Charles fez uma conclamação aos monopólios privados para que se juntem “em pé de guerra” contra a mudança climática, acrescentando que o custo para a mudança para a energia verde “não é de bilhões, é de trilhões”, e que há que abrir as portas aos mercados.

Também já há alertas, como feito pelo presidente boliviano Arce, sobre o novo “colonialismo do carbono”, com os “mercados de carbono” mantendo a poluição nos países centrais e “verdejando” países pobres e abandonados à própria sorte.

Como registrou o Global Times, a questão das mudanças climáticas “diz respeito aos interesses de todos os seres humanos, que deveriam ter transcendido a geopolítica”. No entanto, quando os EUA lançam ataques geopolíticos, sempre mencionam a China e a Rússia. Quando se trata de mudança climática, Biden critica Pequim e Moscou de novo e de novo. “Isso está minando a solidariedade da ação climática da ONU que deveria ter”.

A propósito, há quem considere que a participação não-presencial do presidente Xi – aliás, dele e de Putin – no G20 e na COP26 reflete o nível de esgarçamento das relações internacionais a que os Estados Unidos em seu declínio estão empurrando o planeta.

Foi o que, já em setembro, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, deixara claro ao enviado dos EUA para o clima, John Kerry. Os EUA esperam fazer da cooperação climática um “oásis” nas relações mais amplas entre China e EUA, mas se o “oásis” for cercado por “deserto”, o “oásis” mais cedo ou mais tarde se tornará deserto, observou Wang.

Advertência que entrou em ouvidos moucos. O governo Biden vem sabotando abertamente o princípio básico das relações EUA-China, o de ‘Uma Só China’, e, quanto à Rússia, todos os dias fontes do Kremlin dizem que as relações com os EUA estão “piores do que durante a Guerra Fria”; da arquitetura de prevenção de guerra nuclear só sobrou um tratado. É nessa difícil quadra que a humanidade precisa trilhar o caminho da transição verde.