Infraestrutura em decadência: ponte de Miami que desabou em 2018

O embate sobre o plano de US$ 2,3 trilhões do presidente Biden para reconstruir a decadente infraestrutura dos Estados Unidos, gerar milhões de empregos, promover a energia limpa e os veículos elétricos, reavivar a indústria norte-americana, universalizar a banda larga de alta velocidade e reposicionar o país nas tecnologias de ponta já começou, com a presidente da Câmara dos deputados, Nancy Pelosi, prometendo aprová-lo até à data nacional, o 4 de julho, enquanto o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, garante que irá combater o projeto “a cada passo do caminho”.

O plano de infraestrutura, asseverou McConnell, “não terá” o voto de nenhum membro da sua bancada. Para pagar pelo plano “Empregos para os Americanos”, o governo Biden propôs que as corporações e bancos, que foram aquinhoadas por Trump com uma megarredução de imposto de 35% para 21%, voltassem a pagar um pouco mais, 28%. A previsão é de que a conta estará paga em 15 anos.

O plano, na descrição do Financial Times, irá “fornecer apoio governamental sem precedentes para tudo, desde veículos elétricos até energias renováveis”. O que, para o senador republicano John Barrasso, não passa de “um cavalo de Tróia para mais gastos dos liberais e impostos mais altos”.

Biden já anunciou que esse plano será complementado pelo “Plano das Famílias Americanas”, que estará direcionado ao bem estar das famílias.

Plano insuficiente

Progressistas norte-americanos consideram o plano bom, mas insuficiente, apontando que, ao ponto a que chegaram as mazelas nos EUA, o plano teria de ser “muito maior”. Da ordem de US$ 10 trilhões, segundo a deputada Alexandria Ocasio-Cortez.

Para o jornalista Matthew Dalton, do Wall Street Journal, o projeto de infraestrutura de Biden de US$ 2,3 trilhões sinaliza uma “mudança de paradigma” na maneira como o gasto público é visto nos EUA. “Uma das principais razões para isso é a filosofia que o presidente Reagan incorporou, que é ‘o governo é o problema, não a solução’”, disse Dalton. “Agora as pessoas entendem que talvez o governo possa ser a solução.”

“Infraestrutura em ruínas”

Relatório no início deste ano da Sociedade Americana de Engenheiros Civis estimou que 43% das estradas norte-americanas estão em más condições, e 42% das 617.000 pontes têm pelo menos 50 anos, das quais 7,5% são estruturalmente deficientes.

Como assinalou Biden, “os Estados Unidos da América são o país mais rico do mundo, mas estamos em 13º lugar quando se trata da qualidade geral de nossa infraestrutura”. A propósito, em 2008, os EUA estavam em 7º.

Ao lançar o plano em Pittsburgh, Biden o considerou como o “maior investimento público” desde a Segunda Guerra Mundial, comparável ao plano das rodovias interestaduais da década de 1950 e à corrida espacial da década seguinte.

Pittsburg, uma cidade que por si só simboliza o Cinturão da Ferrugem, a área mais industrializada dos EUA, é testemunha da gigantesca desindustrialização vivida sob a metástase da financeirização plasmada na era Reagan e levada em frente, chutando a lata, até aqui, quando não há mais como esconder a decadência e a gritante desigualdade.

“O que estou propondo é um investimento de capital único de cerca de US $ 2 trilhões … que será distribuído em 8 anos”, afirmou Biden, que acrescentou que os investimentos em infraestrutura “estão entre os investimentos de maior valor que podemos fazer.” “Nossa infraestrutura está em ruínas”, sublinhou.

Sabedor da oposição da cúpula republicana e da simpatia que um plano de reconstrução da infraestrutura tem entre a população, incluída aí a base republicana, Biden convocou: “se agirmos agora, em 50 anos as pessoas olharão para trás e dirão: este foi o momento em que a América conquistou o futuro.”

As quatro principais categorias do plano incluem a infraestrutura física propriamente dita; a reconstrução da infraestrutura habitacional; o renascimento da manufatura norte-americana e desenvolvimento da energia limpa; e, finalmente, o investimento na infraestrutura de cuidados aos idosos.

No primeiro quesito, são US$ 135 bilhões para modernizar 32 mil quilômetros rodovias, estradas e ruas principais em ruínas; consertar as dez pontes economicamente mais importantes do país e que precisem ser reconstruídas com urgência; e consertar as piores 10 mil pontes menores. US$ 85 bilhões para transporte público. US$ 80 bilhões para as ferrovias (a malha de trens de alta velocidade dos EUA é 500 vezes menor que a da China). US$ 42 bilhões para portos e aeroportos.

Para programas de atualização e modernização da rede elétrica, são US$ 100 bilhões, mesma quantia destinada à expansão da banda larga. US$ 50 bilhões são dedicados a melhorar a resiliência da infraestrutura.

Na infraestrutura habitacional, serão US$ 300 bilhões, principalmente para reforma e modernização de dois milhões de residências, e eliminação de canos de chumbo e linhas de serviço de chumbo em sistemas de água potável.

US$ 580 bilhões estão destinados a “reviver a manufatura dos EUA”, desenvolver a energia limpa e investir em pesquisa e desenvolvimento.

Dos quais US$ 174 bilhões para a fabricação e disseminação dos veículos elétricos. Toda a frota federal (650 mil veículos) será convertida para energia elétrica. Um quinto dos ônibus escolares serão eletrificados. O plano também prevê criar 500 mil estações de recarga no país inteiro.

Biden propôs ainda estender por 10 anos o crédito tributário que impulsiona projetos de energia solar e de armazenamento, e o crédito tributário de produção, que subsidia a energia eólica.

Outros US$ 180 bilhões são para expansão de pesquisa e desenvolvimento, em áreas como semicondutores, tecnologia avançada de energia, biotecnologia, inteligência artificial e computação quântica – o que foi apontado como o maior programa de pesquisa não relacionado diretamente à defesa já registrado. US$ 35 bilhões são para P&D de tecnologia limpa para enfrentar a crise climática.

US$ 400 bilhões são para atendimento domiciliar para idosos e deficientes, o que inclui a melhoria de salário dos cuidadores, que atualmente estão entre os trabalhadores mais mal pagos dos EUA. Os centros de acolhimento de idosos foram duramente afetados pela pandemia.

O plano inclui outras questões que sinalizam o fortalecimento do papel do Estado na economia, mesmo em uma tão monopolizada como a dos EUA. Como a criação de um escritório dentro do Departamento de Comércio para supervisionar as cadeias de abastecimento críticas do país, cujas vulnerabilidades foram expostas durante a pandemia, com dotação de US$ 50 bilhões.

Como os democratas têm maioria na Câmara e, no Senado, estão empatados com os republicanos, com a vice-presidente Kamala Harris, que preside a instituição dando o voto de minerva, para que o plano de reconstrução da infraestrutura seja aprovado é preciso superar através da chamada ‘reconciliação’, como já ocorreu com o plano de ajuda emergencial de US$ 1,9 trilhão, o sistema de ‘filibuster’, obstruação, pelo qual para levar qualquer matéria à votação são necessários 60 dos 100 votos dos senadores.

Na segunda-feira (5), a conselheira independente do Senado dos Estados Unidos, Elizabet MacDonough, decidiu a favor dos democratas que esse mecanismo de ‘reconciliação’, que permite que um projeto seja adotado por maioria simples, poderá ser usado mais duas vezes este ano, limpando o terreno para a votação.

Restando, ainda, ao governo Biden, aquietar alguns democratas da ala mais conservadora, que ameaçam dificultar a aprovação, tipo Joe Manchin – para vencer no Senado, é preciso do voto sem exceção de toda a bancada.

Respondendo às críticas sobre o aumento de impostos necessário para pagar pelo plano, Biden disse que “isso não é para atingir aqueles que conseguiram … trata-se de abrir oportunidades para todos os outros”, realizando “um investimento único em uma geração na América”.

Meio tarde

Em seu discurso em Pittsburgh Biden afiançou que seu plano permitirá aos EUA “vencer a competição com a China autocrática”. Quanto a isso, para muitos observadores, o plano é pouco e chega tarde.

Os US $ 2,25 trilhões alocados ao plano podem soar como muito dinheiro, mas por serem distribuídos por oito ou dez anos, trata-se de menos de US$ 300 bilhões por ano. Ou seja, cerca de um terço do orçamento anual do Pentágono.

Ou, por outro ângulo, menos de um quarto do inchaço de US$ 1,3 trilhão na riqueza fictícia de Wall Street no ano em que o mundo padeceu sob a pandemia.

O ex-presidente Jimmy Carter já cantou a pedra, aliás em uma carta a Trump, em que lembrou que enquanto os EUA passaram os últimos 25 anos dilapidando trilhões de dólares com guerras sem fim, a China, como uma nação de formiguinhas, só cuidava de construir, desenvolver e florescer.

Como lembrou o ex-inspetor de armas Scott Ritter, atualmente a classe média chinesa consome US$ 7,3 trilhões, comparado com os US$ 4,7 trilhões da classe média norte-americana. E eles ainda desenvolveram o conceito da dupla circulação: como aliar o desenvolvimento do mercado interno, o maior do mundo, com o mercado global, em que a China é o principal parceiro comercial de quase todos os países do mundo. O único projeto global de desenvolvimento que existe na praça é a Iniciativa Cinturão e Rota. No ano passado, a China foi o único país que escapou da recessão sob a pandemia.

Se o objetivo do governo Biden for esse, é difícil que dê certo, assim como é improvável que o mundo unipolar se sustente. Segundo o Centro de Pesquisas Econômicas e Empresariais (CEBR, na sigla em inglês) a China desbancará os Estados Unidos como a maior economia mundial em 2028, cinco anos antes do previsto anteriormente (sob a paridade de poder de compra, já é a primeira).

Mas, claro, a questão sempre serve como argumento diante da bancada republicana, quando esta se opõe a um plano de reconstrução da infraestrutura – em um país em que há décadas prevaleceu o rentismo mais desvairado, a ponto de o investimento público em infraestrutura ter caído 40% desde a década de 1960.

“Fundamentalmente, não acreditamos que fazer um investimento histórico nos trabalhadores americanos e reconstruir nossa infraestrutura em todo o país para nos ajudar a competir com a China seja controverso”, concluiu a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, em recente declaração.