Mesmo com voto contrário da bancada do PCdoB, o plenário  da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (3), o Projeto de Lei 2633/20, que aumenta o tamanho de terras da União passíveis de regularização sem vistoria prévia, bastando a análise de documentos e de declaração do ocupante de que segue a legislação ambiental.  A matéria será enviada ao Senado.

A deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), que orientou o voto contrário à proposta, ressaltou que o país já possui legislação adequada para garantir regularização fundiária (Lei 11.952/2009), que tem sua aplicação prejudicada porque o governo federal não cumpre a sua parte garantido os recursos para sua execução.

“Esse projeto de lei prejudica a agricultura familiar e traz, inclusive, um aumento do conflito no campo, quando ela tende a superposicionar áreas tanto do grileiro, do invasor, do desmatador, como área do produtor e da pequena agricultura familiar”, afirmou.

Entidades representativas dos pequenos agricultores e da agricultura familiar argumentam que, se a intenção do governo fosse beneficiar o setor, a atual legislação já é plenamente suficiente para a legalização das pequenas ocupações. Para isso, bastaria assegurar condições operacionais para a atuação do Incra.

A proposta, apresentada pelo deputado Zé Silva (SD-MG), passa dos atuais quatro para seis módulos fiscais o tamanho da propriedade ocupada que poderá ser regularizada com dispensa de vistoria pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Segundo o substitutivo do relator, deputado Bosco Saraiva (SD-AM), a regularização de imóveis poderá beneficiar inclusive posseiros multados por infração ao meio ambiente, desde que sejam atendidas algumas condições previstas no texto. A oposição obstruiu os trabalhos por entender que as regras favorecem a grilagem de terras.

O deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA) destacou que a matéria precisaria passar por um debate mais aprofundado, para evitar que, em nome da regularização fundiária, “se promova a entrega de espaços para latifúndios ou se degrade o meio ambiente”. Dentre os pontos polêmicos, estão a ampliação de dispensa de vistoria prévia no processo de titulação.

Especialistas em questões fundiárias alertam que a proposta, que flexibiliza normas relacionadas à ocupação de terras públicas federais e legaliza ocupações irregulares, vai beneficiar a atuação de grileiros. Também apontam que a dispensa de vistoria prévia no processo de titulação de médias e grandes propriedades incentivará a ação de grandes desmatadores.

Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), a votação do projeto deveria ser adiada, para que os parlamentares pudessem optar por um texto mais ajustado às necessidades do Brasil.

“É fato que nós temos que tratar da regularização fundiária, mas é fato que nós temos que tomar medidas que impeçam que não só ocupações irregulares, indevidas assim como a repercussão que pode ter a expansão do desmatamento, entre outros efeitos colaterais, de matérias que acontecem quando não há o devido tratamento de uma matéria sensível como essa”, observou.

As novas regras valerão para imóveis da União e do Incra em todo o País, em vez de apenas os localizados na Amazônia Legal.

A deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA) defendeu emenda da Bancada, visando evitar a proliferação do desmatamento ilegal. “Essa é uma matéria da maior importância para a agricultura familiar. Ela protege também o agronegócio. Ledo engano de quem acha que, com um regramento frouxo, terá as suas garantias, pois efetivamente estarão também vulneráveis”, disse.

O plenário, entretanto, rejeitou todas as tentativas de mudança apresentadas por meio de destaques.

Em sua fala, o deputado Rubens Jr. também chamou atenção para a questão do desmatamento. “A regularização fundiária vem reconhecer um direito, para que a pessoa tenha sua situação jurídica regularizada. Porém, não podemos premiar aqueles que praticaram desmatamento ilegal na área com a regularização das terras que está ocupando”, opinou. Os dados de desmatamento e queimadas em junho último são recordes.

Um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) aponta que as mudanças trazidas nas regras fundiárias ameaçam ao menos 19,6 milhões de hectares de áreas federais não destinadas na Amazônia, os quais podem ser ocupados e desmatados na expectativa de regularização.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a invasão das florestas públicas não destinadas na Amazônia aumentou 232% em cinco anos. A maioria registrada como propriedade particular é de imóveis médios e grandes.

 

Por Walter Félix

 

(PL)