A Câmara aprovou nesta quarta-feira (9) o projeto de lei que fixa uma série de medidas que pretendem flexibilizar a legislação sobre agrotóxicos. O texto facilita, por exemplo, o registro de substâncias cancerígenas.

Entre outros retrocessos, a medida centraliza no Ministério da Agricultura as tarefas de fiscalização e análise desses produtos para uso agropecuário e permite a obtenção de registro temporário. Atualmente, devido à complexidade da análise dos riscos e à falta de testes em humanos, os pedidos de registro podem demorar para serem obtidos.

Com o projeto de lei aprovado na forma do substitutivo do relator, deputado federal Luiz Nishimori (PL-PR), caso o pedido de registro não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de dois anos, o órgão registrante será obrigado a conceder um registro temporário para agrotóxico novo ou uma autorização temporária para aplicação de um produto existente em outra cultura para a qual não foi inicialmente indicado.

Como houve modificações no texto aprovado no Senado, o PL 6299/02 volta para nova análise na Casa de origem.

A inclusão do projeto na pauta desta quarta foi criticada pelos partidos de oposição, entre eles o PCdoB. O Pacote do Veneno, como foi apelidada a proposta que pretende flexibilizar ainda mais o uso de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, é a junção de várias práticas condenadas por entidades científicas e organizações da sociedade civil.

O projeto surgiu em 2002, mas ficou ainda mais nocivo a partir do governo Bolsonaro, que promoveu um aumento recorde da liberação de registros de venenos para utilização nas atividades agrícolas do país – só em 2021, foram 641 novos produtos liberados.

Para o vice-líder do PCdoB, deputado federal Orlando Silva (SP), nada justifica a aprovação da medida que “é uma aberração” do ponto de vista científico, político e econômico.

O parlamentar rechaçou a exclusão de órgãos técnicos na validação dos produtos que podem ser utilizados na agricultura, a votação da proposta com o plenário vazio, sem o debate da importância da matéria, além dos prejuízos econômicos que a proposição pode representar.

“O Brasil tem uma das maiores agriculturas do mundo, com todas as regras que existem hoje. Com mais rigor no uso de produtos e defensivos agrícolas, podemos expandir a presença do país no mercado internacional”, disse.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) destacou que o projeto “é ambientalmente destrutivo para a saúde da população e para os trabalhadores da área rural”. “Ele é profundamente prejudicial. Várias doenças decorrem desses defensivos agrícolas, que não terão a fiscalização dos órgãos de saúde”, apontou.

Riscos à saúde

Uma das mais graves consequências da aprovação da matéria será a substituição da Lei  7.802, de 1989, que define claramente a proibição para agrotóxicos associados ao câncer, mutação no material genético, malformações fetais, alterações hormonais e reprodutivas.

O projeto substitui este artigo pelo conceito de “risco inaceitável”. Ou seja, em vez da proibição absoluta das substâncias nocivas, há a relativização para alguma coisa que poderia ser considerado “aceitável”.

Outra medida relevante é transformar o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no principal órgão responsável pelo registro dos agrotóxicos. Atualmente, o registro passa pelo ministério, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A perspectiva de transformar a Anvisa em órgão meramente homologador foi criticada pela vice-líder da Oposição, deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC). “Então a Anvisa, que autoriza a medicação para a saúde dos brasileiros, que autoriza a vacina para a saúde dos brasileiros, vai ser deixada de fora da autorização, da fiscalização da saúde dos alimentos que nós vamos usar?”, questionou.

Pela nova configuração, Ibama e Anvisa poderão apenas avaliar ou homologar avaliações, perdendo poder de regulamentação. Outra proposta é estabelecer o registro eterno de agrotóxicos no Brasil – ou seja, uma vez que químicos forem liberados, não poderão ser suspensos, ainda que se comprove que são altamente danosos.

O deputado federal Daniel Almeida (PCdoB-BA) reforçou a importância de manter as agências de controle científico na regulamentação de novas substâncias: “Esse problema é técnico, que cabe à Anvisa e ao Ibama. Não tem sentido tirar o debate, a deliberação científica, técnica desse assunto”.

“Tratar de agrotóxico não é brincadeira. Isso impacta a vida das pessoas, causa a contaminação do solo e pode afetar a imagem do país nos mercados internacionais. Não havendo a precaução, o cuidado, as garantias para a proteção da vida, a preservação do solo, podemos comprometer a credibilidade, a confiança que o Brasil precisa preservar e ampliar para comercializar seus produtos internacionalmente”, salientou.

Engodo

Entre outros pontos, o projeto altera a nomenclatura de “agrotóxicos” para “pesticidas”, suavizando, no imaginário social, o potencial tóxico das substâncias.

Ao condenar a proposta, a deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA) defendeu o incentivo na promoção de um modelo de produção agrícola que atenda às necessidades de produção alimentar em quantidade, qualidade e diversidade, que promova a saúde coletiva e a conservação do meio ambiente.

“Nós precisaríamos ter um plano de agricultura sustentável, de uso racional de defensivos e uma busca cada vez maior da naturalização das culturas, na medida em que nós sabemos que o uso de agrotóxicos tem relação com o índice de câncer em todo o mundo, como um processo de envenenamento, mesmo involuntário”, observou.

Ela alertou também que, no momento em que o Brasil vive uma de suas piores crises em consequência do novo coronavírus, é necessário repensar o modelo do agronegócio e o uso de agrotóxicos.

“Não queremos que o agro seja apresentado no formato da agricultura extensiva como o único caminho. Queremos que os pequenos também sejam valorizados, mas, sobretudo, queremos saúde. Os que se acostumaram com a morte de pessoas por covid agora buscam que a morte também seja um caminho pela via dos agrotóxicos. Não ao veneno!”, frisou.

Agressão à vida

O Pacote do Veneno é rechaçado ainda por especialistas como Karen Friedrich, integrante do Grupo Temático Saúde e Meio Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e toxicologista da Fiocruz.

“Temos um governo federal e um legislativo que não têm nenhuma preocupação com a saúde e o meio ambiente, desmontando e perseguindo ambientalistas, lideranças de povos e comunidades tradicionais e até mesmo os órgãos de fiscalização. Tudo isso somado ao ‘PL do Veneno’ será um desastre sem precedentes na nossa história”, afirmou.

 

Por Walter Félix

(PL)