O Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) aprovou no último sábado (12), em reunião plenária, realizada virtualmente, o importante documento “Diretrizes para uma plataforma emergencial de reconstrução nacional”.

A presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, em seu Informe Político, à referida reunião salientou que a Plataforma é um documento denso, que subsidiará a contribuição da legenda comunista nos debates no âmbito das forças democráticas e progressistas em face dos grandes desafios de 2022.

São contribuições, sublinha Luciana, à construção de saídas para a grave crise em que o Brasil se encontra. Destaca ainda, a presidenta do PCdoB: “a luta que travaremos é para derrotar Bolsonaro e abrir caminho à construção de uma nova maioria política na sociedade brasileira capaz de promover convergências em torno de um projeto de reconstrução nacional”.

Por sua vez, Nilson Araújo, economista, professor da UNILA, membro da Comissão Política do PCdoB e da diretoria da Fundação Maurício Grabois destaca que o conteúdo da Plataforma está focado em diretrizes, políticas e medidas, que na ótica dos comunistas, são essenciais para o país sair da crise e também para que seja desencadeado processo de reconstrução nacional.

O professor Nilson foi o relator do texto em todo seu rico itinerário de elaboração que demandou seminários e acolheu aportes de dezenas de lideranças do Partido. A Plataforma foi debatida no processo do 15º Congresso do Partido e nas conferências estaduais e municipais que o precederam.

Agora, quando o PCdoB está empenhado em ajudar formar uma Federação de Partidos que agregue legendas do campo democrático e de esquerda, representando a mais ampla unidade popular, a Plataforma se constitui numa fonte importante nos debates ora em andamento para elaborar o programa da futura Federação. Será, também, como destaca o professor Nilson, fonte, ainda, para o programa de governo do candidato à presidente da República que terá o apoio dos comunistas, bem como à elaboração do programa das candidaturas do Partido que irão disputar as eleições de 2022.

Leia abaixo a íntegra do documento:

 

Diretrizes para uma plataforma emergencial de reconstrução nacional:

Democracia, Soberania, Desenvolvimento e Trabalho

Apresentação

Dados recentes indicam que a economia brasileira ingressou em uma rota de estagflação, combinação perversa de estancamento da economia – e sua consequente sequela nos elevados níveis de desemprego – com uma subida generalizada dos preços, ou seja, desemprego e carestia.

No ano de 2021, ao comparar com o fundo do poço, ao qual se chegou em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) ainda aparentava certo crescimento, mas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia já havia entrado em recessão técnica desde o segundo trimestre, sendo que a produção industrial, que tinha apresentado um repique no segundo semestre de 2020, já havia começado a declinar desde o primeiro trimestre de 2021. E até mesmo agentes do chamado mercado, que costumam apresentar projeções otimistas da economia, preveem estagnação econômica para este ano de 2022.

Todos os fatos indicam na direção da estagnação: os empresários não se animam a investir devido à persistente crise institucional; o governo projeta para 2022 o menor nível de investimento público dos últimos 12 anos; o mercado interno está sendo estrangulado pela queda da renda real do trabalho, que no trimestre móvel encerrado em novembro de 2021 foi de 11,4% em relação a igual trimestre de 2020; o Banco Central, a serviço do capital especulativo, deflagrou uma verdadeira escalada da Selic (que subiu de 2% no começo de 2021 para 9,25% no final), empurrando a economia para baixo; o Ministério da Economia reduziu em 10% as alíquotas do imposto de importação para oito mil produtos, o que provocará uma inundação no mercado interno de produtos industriais importados e a consequente destruição da produção interna.

A inflação, que começou com a subida do preço dos alimentos, já alcançou os combustíveis e as tarifas públicas, a começar pela energia elétrica, contaminando os demais setores da economia. No final do ano, o índice de difusão do IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo], que mede o percentual de itens com aumento de preços, já havia atingido 74,8%. O IPCA referente a 2021 já adentrou a casa dos dois dígitos, e é ainda mais alto para os mais pobres, que amargam a explosão do preço dos alimentos desde 2020, depois da qual alguns desses aumentos arrefeceram em 2021, mas ainda permaneceram elevados.

O recrudescimento dos preços ocorreu em 2021, com o óleo diesel, cujo preço se elevou em 46,04%, causando impacto no valor do frete e, por conseguinte, no preço das mercadorias transportadas. O botijão de gás e a gasolina estão se tornando proibitivos: o primeiro subiu 36,99%, em 2021, e a segunda 47,49%. Segundo estudo realizado pelo Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos], o salário-mínimo, que comprava 2,1 cestas de alimentos de um trabalhador no começo do governo Bolsonaro, comprava apenas 1,6 cesta em setembro de 2021.

E, para explicar essa disparada de preços, o Banco Central usa o argumento absurdo de que ela ocorre em decorrência de inflação de demanda, posto que o povo estaria comendo mais.

Mas a diretoria do BC teria que explicar como gastar mais se hoje, segundo o IBGE, o trabalhador ganha 11% menos em termos reais; falta trabalho para 29 milhões de pessoas (entre desempregados, subocupados e força de trabalho potencial, e a taxa de desemprego é o dobro da média mundial); 116,8 milhões de pessoas, que vivem em 55,2% dos domicílios do País, padecem de insegurança alimentar; e 15 milhões de pessoas subsistem, em nível de pobreza extrema.

A tragédia social se manifesta principalmente nos inéditos níveis de desemprego; o que é agravado pela perda dos direitos trabalhistas (com a revogação da Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, durante o governo Temer) e o forte golpe da “reforma previdenciária” de Bolsonaro, que reduziu as possibilidades de aposentadoria.

A situação se agrava profundamente com a emergência da Pandemia que chegou ao Brasil em 2020 e se transformou numa verdadeira tragédia humanitária. A Covid-19 ceifou quase quatro vezes mais vidas humanas em nosso País do que a média mundial. E não era inevitável que isso acontecesse. Segundo pesquisa coordenada pelo infectologista Pedro Halal, se o governo brasileiro tivesse adotado o comportamento médio dos governos dos demais países, dentre as pessoas que perderam a vida cerca de 80% teriam sido salvas.

Andando na contramão, o presidente Bolsonaro sabotou o tempo todo as medidas sanitárias recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Estudo realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário, da Universidade de São Paulo (USP), comprova que Bolsonaro buscou a imunidade de rebanho, sem vacinação, mesmo tendo conhecimento de que provocaria milhares de mortes.

Apesar da forte queda, até dezembro de 2021, do número de mortes e de casos diários, resultante da campanha de vacinação – que, a despeito do presidente, já beneficiou mais de dois terços da população –, subsistem ainda dois problemas: mais de 60 milhões de brasileiros e brasileiras ainda não foram imunizados (dos países da Europa, só a Alemanha tem uma população maior), além de a imunização ter beneficiado desigualmente as regiões e os estados do País.

Para agravar a situação, surgiu uma nova variante de coronavírus, a Ômicron, que, apesar de seu baixo índice de letalidade, tem um elevadíssimo nível de contágio, provocando um fortíssimo recrudescimento do número de casos a partir de janeiro de 2022. Isso resulta da sabotagem do governo brasileiro às medidas indicadas pela Anvisa para barrar a entrada dessa variante no País. O presidente chegou a bradar: “bem-vinda, Ômicron”.

 

I – Desmonte do Estado e das bases econômicas e sociais do país

 

O Brasil atravessa uma crise estrutural de longa duração e de várias dimensões; a social e a sanitária assumem o caráter de verdadeira tragédia. E seu impacto está sendo agravado pela ação do governo Bolsonaro, que vem ampliando o desmonte do Estado e das bases econômicas, sociais, políticas, ambientais e culturais do País. E busca realizar exatamente aquilo que ameaçou, logo no início de sua gestão, em março de 2019, em reunião com grupos ultradireitistas, nos EUA: “o Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”. Não foi à toa que escolheu logo os EUA como local para proferir essa declaração. Um país “desconstruído” é presa fácil para a ocupação econômica por parte de potências hegemônicas e seus grupos econômicos. O avesso do patriotismo tão alardeado por Bolsonaro.

Esse governo vem desmontando os mecanismos democráticos do Estado. Começou pela decisão de destroçar – menos de um mês depois desse discurso –, por meio do decreto nº 9.759, os conselhos de políticas públicas com participação social, ou outros colegiados semelhantes, que haviam sido criados por decretos ou atos administrativos, com o objetivo de diminuí-los de 700 para menos de 50. Menos de três anos depois, foram extintos, esvaziados ou desativados 75% dos mais importantes deles. Para agravar a situação, viola sistematicamente as liberdades democráticas, além de frequentemente ameaçar promover um golpe no País.

E mais, segue desmontando os mecanismos estatais de ação econômica. E o processo de desestatização, iniciado na década de 1990, culmina com o desmonte do Estado pelo governo Bolsonaro, a exemplo do esquartejamento da Petrobras, do crime de lesa-pátria pela tentativa de privatização da Eletrobras, e da proposta de “reforma” administrativa que, além de prejudicar seriamente o servidor público, debilita a capacidade de gestão e planejamento da União.

O sucateamento e desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS), em meio à plena pandemia, chegam a níveis dramáticos no governo Bolsonaro. Promove fortes ameaças à educação, inclusive com possibilidade de fechamento de universidades por falta de verbas, e já trocou quatro vezes o titular do Ministério da Educação, todos fiéis ao obscurantismo e ao negacionismo. E são sua marca o desmonte dos centros e institutos de pesquisa; as práticas de violação da autonomia universitária; a perseguição às reitoras e aos reitores que se pautam pela democracia e a defesa da ciência; e os profundos cortes dos recursos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

A Cultura foi uma das áreas mais atingidas pela pandemia e pela ação do governo. Por volta de cinco milhões de trabalhadoras e trabalhadores do setor tiveram suas atividades afetadas, e muitos perderam o emprego ou grande parte da sua renda. O desmonte das políticas culturais, incluindo o fechamento do Ministério da Cultura, o obscurantismo e o reacionarismo, tem sido uma das principais marcas do governo Bolsonaro.

O racismo e a discriminação de gênero são problemas estruturais da sociedade brasileira, mas, assim como outras formas de discriminação, agravaram-se nestes tempos obscuros de bolsonarismo. Ele também levou ao extremo a depredação da natureza, estimulando as queimadas e o desmatamento descontrolado da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal.

Bolsonaro aproveita-se da participação massiva de militares no seu desgoverno (mais de seis mil entre os da ativa e da reserva) – em funções nem sempre compatíveis com a habilidade profissional – para tratar o Exército como “meu Exército”, intentando converter as Forças Armadas no “partido do presidente”, desgastando e descontruindo o seu papel de instituição de Estado.

Atrelou a política externa brasileira aos interesses do grupo de Donald Trump e à ultradireita internacional, jogando por terra a Política Externa Independente, que faz parte da tradição da diplomacia brasileira desde a época do Barão de Rio Branco. O processo de integração latino-americana, que experimentou importantes avanços na primeira década deste século, sofreu retrocessos na segunda década, e foi completamente desarticulado durante o atual governo.

Está, portanto, na ordem do dia a necessidade de adoção de medidas que enfrentem os graves problemas sociais – com destaque para o desemprego em massa e a miséria extrema –; contribuam para a reconstrução nacional nas áreas econômicas, sociais, políticas, ambientais e culturais; retirem o País da crise; e abram espaço para um novo projeto nacional de desenvolvimento, que possibilite um desenvolvimento duradouro e beneficie as amplas maiorias da população.

II – A superação de crises estruturais exige transformações estruturais

  1. O fortalecimento da Nação é o caminho

O fortalecimento da Nação é o caminho, definido no Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, aprovado pelo PCdoB em seu 12º Congresso, realizado em 2009, é a referência fundamental desta Plataforma, partindo do princípio de que a superação de crises estruturais exige transformações estruturais.

Com essa compreensão, consideramos que fazem parte da Plataforma Emergencial de Reconstrução Nacional três movimentos integrados, interagindo entre si: medidas emergenciais em defesa da vida, da democracia e do emprego; deflagração de medidas do processo de reconstrução nacional que incidem na fase emergencial; e medidas de retomada do desenvolvimento que também contribuam para a ação emergencial e a reconstrução.

 

  1. Superar o modelo econômico dependente, rentístico e desigual

Durante o longo processo de estagnação e semiestagnação da economia brasileira, resultante de uma crise estrutural de longa duração, os distintos governos sob a égide da Constituição de 1988 – a despeito de esta possibilitar a mudança da economia – mantiveram a essência do modelo econômico dependente, rentístico e desigual herdado da ditadura; e faltou também um projeto nacional de desenvolvimento. Há que se destacar os esforços e as realizações dos governos Lula nesse âmbito, porém sem alterar a essência desse modelo econômico. Modelo esse que precisa ser superado, pois privilegia os interesses do capital financeiro dos países centrais e dos detentores (estrangeiros e nacionais) de capital fictício, aqui aplicado, que fomenta e se alimenta da ciranda financeira.

Registre-se que não há uma separação, com o processo de “financeirização” capitalista, da busca de rentabilidade pelas grandes corporações, entre não-financeiras e as financeiras, pois, notadamente desde a ascensão neoliberal, a grande empresa busca aumentar a rentabilidade aplicando em ativos financeiros, especialmente administrados por grandes fundos.

A subordinação da economia nacional a esses interesses – ao drenar para essas corporações, sob a forma de renda financeira, parcela ponderável do valor aqui gerado – deprime a produção e bloqueia o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, restringe o comando do Estado sobre a economia, impedindo o investimento público. O desemprego, o achatamento dos salários e o endividamento das famílias daí decorrentes bloqueiam o potencial do nosso mercado interno.

  1. O desenvolvimento soberano é o eixo estruturante desta Plataforma

A reconstrução do País passa pela reconstrução e pelo soerguimento do Estado nacional, das instituições democráticas e da economia, e pela recuperação dos direitos sociais conquistados na CLT e consolidados na Constituição de 1988. O eixo estruturante da Plataforma Emergencial de Reconstrução Nacional é o desenvolvimento soberano, tendo o Estado, e consequentemente o investimento público, como alavanca do desenvolvimento, além da prioridade ao mercado interno, com a valorização do trabalho como seu impulsionador. Com essa base, pode ser empreendida a transição de uma economia financeirizada para uma economia produtiva, e promovida a reindustrialização com base em tecnologia avançada e com sustentabilidade social e ambiental.

 

III – A valorização do trabalho é o centro do desenvolvimento

  1. Resgatar o papel do trabalho como centro do desenvolvimento

O trabalho deve ser resgatado como centro do desenvolvimento, tanto porque produz a riqueza do País, quanto porque sua remuneração, o salário, alavanca o mercado interno e, por conseguinte, o desenvolvimento. Portanto, nosso programa emergencial de reconstrução nacional busca valorizá-lo com as seguintes medidas:

a) recriação do Ministério do Trabalho (o governo diz tê-lo recriado, mas criou uma agência eleitoreira);

b) aumento real crescente do salário-mínimo, buscando dobrar o seu valor real;

c) garantia de salário igual para trabalho igual;

d) redução da jornada de trabalho (nos principais países da Europa, a jornada semanal varia de 36 a 38 horas);

e) valorização e fortalecimento da Justiça do Trabalho (restaurando todas as suas prerrogativas) e do Ministério Público do Trabalho;

f) revogação da reforma trabalhista iniciada por Temer e continuada por Bolsonaro;

g) revogação das medidas que achataram a renda de aposentados e pensionistas; e

h) amplo programa de qualificação da força de trabalho.

 

E assim pode-se começar a combater a desigualdade social e a deflagrar um processo de distribuição de renda a fim de fortalecer o mercado interno para alavancar a reconstrução e o desenvolvimento e melhorar as condições de vida de quem trabalha e produz. A massa salarial deve ser a principal forma de distribuição de renda. A participação elevada e crescente da massa salarial na renda de um país é uma referência importante da superação da desigualdade e da conquista democrática.

 

  1. Valorização do trabalho e fortalecimento do mercado interno

A política de valorização do trabalho e de geração de emprego, e de consequente fortalecimento do mercado interno, deve contar com um conjunto de medidas visando a fortalecer o sindicato e a promover a regulamentação e a formalização do trabalho, a saber:

a) promoção da regulamentação do trabalho, inclusive dos trabalhadores em plataformas digitais;

b) recuperação da possibilidade de o trabalhador brasileiro se aposentar, política de reajuste de aposentadorias e pensões equivalentes à do salário-mínimo;

c) retomada de políticas de qualificação que melhorem a inserção dos jovens no mercado de trabalho;

d) reversão e impedimento da precarização do trabalho e da desregulamentação das relações trabalhistas, inclusive entre os trabalhadores das plataformas digitais (aplicativos);

e) fortalecimento da organização sindical e democratização das relações de trabalho para reforçar os trabalhadores na luta para conquistar uma participação efetiva nos resultados do desenvolvimento do País.

Por isso, reafirmamos a defesa do artigo 8º da Constituição que, além da unicidade sindical (que veda a criação de mais de uma organização sindical por categoria), preserva o papel de representação e o poder de negociação das entidades sindicais no processo de negociação coletiva do trabalho, e garante a estabilidade no emprego dos dirigentes sindicais e a não-interferência ou intervenção do Estado na organização sindical.

Para resgatar o papel de representação e negociação do sindicato, é fundamental recompor fontes estáveis de financiamento sindical bancado por toda a categoria a fim de assegurar sua sustentação material. Cabe também restaurar a gratuidade plena das ações trabalhistas, com isenção de pagamento de despesas processuais, inclusive de honorários periciais e sucumbenciais. Além disso, deve-se recompor o sistema de negociação tripartite.

  1. Criação de emprego decente e fim da pobreza absoluta

Estabelecemos como meta inicial acabar com a pobreza absoluta, deflagrar ações com vistas a duplicar o poder de compra do salário-mínimo e começar a implementar um programa para criar 20 milhões de empregos decentes, formais e com direitos para os trabalhadores e trabalhadoras que estão abertamente desempregados ou desalentados.

A deflagração da reindustrialização e de um amplo programa de obras de infraestrutura de qualidade e a redução da jornada de trabalho darão contribuição decisiva para a geração de empregos, mas também há a necessidade de programas específicos de geração de emprego por parte do Estado. É ainda mais dramático o desemprego entre as mulheres, a população negra e a juventude, exigindo uma política específica de geração de empregos para atender a essa importante parcela da população.

 

  1. A Reforma Agrária é bandeira histórica do PCdoB e do povo brasileiro

O PCdoB tem compromisso com a Reforma Agrária. Nossa meta inicial para a fase de emergência é assentar as 130 mil famílias acampadas. A agricultura familiar e os assentados da Reforma Agrária receberão forte apoio para aumentar o bem-estar no campo e produzir alimentos para as populações urbanas, além de fortalecer o mercado interno.

A Reforma Agrária, iniciada na fase emergencial, será aprofundada na fase de reconstrução nacional. O PCdoB tem compromisso com essa bandeira histórica e ainda atual em razão do predomínio do agronegócio. Realizará uma Reforma Agrária que elimine a grande propriedade territorial improdutiva, a começar por aquela que sonega impostos, prioritariamente nas margens de rodovias, ferrovias e açudes federais.

Para isso, serão fortemente apoiadas a criação de cooperativas, a recriação da Empresa Brasileira de Extensão Rural (Embrater), a revitalização da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com as funções de financiamento da produção, armazenagem e distribuição de alimentos. E será recriado o Ministério da Reforma Agrária.

Devem ser estabelecidas, e fortalecidas, políticas de garantia de compra de alimentos produzidos nos assentamentos e pela agricultura familiar, bem como seus derivados produzidos pelas cooperativas industriais ligadas a esse setor.

  1. Garantir emprego, direitos e renda

Para garantir emprego, direitos e renda, propomos um conjunto de medidas econômicas e sociais emergenciais a serem retomadas, continuadas ou iniciadas:

a) adoção de linhas de crédito para cobertura plena da folha de salário e do capital de giro básico, com exigência de manutenção de 100% do emprego, para atender empresas nacionais, sobretudo micro, pequenas e médias empresas, com fundo garantidor para crédito das micro e pequenas;

b) implementação de programa com vistas à garantia de emprego aos trabalhadores com carteira assinada;

c) renegociação de dívidas das famílias de baixa renda junto ao sistema bancário, com 100% de garantia dos créditos pelo Tesouro;

d) desconto de 100%, aplicado aos beneficiários da tarifa social de energia elétrica no período de pandemia;

e) ampliação do Bolsa Família para todas as famílias com renda por pessoa de até R$ 600, a fim de incluir também as famílias altamente vulneráveis à pobreza.

 

IV – Medidas emergenciais em defesa da Vida, da Democracia e do Emprego

  1. Auxílio emergencial e vacinação

Para defender a vida e manter a economia funcionando e gerando emprego, além de prepará-la para a reconstrução, é fundamental ter como centro a garantia da vacinação contra a Covid-19, de toda a população brasileira. E, enquanto durar a pandemia, deve ser retomado o auxílio emergencial de R$ 600 por mês (a ser corrigido pelo reajuste da cesta básica) para os 68 milhões de beneficiários de 2020, e R$ 1.200 para as mães chefes de família, transformando-o depois em renda básica permanente.

Ao mesmo tempo, deve-se adotar a estratégia da vigilância epidemiológica, baseada na busca ativa de casos confirmados ou suspeitos e o consequente bloqueio da transmissão, e conquistar a autonomia na produção da vacina contra a Covid-19, tendo em vista a provável necessidade futura. O surgimento da nova cepa Ômicron torna ainda mais necessária essa autonomia.

 

  1. Fortalecer o caráter público e universal do SUS e investir em CT&I na economia da saúde

Considerando o papel estratégico do Sistema Único de Saúde (SUS), que ficou evidenciado no combate à pandemia, o PCdoB lança ao País a proposta de fortalecer o seu caráter público, integral e universal, começando pela ampliação urgente do financiamento por parte do governo federal, e estabelecendo um piso emergencial que acrescente pelo menos 35 bilhões de reais a seu orçamento atual; garanta, junto com estados e municípios, a ampliação e qualificação da atenção primária à saúde (porta de entrada do SUS e Estratégia da Saúde da Família), da vigilância em saúde e da assistência farmacêutica; e assegure a cobertura descentralizada da atenção especializada e a recuperação de leitos dos hospitais universitários, públicos e conveniados, valorizando a força de trabalho do SUS. Para tanto, assegurar que o percentual do repasse financeiro mensal da União aos estados seja igual ao do investimento definido no orçamento anual, devendo ser atualizada a tabela do SUS.

E, além disso, definir investimentos imediatos em ciência, tecnologia e inovação, especialmente nas universidades, nas indústrias, públicas e privadas nacionais, produtoras de insumos para a saúde, especialmente Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA). E igualmente equipamentos e materiais para deflagrar a substituição de insumos importados pelos nacionais, e uma assistência à saúde de qualidade, poupando divisas e expandindo a capacidade resolutiva do SUS, iniciando assim a reconstituição do complexo industrial da saúde.

Deve-se garantir especial atenção às populações mais vulneráveis, seja devido a questões de gênero, raça, patologias, deficiências, seja por questões econômicas ou territoriais/ambientais, incluindo-as em todas as políticas públicas, como direito ao trabalho, a creche, educação, cultura, transporte e saúde. O caráter constitucional de proteção, prevenção e promoção da saúde atribuído ao SUS deve ser garantido com um destacado papel para a implementação da Política Nacional de Vigilância em Saúde, cuja importância é demonstrada pelas pandemias da Aids e Covid-19. A pessoa portadora do vírus HIV tem o direito de manter em sigilo a sua condição sorológica no ambiente de trabalho.

 

  1. Começar a reindustrialização pelo complexo industrial da saúde

A recuperação do emprego, nessa fase emergencial, exige também a deflagração do processo de reindustrialização com reconversão industrial, a começar pelo complexo industrial da saúde, mas também abrindo espaço para os complexos industriais da defesa, de petróleo, energia e gás, da agroindústria, das Tecnologias da Informação (que, pelo seu caráter transversal, tendem a repercutir sobre o conjunto da economia), química, nuclear, biotecnologia e aeroespacial.

Assim, ao lado das medidas emergenciais, devem ser adotadas medidas que apontem na direção da reconstrução econômica, enfatizando o investimento em saúde. E igualmente selecionar setores que aumentem a oferta de serviços públicos.

 

  1. Gerar emprego com infraestrutura de qualidade

Serão retomadas as obras de infraestrutura paradas (cerca de 14 mil) e inaugurado, nessa área, um amplo programa de construção de qualidade, a começar pelo metroviário, em nível nacional, ampliando as linhas onde já existem e construindo novas em outras grandes cidades. Reorganizar a Companhia Brasileira de Trens Urbanos para assumir essa tarefa, não apenas na construção e administração de linhas, mas também na fabricação de trens.

Urge inaugurar a implementação de um programa com o objetivo de debelar o grave problema do saneamento básico no País, principalmente por seu impacto na área de saúde. E é preciso estabelecer políticas de incentivo à construção de moradias e reformas de edifícios urbanos desocupados por meio de cooperativas de construção e reformas construídas pelos movimentos sociais.

 

  1. Lutar pela emancipação da mulher, contra o racismo estrutural e contra todas as formas de preconceito

A emancipação das mulheres, o combate ao racismo, e sua desconstrução, a luta contra a LGBTQIA+fobia, a defesa da liberdade de religião são condições para o avanço civilizatório e a constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática e humanista. E o PCdoB está empenhado nessa luta desde sempre.

Salário igual para trabalho igual é uma bandeira a ser implementada de imediato. O Senado aprovou, em março de 2021, o Projeto de Lei nº 130/2011, que estabelece multa para as empresas que discriminarem salarialmente as mulheres, mas retornou à Câmara. Além de lutar por sua aprovação, zelaremos por seu cumprimento.

Combater todas as formas de preconceito e discriminação, remover os obstáculos à integração com equidade de oportunidades é desafio de todos. O PCdoB combate ideias racistas, nazistas, misóginas e LGBTQIA+fóbicas. E trabalhará por políticas sociais universais, combinadas com políticas de ações afirmativas que enfrentem as múltiplas formas de discriminação e promovam a integração e mobilidade social da população negra, das mulheres e LGBTQIA+.

 

  1. Barrar o obscurantismo na educação

A educação como direito universal, bem público, dever do Estado, com a manutenção de um sistema público de educação conquistado durante a nossa história com muita luta, sofre um forte ataque e uma ação política de desmonte pelo governo Bolsonaro. Governo esse que viola, em descumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, o direito de acesso e permanência na escola de milhares de crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória; descaracterizando a escola enquanto espaço de proteção e aprendizagem para filhas e filhos de trabalhadores, aprofundando a desigualdade social e comprometendo o futuro do nosso país.

Portanto, como ação emergencial, deve-se barrar essa ação antidemocrática e fundamentalista na educação, recuperando o princípio da escola cidadã presente na Constituição de 1988.

A recuperação da autonomia universitária, tão abalada pelo governo Bolsonaro – e imprescindível para a universidade cumprir seu papel –, exige não apenas a recomposição de seus orçamentos e a retomada da produção científica, mas também a liberdade de crítica e de cátedra. Deve-se resgatar o Plano Nacional da Educação (PNE) para melhorar a qualidade de ensino nos níveis fundamental e médio.

A realização de um Programa Nacional de Reforço Escolar para redução dos danos causados pela Covid-19 constitui uma necessidade premente. Esse programa deve ter como princípio o acolhimento, a recuperação da aprendizagem e medidas pedagógicas efetivas contra a evasão e a reprovação. O PCdoB organizará um amplo debate nessa área para aprofundar os detalhes desse programa.

 

  1. Salvar a cultura nacional do obscurantismo 

Enquanto durar a pandemia, é fundamental realizar um atendimento socioeconômico aos trabalhadores da cultura, ora desempregados e/ou sem fontes de renda em razão da crise; implementar a Lei Aldir Blanc I; e articular a aprovação de outras iniciativas que tramitam no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas dos entes federados.

Deve-se fomentar a utilização concentrada dos espaços e aparelhos culturais estatais, em projetos com força de trabalho técnica e artística preferencialmente local, como política de combate ao desemprego. Realizar estudos, definição e preparação de estratégias culturais para sair da crise, com o retorno à normalidade cultural. Deve-se defender o direito à cultura como básico da cidadania, tanto no que tange ao consumo, quanto no sentido da criação individual e coletiva, e defender a cultura como elemento central no projeto de soberania nacional e de democratização política e social.

Para realizar essas ações, faz-se necessário reconstruir o Ministério da Cultura, tornar o Sistema Nacional de Cultura (SNC) de implementação obrigatória, valorizar qualitativamente tanto o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural (Iphan) quanto o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e a Agência Nacional do Cinema; reorganizar com novas políticas a Fundação Nacional das Artes (Funarte), valorizando assim tanto o patrimônio material e imaterial do povo brasileiro quanto todas as linguagens artístico-culturais; integrar políticas culturais prioritariamente com as áreas de educação, ciência e tecnologia, comunicações e turismo.

 

  1. Reverter a política antiambientalista de Bolsonaro

Para reverter a política antiambientalista de Bolsonaro, que patrocina desmatamentos e queimadas e desmonta os órgãos de controle, é preciso reconstruir e fortalecer o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e os órgãos de apoio à definição de políticas ambientais e de fiscalização, além de aumentar a multa e a pena para crimes ambientais, sobretudo em casos de desastres ecológicos, como os de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. Estruturar uma Força Tarefa multidisciplinar que enfrente de forma efetiva e imediata o desmatamento, as queimadas e o garimpo ilegal na Amazônia e demais biomas.

 

  1. Barrar o desmonte do Estado e recuperar seu papel na economia

Neste quadro de pandemia, em que, para enfrentar a crise, os governos dos principais países recorrem ao Estado – e até mesmo economistas que professavam a ortodoxia neoliberal defendem a ação do Estado e o investimento público para tanto –, o atual governo brasileiro trabalha pela desestruturação do Estado e das políticas públicas de proteção social e estímulo/fomento ao desenvolvimento econômico.

Para o Estado cumprir o papel de promotor do desenvolvimento socioeconômico do País, são necessários o resgate e a valorização da sua dimensão pública e estratégica, fortalecendo sua presença em setores fundamentais e estruturantes da economia nacional, devendo contar com uma rede de empresas estatais, destacando-se a participação no setor de energia e infraestrutura.

  1. Remontar a Petrobras e recuperar seu papel estratégico

É impossível pensar no desenvolvimento nacional sem definir o papel e a ação da Petrobras, tendo em vista que o abastecimento nacional de combustíveis é uma questão de segurança nacional. Principal empresa do setor de petróleo do Brasil e uma das mais destacadas petroleiras do mundo, é preciso que o governo atue, inclusive como acionista, no sentido de fortalecer o compromisso social e econômico da companhia com o desenvolvimento nacional, devendo para isso remontar a Petrobras mediante a recuperação de setores que já foram alienados, entre eles a distribuição e parte do refino.

Considerando que o abastecimento do petróleo é estratégico, cumpre papel fundamental a reversão da privatização dos ativos estratégicos, como as áreas de refino e de distribuição. Quando a estatal BR estava nas mãos da Petrobras, não havia monopólio, pois operavam também empresas privadas, funcionando então como oligopólio, cujos preços eram por ela regulados. Agora, com ela privatizada, segue sendo oligopólio, mas sob o comando de empresas privadas. É o pior dos mundos. Com essa privatização, perde-se esse mecanismo de regulação e, portanto, ela deve ser revertida.

No caso do refino, a rede de refinarias da Petrobras foi criada dentro da lógica do abastecimento nacional. Cada refinaria é monopolista na sua região e imbatível no seu raio de influência. Com a privatização, longe da apregoada concorrência, cria-se um monopólio privado em cada região, levando ao aumento de preços. Portanto, cabe rever a privatização das refinarias.

Deve-se recompor o conteúdo original da lei de partilha que assegura o direito da Petrobras como operadora única, no pré-sal e em outras áreas, inclusive as estratégicas. Mas, para a Petrobras cumprir esse papel, é imprescindível a recomposição da participação acionária da União na companhia.

É fundamental estimular diretrizes e ações, de participação direta e/ou indireta da empresa, no sentido de ampliar a oferta de derivados de petróleo no mercado interno, a reestruturação da indústria petroquímica nacional, a política de biocombustíveis e gás natural, numa perspectiva de fortalecimento da indústria nacional, da segurança do abastecimento, da razoabilidade dos preços praticados no mercado interno e de atenção aos consumidores brasileiros.

Nessa direção, é imprescindível a constituição de um novo planejamento estratégico do Sistema Petrobras, reintroduzindo-a como indutora do desenvolvimento nacional.

 

  1. Petrobras: recompor participação acionária, mudar política de preços e alavancar indústria

Sugestões e propostas de entidades representativas dos trabalhadores da Petrobras devem ser estudadas. E, no cenário emergencial de reconstrução nacional, destacamos três propostas já em discussão:

 

a) Alteração da política em curso de PPI (preços de paridade internacional) da Petrobras, em razão dos efeitos devastadores na economia nacional. As variações alinhadas em tempo real com as especulações do petróleo e do dólar têm desorganizado a economia nacional, criando grave e continuada instabilidade econômica e restringindo o acesso de grande parte dos consumidores brasileiros aos combustíveis.

O Brasil tem sua moeda nacional, o Real, e grande parte dos combustíveis comercializados no mercado interno é produzida em território nacional, com mão de obra, impostos etc. pagos em Real, sem nenhuma vinculação com o dólar e o preço internacional do petróleo. A capacidade de refino de derivados de petróleo é próxima da necessidade de derivados no mercado interno, mas dela só são utilizados 70%. Além de aumentar a capacidade de refino, revisando a diretriz do atual plano de desinvestimento, deve-se impedir a venda de refinarias por se tratar do abastecimento nacional de combustíveis, uma questão de segurança nacional.

Mas, se houver necessidade de regular a oferta interna de petróleo, pode-se recorrer aos contratos de partilha, por meio dos quais se garante, em caso de desabastecimento, a suspensão da exportação. Além disso, a fim de garantir que o petróleo permaneça dentro do País – para abastecer o mercado interno, em lugar de ser exportado –, é muito importante ajustar a tributação.

Nada justifica a atual política abusiva do preço dos combustíveis, salvo a ganância especulativa de parte dos acionistas minoritários. O plano emergencial de reconstrução nacional precisa enfrentar com altivez essa questão. Deve-se alterar a política de preços, e não adotar uma fórmula de reajuste de preços, porque quando se torna pública expõe o negócio da Petrobras aos concorrentes.

 

b) Restabelecimento da política de conteúdo local: justifica-se o desenvolvimento dessa política, estabelecida a partir da cláusula de conteúdo local constante dos contratos de exploração do petróleo, tendo em vista ser o instrumento pelo qual a produção do petróleo estimula o processo de industrialização nacional, proporcionando o surgimento e o crescimento de toda uma cadeia produtiva de bens e serviços necessários à indústria do petróleo, em território nacional, com avanços tecnológicos e de formação qualificada de mão de obra.

É necessário que a execução da política de conteúdo local ocorra de forma racional, sintonizada com o desenvolvimento da indústria petrolífera, atenta aos aspectos de natureza orientativa, experimental e de apuração de resultados, evitando-se amarras e entraves ao desenvolvimento e extraindo-se lições da experiência anterior.

 

c) Recomposição da participação acionária da União na Petrobras, a exemplo da Lei n° 12.276/2010, que a autorizou a ceder onerosamente à Petrobras o direito de fazer pesquisa e lavras em áreas do pré-sal, com até cinco bilhões de barris de óleo equivalente (boe), e proporcionou a capitalização da petrolífera em valores equivalentes a US$ 70 bilhões e ao aumento do seu capital total, resultando no aumento da participação da União de 39% para cerca de 50%. Esse processo, ocorrido em 2010, foi muito bem-sucedido e obteve resultados de grande importância para o País; e poderá ser revisitado, atualizado e apresentado à luz das situações futuras que venham a surgir.

A plataforma emergencial de reconstrução nacional necessariamente deverá contar com uma política racional de pesquisa, exploração e produção das riquezas naturais, nacionais, com vistas a financiar a retomada do desenvolvimento nacional, fundado em bases tecnológicas modernas e sustentáveis.

A experiência da criação do fundo social, por meio da lei n° 12.351/2010, com recursos do petróleo do pré-sal, apesar das modificações normativas de sua distribuição ocorridas recentemente, é exitosa e tem acumulado importantes recursos para os financiamentos de políticas públicas nas áreas sociais, de educação, saúde e infraestrutura. Qualificar melhor esses fundos financeiros, públicos, inclusive quanto ao controle social – criados com valores financeiros da União, decorrentes da exploração dos recursos naturais findáveis –, é fundamental para atender as necessidades do povo brasileiro em curto, médio e longo prazos.

 

  1. Recuperar estatais estratégicas e capacidade de planejamento do Estado

Os aventureiros que se apropriaram da Vale do Rio Doce realizam uma política predatória de nossos recursos naturais, causando enormes catástrofes ambientais, sem precedentes em nossa história, como as de Mariana e Brumadinho, revelando assim não possuírem capacidade nem compromisso necessários para comandar uma empresa desse porte, que assume um papel estratégico na economia brasileira. O Estado brasileiro, que mantém a golden share da Vale, deve adotar uma política de controle da empresa para que ela cumpra o que lhe cabe no Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.

Com a aprovação, pelo Congresso, da medida provisória que autoriza a privatização da Eletrobras, o governo pretende realizar uma operação que compromete seriamente não apenas a segurança energética, mas também a própria segurança nacional, e as possibilidades de desenvolvimento, dado seu caráter estratégico. O governo decidiu alienar a Eletrobras no exato momento em que se iniciava uma das maiores crises hídricas da nossa história, com ameaça de racionamento e forte encarecimento das tarifas de energia, engendrando uma situação emergencial. Essa operação será desfeita, o mesmo devendo ocorrer com os Correios, caso também sejam privatizados.

Também deve ser remontado o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), criminosamente extinto pelo governo Bolsonaro em junho de 2021. Caso a “reforma” administrativa seja consumada, deve ser revogada para que o Estado recupere sua capacidade de gestão e planejamento; e devemos lutar desde já para evitar sua aprovação no Congresso. O amplo movimento dos servidores públicos, respaldado pela bancada dos parlamentares da oposição, tem conseguido protelar sua votação.

As estatais são instrumentos fundamentais para manter a economia funcionando e promover a reconstrução nacional e o desenvolvimento. A concorrência é o campo de ação da economia privada e o monopólio, o campo de ação do Estado.

  1. Desarmar o tripé macroeconômico

Para fazer a economia funcionar, manter empregos e preparar-se para a reconstrução e o desenvolvimento, e obter os recursos para financiar as medidas propostas, é preciso realizar a alteração imediata da política econômica. A armadilha do tripé macroeconômico é a principal responsável pela estagnação e a desindustrialização da economia brasileira.

O juro alto, que faz parte dessa política, estimula a atração de capitais especulativos externos, provocando a valorização da moeda nacional e o consequente barateamento das mercadorias importadas. E, como resultado, ocorre uma inundação, no mercado interno, de produtos estrangeiros, provocando a quebradeira da indústria instalada no país, particularmente a nacional.

Igualmente, forçar a geração de superávits primários elevados, para cobrir os encargos financeiros da dívida pública, compromete a capacidade de realizar investimento público, além de derrubar o investimento privado, ao encarecer o custo do crédito.

O fato de a taxa básica de juros (a Selic) ter estado baixa, em período recente (2020), de as contas públicas não estarem gerando superávit primário e a taxa de câmbio ter subido e permanecido num patamar elevado não significa que o tripé macroeconômico tenha sido enterrado. Estava apenas adormecido. Tanto é que, diante das primeiras tensões inflacionárias, em 2021 foi retomada a escalada dos juros, revelando que o Banco Central segue perseguindo a meta de inflação com base numa política monetária restritiva. Essa situação se agrava graças à emenda constitucional nº 95, que estabelece o teto de gastos e congela os investimentos e gastos sociais.

Assim, para desarmar a armadilha do tripé macroeconômico, deve-se praticar uma taxa básica de juros semelhante à dos padrões internacionais e, ao mesmo tempo, substituir o câmbio flutuante por uma política que coíba a volatilidade e garanta um câmbio que possibilite o controle das contas externas e favoreça o investimento produtivo e a reindustrialização.

O superávit fiscal, em lugar de ser desperdiçado no pagamento de juros, deve ser utilizado no investimento público. Para isso, deve ser revogado o teto de gastos. O investimento privado também será incentivado pela retomada do investimento público e pela redução da taxa de juros, podendo assim cumprir seu papel no andamento da economia e no processo de desenvolvimento.

 

  1. Combater o rentismo e financiar o programa emergencial

Os recursos para financiar as medidas emergenciais, a reconstrução da economia e a retomada do desenvolvimento virão também da emissão de moeda e da anulação das isenções fiscais inadequadas, incluindo a revogação da Lei Kandir (Segundo a Anafisco [Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal], o montante anual de renúncias fiscais é de R$ 457 bilhões, sendo justificados econômica e socialmente apenas R$ 141 bilhões.)

Ao mesmo tempo, será realizada uma reforma tributária de emergência, direta e progressiva, que taxe mais fortemente os mais ricos, as grandes fortunas, a distribuição de lucros e dividendos (projeto de lei patrocinado pela equipe econômica do governo Bolsonaro foi aprovado na Câmara com a taxa de apenas 15% sobre a distribuição de lucros e dividendos, quando as camadas médias da sociedade pagam 27,5% sobre seu salário, mas o Senado adiou seu exame para 2022) e a remessa de lucros; reduza a tributação sobre o consumo e o salário; ataque as desigualdades regionais e sociais; e estimule a geração de emprego e a distribuição da renda.

Um ponto essencial é estabelecer uma política que eleve substancialmente a progressividade da taxação do Imposto de Renda de modo a democratizar esse instrumento de arrecadação, para aliviar os trabalhadores e as camadas médias da população da atual sobrecarga desse imposto e aumentar os limites de isenção.

E assim começar a superar a lógica rentista e a financeirização da economia e reorientar o sistema financeiro de forma a fortalecer os bancos públicos, derrubar os astronômicos spreads bancários cobrados pelo cartel dos bancos privados, a fim de financiar a atividade produtiva. E, ao mesmo tempo, revogar o teto de gastos, a chamada regra de ouro e a “autonomia” do Banco Central – que, na verdade, é dependência dos bancos privados –, para que possa ser instrumento do processo de desenvolvimento. Essas medidas criarão as condições para realizar a passagem de uma economia financeirizada para uma economia produtiva.

Enfim, cabe redefinir os pilares da política econômica e do sistema financeiro a fim de favorecer de imediato a geração de emprego e o fim da pobreza extrema, e também promover a redução das desigualdades regionais e sociais e o crescimento econômico de longo prazo. A poupança externa contribuirá para o desenvolvimento nacional desde que direcionada para o financiamento de projetos produtivos de interesse nacional.

  1. Superar a vulnerabilidade externa para garantir a soberania

Nos últimos anos, divulga-se que a dívida externa brasileira está equacionada e, portanto, teria desaparecido a vulnerabilidade externa da economia brasileira. Essa crença, no entanto, é negada pela forte presença, no País, de capitais forâneos especulativos (US$ 722 bilhões, incluindo os “empréstimos intercompanhia”), equivalentes ao dobro das reservas cambiais, e também pela forte drenagem para o exterior de valor aqui gerado (as remessas de juros, lucros e dividendos, nos últimos 26 anos, ou seja, desde a inauguração do Plano Real, atingiram a quantia de US$ 898,4 bilhões).

Para superar o neoliberalismo, o primeiro objetivo estratégico que o Brasil deve perseguir, em sua inserção internacional, é garantir sua mais plena, absoluta e completa soberania. O instrumento para isso é o controle das contas externas, que nos impõe lidar com uma moeda que não emitimos. Para enfrentar essa situação, o governo federal deve retomar o absoluto controle do Banco Central, e este deve adotar uma política cambial que garanta uma taxa de câmbio que favoreça o controle das contas externas, o investimento produtivo e a reindustrialização. Deve-se também impor restrições à remessa de lucros e dividendos ao exterior. Quanto à remessa de juros, é necessário impor limites para a venda de títulos da dívida pública a aplicadores estrangeiros.

É preciso reverter a política referente à cobertura cambial das exportações, retomando a exigência de internalizar imediatamente, no País, os dólares recebidos pelas exportações, fortalecendo assim a soberania do Banco Central na administração da taxa de câmbio. E ainda enfrentar estruturalmente o déficit externo. Para isso, no processo de reindustrialização, é fundamental retomar a substituição das importações, não só de bens como de serviços, mirando com destaque a conta Aluguel de Equipamentos, como plataformas de exploração de petróleo e gás, aeronaves e embarcações.

Neutralizado o déficit em conta corrente pela adoção das medidas acima, o Brasil pode então implementar medidas de restrição ao livre trânsito de capitais externos especulativos, com o objetivo de coibir a sua ação, proporcionando estabilidade ao setor financeiro e seu direcionamento para a economia real.

A soberania torna-se real à medida que, independentemente das injunções externas, o país cria mecanismos de proteção de sua economia contra as variações cambiais; decide sobre substituir as importações; restringe a remessa de lucros e dividendos ao exterior; controla a aquisição de títulos da dívida pública por estrangeiros; e detém mecanismos de anulação das tentativas de especulação monetária.

  1. Enfrentar choque de oferta para debelar inflação

A inflação, quando descontrolada, desorganiza a economia, castigando sobretudo os mais pobres. Ela deve ser combatida com firmeza. O governo tenta combatê-la por meio da elevação da taxa de juros, mas, se a atual escalada inflacionária não é provocada pela demanda, e sim por um choque de oferta, como indicamos na Apresentação, esse instrumento não é eficaz. A taxa de juros não tem como influenciar o preço dos alimentos enquanto for cotado em dólar em nível internacional; o preço dos combustíveis, que é estabelecido pelo governo com base no preço internacional em dólar; a tarifa de energia, também cotada pelo governo tendo a variação do dólar como uma das referências, sobretudo no Centro-Sul.

A taxa de juros até poderia atuar indiretamente na inflação, ao atrair capital externo especulativo e provocar a valorização do real. Mas ela tem seus limites, em termos de atração de capitais externos, diante da instabilidade política em que vive o país. Nesse quadro, combinam-se juros altos com câmbio elevado. Não bastasse isso – que é um caminho perverso –, ao baratear as importações e destruir a produção interna, exacerba a desindustrialização e o desemprego, e, ao elevar os juros, sacrifica tanto o investimento público quanto o privado (a Selic chegou, ao final do ano de 2021, a 9,25%, então, terão sido transferidos aos rentistas, sob a forma de juros, mais R$ 360 bilhões, sete vez maior que o montante inicial estimado para aplicar no “Auxílio Brasil”).

O caminho passa por enfrentar o choque de oferta e a “dolarização” da economia. Para isso, devem ser garantidos o abastecimento alimentar interno (taxando ou bloqueando exportações e realizando estoque regulador na próxima safra), o refino interno do petróleo de todos os derivados de que o País necessita e a desdolarização da política de reajuste das tarifas dos serviços públicos. No caso dos derivados do petróleo, além do mais, propõe-se criar um Fundo de Estabilização que coíba o impacto interno das oscilações do câmbio e do preço internacional do produto.

Simultaneamente, devem ser enfrentados bloqueios ao aumento do conjunto da produção, como a drenagem de recursos para o exterior; a esterilização de enormes massas de recursos na ciranda financeira; o enorme volume de isenções fiscais injustificadas; a apropriação privada de grande parte das rendas da terra (agrícola, petróleo, mineração); o tripé macroeconômico; o comando do câmbio pelos grandes grupos financeiros internacionais; e a emenda constitucional que sacrifica o investimento público.

 

  1. Barrar o desmonte do Estado Democrático

Segundo já apontava balanço da experiência democrática sob a Constituição de 1988 e dos governos progressistas vigentes, a partir de 2003, é necessário reformar e fortalecer o Estado brasileiro, democratizando-o e modernizando-o. Essa necessidade é ainda mais premente diante do desmonte do Estado Democrático que está sendo realizado pelo governo Bolsonaro.

Serão revogadas as medidas antidemocráticas por ele adotadas, e trabalharemos pela reconstrução do Estado Democrático. O Estado será transformado para a construção de uma democracia avançada, combinando mecanismos de democracia representativa com os de democracia participativa. Para tanto, devem ser reconstituídos imediatamente os conselhos de controle social e as conferências, cujas decisões devem ser fortalecidas.

  1. Deflagrar a democratização das Comunicações

O Brasil precisa realizar urgentemente um amplo debate público para construir um novo marco legal para os meios de comunicação de massa no País, a fim de enfrentar o monopólio privado que toma conta da radiodifusão aberta; recuperar e fortalecer a Empresa Brasil de Comunicação (EBC); e valorizar a radiodifusão comunitária e as mídias digitais, apostando fortemente na inovação e na tecnologia.

Essa regulação precisa considerar o cenário de convergência tecnológica em torno da internet e das plataformas sociodigitais, que deverá ser sistêmica e integrada; e também enfrentar a presença de conglomerados internacionais – sediados principalmente nos Estados Unidos – no mercado brasileiro.

O País precisa manter seu protagonismo e iniciativa nas discussões sobre regulação da internet, no sentido de enfrentar os novos monopólios privados digitais (Google, Facebook, Amazon, Microsoft) que manipulam de forma opaca o fluxo de informações, controlando assim a subjetividade dos brasileiros e trazendo impactos para a democracia e para a economia. A regulação dessas plataformas deve buscar o necessário equilíbrio entre a liberdade de expressão e a privacidade, bloqueando os usos obscurantistas e criminosos das redes.

É fundamental fomentar o desenvolvimento de plataformas nacionais, principalmente para atender às necessidades dos sistemas educacionais, do SUS e da administração pública em geral e ainda à segurança nacional e a objetivos geopolíticos do País. A democratização do acesso à internet pode convertê-la em importante ferramenta de conscientização dos trabalhadores e do conjunto do povo, favorecendo, portanto, o fortalecimento da democracia brasileira. Apresentaremos proposta como pontos de Wi-Fi aberto nas periferias, praças públicas e escolas, na esteira da vinda da internet 5G ao Brasil.

Deve-se, por fim, rever o modelo privado do setor de telecomunicações, reconhecendo o acesso à internet banda larga como direito fundamental. É urgente fortalecer, no Brasil, o Comitê Gestor da Internet, além de dar autonomia à Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD).

 

  1. Recuperar a Política Externa Independente

Destacam-se, entre os princípios fundamentais da Política Externa Independente, a defesa da independência nacional, a autodeterminação dos povos e a paz mundial. O Brasil pode ter um lugar de destaque, num mundo em transição, com a ascensão da China e o declínio dos EUA. Nesse contexto, sem alinhamento automático, retomaremos de imediato a tradição da diplomacia brasileira com a Política Externa Independente, ampliando as relações internacionais, os acordos de cooperação tecnológica, a cooperação humanitária, a parceria estratégica com a China e com o grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), para garantir o fortalecimento e a defesa da Nação contra a dominação imperialista e com a autonomia necessária para a criação de condições para o desenvolvimento nacional independente.

Apoiaremos os países que constroem novas experiências de realização de mudanças políticas, econômicas e sociais, segundo suas peculiaridades nacionais. E nos oporemos à dominação imperialista, à chantagem nuclear, às bases militares estrangeiras, aos pactos agressivos, como o da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), aos golpes, intervenções e guerras de agressão.

São urgentes o aprofundamento e a consolidação da integração da América do Sul, a retomada do processo de integração latino-americana, apoiando-se em blocos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), bem como o fortalecimento das relações com a África. A luta pelo desenvolvimento nacional brasileiro é inseparável da integração latino-americana.

Rechaçar as imposições dos EUA de boicote a Cuba e a Venezuela, ou a qualquer país que venha a praticar uma política de independência. Estabelecer com os países latino-americanos cooperação para o estabelecimento de complexos industriais (como saúde, petróleo, gás) que atendam às necessidades conjuntas dos nossos povos.

  1. Parceria estratégica com a China

Deve-se considerar que está em curso uma transição na geopolítica do mundo, marcada sobretudo pela tendência ao declínio dos EUA e a ascensão da China. Isso tem tornado o imperialismo estadunidense mais agressivo. Ao mesmo tempo, realiza uma grande ofensiva na América Latina e, na disputa com a China, partiu para uma verdadeira guerra colonial de novo tipo, caracterizada pela tentativa de impedir o país asiático de acessar as linhas de suprimentos de suas cadeias produtivas de alta tecnologia – notadamente no setor de semicondutores.

Mas simultaneamente ocorre a transformação da China em grande potência ascendente, exportadora em massa de bens públicos, pautando uma globalização alternativa à neoliberal, o que abre possibilidades ao Brasil ainda a serem elaboradas e melhor aproveitadas. Assim, em nosso projeto nacional de desenvolvimento, devemos programar o financiamento pela China de obras de infraestrutura, como trens de alta velocidade, modernização portuária e aeroportuária. Enquanto nação independente e com visão de projeto nacional, devemos colocar como condições para o acesso ao nosso mercado de infraestruturas a instalação de cadeias produtivas relativas a estes itens e garantias de transferência de tecnologia. Algo muito semelhante ao grande acordo que os chineses fizeram com o Irã.

Aproveitaremos assim as possibilidades oferecidas pela China como exportadora de bens públicos para a reconstrução de nossas conexões físicas nacionais, preparando nosso território para receber bilhões de dólares de investimentos em infraestruturas. Isso tudo dentro de um grande acordo entre dois grandes projetos nacionais, envolvendo transferência de tecnologia. Esse caminho favoreceria a reindustrialização do nosso País.

 

  1. As FFAA devem defender a Pátria de eventuais ameaças externas à Nação, e não tutelá-la. E para isso devem estar preparadas.

É fundamental que as Forças Armadas se preparem para sua função específica: defender a Pátria e consequentemente a soberania nacional e a nossa integridade territorial em face de eventuais ameaças de agressões externas. Não é papel das Forças Armadas a intervenção na vida política ou a sua utilização para fins de segurança pública, sendo assim necessária a imediata alteração do Artigo 142 da Constituição Federal, do qual seria excluído o poder de as FFAA serem os defensores da lei e da ordem.

Nesse sentido, é uma imposição da sobrevivência da Nação e da vida democrática que se deflagre a construção de um programa para dotar as FFAA de treinamento e de meios materiais indispensáveis para dissuadir eventuais tentativas externas de agredir nosso território e nosso povo e se apropriar de nossos incomensuráveis recursos naturais. É imprescindível começar a reimplantar e desenvolver o complexo industrial de defesa, pois só assim garantiremos a autonomia da nossa política de defesa. A definição da política de defesa em uma democracia cabe ao poder político em permanente diálogo com a sociedade.

 

V – Reconstrução Nacional para deter o desmonte e retomar o desenvolvimento

  1. O Estado como alavanca do desenvolvimento

Ao cumprir um papel fundamental na coordenação do processo de retomada dos investimentos, dos empregos e da renda, cabe ao Estado atuar como coordenador e impulsionador estratégico do processo de desenvolvimento econômico e usar o investimento público como alavanca da reconstrução e do desenvolvimento, além de instituir mecanismos e políticas econômicas, como a redução da taxa de juros e do spread bancário, e adotar políticas fiscais expansivas que façam crescer o investimento privado no setor produtivo.

Para tanto, devemos resgatar a dimensão pública do Estado, libertando-o do domínio das corporações que, além de traçarem as ações do setor público em várias áreas (finanças, obras, saúde, educação etc.), aproveitam-se da sua imbricação com o Estado para se apropriarem do patrimônio e do erário públicos.

Para financiar o investimento, além das medidas indicadas na fase de emergência, o Estado contará com as várias formas de renda da terra (agrícola, petroleira, hídrica, eólica e mineral). O Estado deve ser capaz de garantir a execução de um projeto soberano de desenvolvimento nacional, com a reindustrialização do País com base no desenvolvimento da ciência e tecnologia, de modo sustentável, e de considerar os potenciais e as diversidades regionais do País para erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e recompor o sistema dos direitos sociais, de seguridade social, previdenciários e trabalhistas.

  1. Recuperar preceitos democráticos da Constituição de 1988

Uma questão decisiva na democratização do Estado brasileiro é a realização de uma reforma política democrática que mantenha a proibição do financiamento empresarial de campanhas eleitorais, reduza de forma expressiva a contribuição de pessoas físicas às campanhas eleitorais, visando a diminuir ao máximo a influência do poder econômico nas eleições.

Lutamos pela reafirmação do democrático sistema eleitoral proporcional e seu aperfeiçoamento visando a assegurar uma representação política escolhida na base de programas. Isto proporcionará uma elevação da qualidade e identidade político-ideológica da representação parlamentar, dando mais solidez aos partidos políticos e melhor assegurando a governabilidade.

Nosso objetivo é a construção de uma nação democrática, próspera e solidária que amplie a liberdade política para o povo; promova a democratização dos meios de comunicação de massa; proceda a uma reforma do Sistema de Justiça; amplie a representação das mulheres e da diversidade étnico-cultural; e se inspire nos preceitos da Constituição de 1988.

  1. Reindustrialização com fortalecimento da empresa nacional

Para a reconstrução da economia nacional, é fundamental reindustrializar o País. O processo de industrialização brasileiro foi interrompido a partir da segunda metade da década de 1980, começando então a desindustrialização e a reversão à economia primário-exportadora: a participação da indústria de transformação no PIB caiu de quase 30%, em meados dos anos de 1980, para cerca de 10% atualmente.

A reindustrialização deve começar pela retomada do processo de substituição de importações para se construir uma economia nacional forte e independente, priorizando a criação ou a expansão das empresas genuinamente nacionais – públicas e privadas –, nos financiamentos e encomendas do Estado, e protegendo a economia nacional da concorrência predatória estrangeira. Para isso, será resgatada a distinção, expressa na Constituição de 1988, entre empresa nacional e empresa estrangeira.

 

  1. Reindustrialização, Ciência & Tecnologia e a “escada tecnológica”

O precoce processo de desindustrialização do Brasil, que vem se acelerando, aprofunda o antigo “gap” tecnológico que marca a separação entre as economias desenvolvidas do capitalismo e sua periferia e semiperiferia. Um Novo Paradigma Industrial e Tecnológico já está em curso no mundo, de modo que um país como o Brasil necessita ainda mais dos impulsos da revolução tecnológico-industrial em andamento para o redesenho das políticas desenvolvimentistas. Devemos confluir sobre a centralidade da reindustrialização nacional, acoplada ao que vem sendo denominado de “revolução digital”.

Deve-se fomentar a criação de uma “escada tecnológica” a fim de possibilitar a reconstrução econômica nacional, de modo a preparar o terreno para se construir uma economia tecnologicamente avançada com base em educação, ciência, tecnologia e inovação. Para favorecer essa transição, deve-se recompor o sistema nacional de fomento de CT&I, tendo por meta investir 2% do PIB em Pesquisa & Desenvolvimento, cabendo ao investimento público papel preponderante.

Além disso, desenvolver a engenharia nacional e os setores de tecnologia de ponta vitais para o desenvolvimento na atualidade – que estejam nas fronteiras tecnológicas, como comunicações digitais, biotecnologia, novos materiais, condutores, semicondutores, sistema 5G e Inteligência Artificial – e para a independência econômica do País. E, ao mesmo tempo, iniciar a revolução energética como fator fundamental da reconstrução econômica nacional e do processo de desenvolvimento, fortalecendo a energia limpa na matriz energética. Para isso, remontar o complexo industrial de energia, petróleo e gás, com base na Petrobras e na recuperação da Eletrobras. Em alguns desses campos, o Brasil pode levar uma extraordinária vantagem, dada sua disponibilidade em recursos naturais.

Deve-se estabelecer políticas nacionais para induzir o sistema federativo para reconstruir seus sistemas estaduais de CT&I, principalmente no que diz respeito à aplicação de percentual do PIB para o fomento desses sistemas com vista ao desenvolvimento local.

  1. Remontar o complexo agroindustrial nacional

Simultaneamente à democratização da posse da terra e da produção agropecuária, deve começar a ser remontado o complexo agroindustrial nacional, com o reforço para a pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e um programa de desenvolvimento da produção, por empresas nacionais, de insumos para o setor, como tratores e implementos agrícolas, além dos defensivos agrícolas de origem natural obtidos através da prospecção da nossa biodiversidade. Além disso, deve-se desenvolver uma política de agregação de valor aos produtos da agropecuária que tem se restringido centralmente à exportação de grãos.

Nesse processo de reconstrução, terá continuidade a transição do agronegócio para o complexo agroindustrial, pois o agronegócio é nucleado pela fusão entre as transnacionais, os monopólios financeiros nacionais e estrangeiros e os grandes proprietários de terra.

No complexo agroindustrial, estimularemos a empresa nacional a ocupar o lugar da transnacional na produção de insumos, implementos e máquinas agrícolas, e na transformação da matéria-prima; os bancos públicos a fornecerem o crédito; a Embrapa, a tecnologia, e a Conab, o abastecimento interno.

O núcleo do complexo agroindustrial serão, portanto, o agricultor brasileiro, a indústria nacional, os bancos públicos e as empresas públicas Embrapa, Embrater e Conab. No comércio exterior, o Brasil já contou com a Interbras, que foi fechada por Collor´.

 

  1. Infraestrutura de qualidade para a reconstrução nacional

A reconstrução passa também pela continuidade de obras de infraestrutura de qualidade, já iniciadas na fase emergencial, com destaque para a área de transporte de cargas e transporte urbano. Para isso, necessário se faz implementar um sistema intermodal integrado de transporte, fortalecendo os modais ferroviário e hidroviário.

Os novos investimentos serão prioritariamente públicos. Para o amplo desenvolvimento do transporte ferroviário, serão indispensáveis um programa e projetos do Estado brasileiro. O Brasil já contou com a poderosa Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), extinta em 1999, depois de privatizada a malha ferroviária.

Outra área importante é a do transporte público. Iniciado na fase emergencial, será desenvolvido um amplo programa metroviário no País. E também o enfrentamento do grave e emergencial problema do saneamento básico, inaugurado na fase emergencial, terá continuidade nessa fase de reconstrução e na retomada do desenvolvimento com o objetivo de atender a todas as famílias brasileiras.

 

  1. Fortalecer e aperfeiçoar o SUS e remontar o complexo industrial da saúde

Deve ser fortalecida, e sua implementação aperfeiçoada, uma das principais conquistas do povo brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS), que estabeleceu saúde como direito do povo e responsabilidade do Estado, com seu caráter universal, integral, público e gratuito que atua na promoção, proteção e recuperação da saúde, a fim de superar os desafios a ele impostos e garantir sua gestão pública, democrática e participativa, focada nas necessidades de saúde do povo.

A Emenda Constitucional 95, que afasta o Estado Brasileiro de suas obrigações e impôs o teto de gastos, precisa ser revogada para que a União aplique na saúde, no mínimo, 10% das suas receitas correntes brutas, rompendo com o crônico subfinanciamento e o recente desfinanciamento. E serão então garantidos recursos financeiros para promover a atenção primária (Estratégia da Saúde da Família), a vigilância em saúde, a assistência farmacêutica, a estruturação hospitalar em todos os níveis de atenção, a descentralização regional e municipal, garantindo acesso universal e resolutividade.

É fundamental valorizar o trabalho em Saúde que, com os insumos estratégicos, produz de fato o direito à saúde, e constituir e investir na Carreira do SUS, no trabalho em equipe multiprofissional, na educação permanente, no aperfeiçoamento, na especialização e formação em saúde, em serviço e comunidade para garantir o vínculo entre a população, as equipes de saúde e o SUS.

É preciso fortalecer a comunicação em saúde para as comunidades, garantindo amplo acesso à internet nos territórios, efetivar ações de promoção e cuidados integrais em saúde mental, nas famílias, empresas e comunidades, promover a proteção aos vulneráveis e a equidade em saúde, apoiar a saúde da mulher e redobrar os cuidados materno-infantis, garantir a saúde bucal, fortalecer atenção integral à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras e garantir a participação da comunidade no controle social do SUS.

Além disso, para garantir a eficácia e eficiência do SUS, é necessário promover os investimentos estratégicos no desenvolvimento e ampliação do complexo econômico industrial da saúde – destinados a garantir a produção de imunobiológicos, vacinas, equipamentos, medicamentos, ingredientes farmacêuticos ativos, intermediários de síntese –, bem como a construção de plataformas tecnológicas, baseadas no domínio da biotecnologia moderna, na engenharia genética e na bioprospecção da flora e fauna de forma sustentável.

Ao mesmo tempo, deve-se garantir às indústrias nacionais, farmacêuticas, farmoquímicas, biotecnológicas e de equipamentos, públicas ou privadas, as condições necessárias para a produção nacional dos insumos estratégicos para a saúde, economizando divisas e garantindo a verticalização da produção interna e a nossa autossuficiência nacional neste setor vital da economia e da vida. É uma necessidade do século XXI superar a dependência internacional e a vulnerabilidade nacional, e integrar saúde, economia, meio ambiente, inovação e produção.

É fundamental interromper o processo de privatização do SUS, seja através de Organizações Sociais, seja de contratos de terceirização de pessoal, entre outras formas. Fortalecer e qualificar a gestão pública, bem como uma política de pessoal que privilegie a permanência dos vínculos de trabalho e a qualidade da assistência à população.

  1. Reforma urbana para o bem-estar do povo

A partir de um plano nacional de habitação com foco em políticas públicas de habitação popular (incluindo assistência técnica gratuita), realizaremos uma Reforma Urbana que assegure direitos e serviços ao povo brasileiro. Para isso, é fundamental o cumprimento da Constituição brasileira que, em seus artigos 182 e 183, regulamentados pela Lei nº 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, é uma importante garantia da realização da Reforma Urbana.

Merece especial atenção a questão da moradia popular. O déficit habitacional é semelhante ao número de imóveis fechados, que se aproximam de seis milhões, porém, a serviço da especulação imobiliária. Essa aberração social cria um mecanismo que leva os preços dos imóveis e do aluguel às alturas.

No processo de Reforma Urbana, compreendido como um conjunto de ações para melhorar as cidades, as gestões públicas precisam usar das ferramentas (inclusive, algumas já disponíveis) para garantir que os imóveis desocupados, com nítidos fins de especulação imobiliária, sejam fortemente taxados a fim de obrigá-los a cumprir a função social da propriedade, e os recursos arrecadados sejam direcionados aos Fundos de Habitações de Interesses Sociais e assim estimular a produção de novas moradias e outros equipamentos de uso coletivo.

Assim, deve-se implementar um programa de construção de moradias populares e de titulação de terrenos nas comunidades da periferia. No programa de titulação, atentar para o tratamento prioritário para as mães solteiras, responsáveis exclusivas por suas famílias, que representam perto de 40% dos lares brasileiros. A Reforma Urbana deve procurar aproximar o local de moradia ao de trabalho e dos equipamentos urbanos.

A luta pelo Despejo Zero mobilizou a aprovação de uma lei que suspende despejos e remoções, até o final da pandemia, e conquistou junto ao STF a suspensão de remoções, até dezembro de 2021, de áreas ocupadas antes do começo da pandemia. E seguirá na ordem do dia mesmo com a superação da pandemia, dada a gravidade da situação de moradia.

A Reforma Urbana, como uma das reformas democráticas necessárias para a construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento, demanda planejamento e intervenção organizada do poder público. Somente colocando-a no centro do debate político do próximo período, poderemos avançar na construção de cidades mais justas, democráticas e participativas. E ela deve também cuidar da revitalização das áreas centrais das grandes capitais, da regularização fundiária, do saneamento ambiental, da mobilidade urbana e do transporte público, da questão ambiental, abastecimento de água, iluminação pública, segurança e aparelhos públicos (inclusive creches, lavanderias e cozinhas coletivas).

Para democratizar esse processo, devem ser realizadas a reinstalação e posse do Conselho Nacional das Cidades e de Conferências nacional, estaduais, distrital e municipais das cidades. Deve-se desenvolver uma política nacional que atenda a população em situação de rua e de bairros periféricos com moradia popular e demais políticas públicas como educação, saúde, assistência social.

 

  1. Combater as desigualdades regionais

Superar as desigualdades regionais é uma necessidade do desenvolvimento do País. A região Nordeste, além de bolsões de pobreza no Extremo-Sul e no Sudeste, demanda um tratamento específico no processo de desenvolvimento.

O Nordeste, cuja inserção na economia nacional tem se realizado em detrimento do desenvolvimento regional, experimentou mudanças na primeira década deste século, graças a obras de infraestrutura, à instalação de algumas empresas industriais e a programas sociais do governo federal. Apesar disso, não houve grandes mudanças na sua desigualdade em relação ao Centro-Sul.

Nesse processo de reconstrução, será recriada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) como instrumento de promoção da industrialização da região e de coordenação das ações governamentais visando a dotá-la de infraestrutura adequada, valorizando ao mesmo tempo a criação do Consórcio dos Governadores da região, que tem exatamente esse objetivo de combater as desigualdades regionais e promover o desenvolvimento da região.

  1. Romper com o modelo predatório na Amazônia

A Amazônia, pelo que representa em termos de composição do território nacional, dos recursos naturais que possui, e sua biodiversidade, precisa ser considerada como elemento estratégico na construção de um projeto nacional de desenvolvimento que rompa com o modelo predatório em relação à utilização de seus recursos, bem como assegure existência digna à sua população, garanta a integridade humana e cultural dos povos originários e tradicionais, e a demarcação de suas terras, e combata a violência nessas áreas.

É preciso, portanto, adotar uma política de defesa dos povos originários, bem como das populações que vivem e dependem da economia desenvolvida no ecossistema da floresta amazônica, do pantanal mato-grossense e em outras áreas do território nacional. Para tanto, devem ser fortalecidos os órgãos de fiscalização para que os direitos dos povos tradicionais sejam restabelecidos, incluindo os direitos territoriais indígenas. Derrotar o Projeto de Lei nº 490, que busca impor a tese do marco temporal, reforça essa luta. Todo apoio à luta dos povos originários é essencial, com a implementação de políticas voltadas ao atendimento de suas necessidades e em defesa do meio ambiente.

Durante a reconstrução, os instrumentos de Estado na região – como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), o Banco da Amazônia S/A (BASA) e o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) – serão reforçados no papel de condutores do desenvolvimento econômico e socioambiental.

Os institutos de pesquisa da Amazônia serão fortalecidos para que os investimentos em pesquisa nos permitam ampliar o conhecimento sobre a região, incluindo o potencial de sua biodiversidade, a fim de orientar políticas de desenvolvimento, bem como fomentar tecnologias de acordo com a realidade amazônica. E assim atender a uma sua antiga demanda de realizar um grande projeto de desenvolvimento científico-tecnológico industrial com base na sua riquíssima biodiversidade.

 

  1. Promover o desenvolvimento sustentável

A agressão ambiental se agrava com o efeito das mudanças climáticas. Para essa situação ser revertida, será barrado o uso predatório dos nossos recursos naturais a fim de compatibilizar as necessidades atuais com as das futuras gerações. O aumento da produção agropecuária deve resultar, principalmente, do aumento da produtividade nas áreas já ocupadas, e não da incorporação de novas áreas, garantindo, assim, as metas de redução de desmatamentos.

Reconstruídos na fase emergencial, devem seguir se fortalecendo o Ibama e os órgãos de apoio à definição de políticas ambientais e de fiscalização. Nas áreas urbanas, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que conseguiu acabar com os lixões em menos da metade dos municípios brasileiros, deve garantir o seu cumprimento integral, promovendo a coleta seletiva e disposição adequada de resíduos sólidos. Além disso, deflagrar um processo que conduza à cobertura de 100% da coleta e do tratamento de esgoto, nos centros urbanos, fortalecer a transição para combustíveis menos poluentes e estimular políticas de transporte coletivo movido a eletricidade.

O Brasil é detentor da maior megabiodiversidade do Planeta. E seu aproveitamento sustentável é necessário para a produção de novas moléculas com grande potencial para uso como ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) de medicamentos, alimentos e complementos alimentares, cosméticos, defensivos agrícolas naturais, corantes. O desenvolvimento sustentável precisa de investimento público em larga escala. Por essa razão, é chegado o momento de uma transformação no BNDES. É preciso incluir a questão ambiental ao lado da econômica e social. Neste caso, todo investimento do banco deve levar em consideração o casamento entre as dimensões econômica, social e ambiental que formam o tripé da sustentabilidade.

A matriz elétrica brasileira tem plenas condições de ser quase toda baseada em energia limpa. Isso significa que, ao contrário do que propõe o governo Bolsonaro, o país deveria abandonar por completo, até 2026, a utilização de termelétricas alimentadas por carvão. Essa energia deve ser substituída por geração eólica e solar e, para tanto, é necessário dobrar a capacidade dessas fontes renováveis até 2026.

A crise ambiental se aprofunda. Ao mesmo tempo, as potências capitalistas centrais tentam instrumentalizar, de forma hipócrita, a bandeira ambiental para impor barreiras não tarifárias aos países em desenvolvimento, negando-se a assumir sua responsabilidade histórica pelo advento da crise ambiental planetária, incluindo as mudanças climáticas.

  1. Contra a opressão e a discriminação

Cabe ao Estado proporcionar às mulheres todas as garantias para que possam se desenvolver plenamente e construir sua emancipação, sobretudo ao promover sua inserção produtiva no mercado de trabalho, garantindo para isso a exigência de salário igual para trabalho igual (aprovar PL nº 130/2011); a ampliação da licença maternidade; acesso, para seus filhos, a creche e educação, em tempo integral; e implementação de equipamentos como restaurantes e lavanderias coletivas. O conjunto do Estado deve estar a serviço dessa luta, mas é fundamental a recriação do Ministério da Mulher.

Cerca da metade do mercado de trabalho no Brasil já é ocupado por mulheres, mas em geral são ocupações menos qualificadas (em 2019, 85% da força de trabalho feminina encontravam-se no setor de serviços, a maioria com direitos precarizados), com menor remuneração e, na média, pelo mesmo trabalho recebem 30% a menos que os homens.

É tarefa urgente estimular o protagonismo feminino em todas as áreas da vida social, buscando a equidade de gênero e étnico-racial em nosso país e promover mais mulheres na política e nos espaços de poder de decisão para superar o déficit democrático de sua sub-representação no Brasil, pois uma transformação profunda da sociedade só será possível se a mulher cumprir um papel destacado no processo, sem prejuízo de sua condição de poder ser mãe.

O capitalismo em crise, o governo reacionário de Bolsonaro, os cortes de gastos em políticas públicas têm levado a uma sobrecarga maior das mulheres com os cuidados, impactando na sua inserção no mercado de trabalho e na participação política, sobrando-lhes pouco tempo para o lazer e a política. A legislação eleitoral precisa garantir um financiamento democrático e público, com reforço às candidatas mulheres. Medidas afirmativas, como cotas e reservas de cadeiras, também são fundamentais. A violência política de gênero é mais uma barreira à participação das mulheres nos espaços de poder e decisão. É fundamental dar visibilidade ao protagonismo delas nos sites, nas fundações e nas mesas de eventos partidários.

O feminicídio tem sido uma marca do machismo, pratica-se o genocídio da juventude negra na periferia das cidades e o Brasil é o país onde mais se matam pessoas da comunidade LGBTQUIA+. O PCdoB tem avançado na formulação política em defesa dos direitos das mulheres, no combate à discriminação racial e na luta por direitos da população LGBTQIA+.

  1. Educação, Desenvolvimento e visão crítica

O PCdoB propõe uma estratégia de desenvolvimento alavancada por educação, ciência, tecnologia, inovação, cultura e artes. É fundamental a aprovação do Sistema Nacional de Educação (SNE) que regulamenta o regime de colaboração entre a União, os estados e municípios, instrumento imprescindível para a superação do desmonte e o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação:

a) Implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb);

b) fortalecimento de instâncias de participação e acompanhamento de políticas públicas em educação;

c) uma reforma educacional que garanta educação em tempo integral e eleve a qualidade do ensino público e gratuito, e qualifique a modalidade de Educação Profissional e Tecnológica, na formação de cidadãos críticos e preparados para o mundo do trabalho;

d) viabilização do conhecimento e ampliação de oportunidades para as amplas parcelas das classes trabalhadoras e de todo o povo.

Serão fortalecidos os mecanismos que favoreçam a integração entre educação e cultura num todo único, com vistas à emancipação das consciências, condição essencial para o desenvolvimento: a mente colonizada é um dos principais obstáculos ao desenvolvimento.

A ligação direta entre industrialização e conhecimento pode ser a chave para que nossas propostas dialoguem com amplos segmentos sociais e desviem de falsas polarizações e dicotomias. Devemos detalhar este processo virtuoso, demostrando na prática como a articulação entre um robusto projeto de industrialização, investimentos e políticas públicas em educação, ciência e tecnologia leva benefícios para o chão da fábrica, para a sala de aula e para mesa de casa.

Esta formulação qualificaria nosso projeto nacional de desenvolvimento, dando forma a uma espécie de mapa estratégico do conhecimento aplicado ao crescimento nacional, potencializando vocações regionais e setores econômicos. Este plano poderia, por exemplo, propor políticas públicas e de subsídios econômicos que integrem nosso parque tecnológico, agências de fomento, bancos de desenvolvimento e centros de pesquisas, universidades e rede pública de ensino.

É preciso restaurar o orçamento da educação e articular ações de proteção social, pois, se é verdade que precisamos garantir acesso, permanência e educação de qualidade social, também o é que isso só ocorrerá se conseguirmos reduzir as desigualdades socioeconômicas. Serão necessárias medidas de médio e longo prazos para superarmos esse “apagão educacional”, garantir recursos e uma proposta educacional emergencial que não amplie ainda mais as desigualdades já existentes.

 

  1. Promover a cultura nacional para emancipar as consciências

Nossa proposta para a área de Cultura implica promover a cultura nacional na sua diversidade e riqueza, que se manifesta, de modo singular e plural, em todas as regiões deste imenso Brasil. O fomento à Cultura deve avançar para ser uma política de Estado que promova a afirmação e o florescimento da cultura brasileira e da consciência nacional, assumindo seu papel de formulador e indutor das prioridades culturais públicas.

O objetivo é apoiar e atender às demandas da criação e da produção cultural nacionais, instrumento fundamental na luta de ideias e nas diversas dimensões em que incide – desenvolvimento social, recepção e fruição à criatividade e bens culturais, e dimensão econômica –, dando importante contribuição ao projeto nacional de desenvolvimento pelo peso que tem no PIB e na geração de emprego e atividade econômica em todas as regiões do País, em todas as áreas de atividade, desde as artesanais até as industriais de grande complexidade.

Vale registrar que cultura, artes, lazer, esportes, turismo, educação e saúde tornaram-se fundamentais para a movimentação e sustentação das cadeias produtivas industriais. Assim, deve-se elaborar e implementar programas estruturantes capazes tanto de mobilizar o imaginário nacional, quanto de construir cadeias produtivas nacionais de suprimentos focadas nessas áreas. Além disso, tem grande papel na disputa de valores civilizacionais, possibilitando a reconstrução de tecidos sociais, particularmente quando enfrentamos o obscurantismo. As políticas culturais são transversais a todas as outras e transformam processos sociais, na resistência e na reconstrução.

No processo de reconstrução, deve-se atualizar o Plano Nacional de Cultura, dar prioridade aos recursos públicos para o fomento cultural, por meio de mecanismos democratizantes, tendo como meta alcançar o patamar mínimo de 2% do orçamento da União; estabelecer processos democráticos de participação dos agentes culturais na formulação e controle social das políticas públicas; integrar todos os níveis de gestão com a sociedade civil; e garantir fomento perene através da legislação aprovando a Lei Aldir Blanc 2.

  1. Segurança Pública, Democracia e Cidadania

A política de “Segurança” do governo Bolsonaro consiste em armar os milicianos e os ruralistas, aumentando a violência na cidade e no campo. Enquanto isso, as facções do crime organizado, fortalecidas pelos recursos bilionários produzidos pelo tráfico de drogas e de armas e atividades paralelas, aproveitam-se dessa situação para substituir o Estado nos presídios, na fronteira e nas comunidades da periferia.

Como as facções do crime organizado, principais responsáveis pela escalada da violência, assumiram caráter nacional, o combate também tem de ser nacional, integrando as três esferas da Federação. Deve-se aperfeiçoar o Sistema Único de Segurança Pública para enfrentar o crime organizado nos presídios, na fronteira e nas comunidades.

Esse enfrentamento deve-se dar no terreno da repressão, mas sobretudo no da prevenção, inteligência e investigação. Para isso, é preciso realizar a integração, em cada esfera da Federação, entre as polícias, o Judiciário e o Ministério Público. Mas a questão central de uma política de segurança de corte democrático e cidadão é a valorização e formação das polícias com novos valores de respeito ao ser humano, particularmente em relação aos setores mais discriminados da sociedade, como o povo pobre, a mulher e a população negra. E essa política deve contemplar:

a) a inclusão do combate à violência contra a mulher;

b) a geração de oportunidades sociais, educacionais e culturais para a sociedade, particularmente para a juventude;

c) a alteração da legislação para evitar o encarceramento massivo; e

d) a efetivação do controle externo, já garantido constitucionalmente.

Para essa política ter sucesso continuado, é fundamental resgatar as polícias do “enclave institucional” em que se meteram e colocá-las, legal e praticamente, sob a autoridade do poder de Estado.

Brasília, 12 de fevereiro de 2022.

Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

 

*Disponível em PDF  AQUI.

 

Leia também:

 

Resolução: Avançar na conclusão da Federação PT, PCdoB, PSB e PV