PCdoB elegerá uma mulher vereadora no Rio, diz Rafaela Albergaria
A noite do último sábado (28/5) parecia indicar uma virada no clima do Rio de Janeiro. Após meses de intenso calor, o frio e a chuva fina caíram indicando que o outono havia finalmente chegado entre os cariocas. Mas não em uma casa em São Conrado. Na sala do casal de professores Luiz Eduardo Soares e Miriam Krenzinger, cerca de cem intelectuais estavam reunidos para uma calorosa conversa sobre a política na cidade.
Antropólogo e cientista político, ex-secretário de Segurança Pública do governo Lula e autor do livro que inspirou o filme Tropa de Elite, Soares reuniu amigos, professores e lideranças para apresentar a pré-candidatura de Rafaela Albergaria à Câmara de Vereadores do Rio pelo PCdoB. Também estavam presentes a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e a deputada estadual Dani Balbi (PCdoB-RJ), as duas principais responsáveis pela filiação de Rafaela ao Partido e pelo lançamento de sua pré-candidatura.
Rafaela Albergaria é uma jovem ativista formada pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). É a fundadora do Observatório dos Trens e uma das lideranças do movimento Mulheres Negras Decidem. Nesta entrevista, Rafaela apresenta um pouco sobre sua trajetória política e suas propostas para o Rio.
Rafaela, conte um pouco sobre como foi essa sua recepção no PCdoB.
Essa foi a melhor e mais importante decisão que tomei nos últimos anos. Conheço há algum tempo a deputada estadual Dani Balbi. No fim do ano passado, Dani me procurou para saber como eu estava em minha vida política e me convidou para o PCdoB. As conversas foram avançando até que, no início deste ano, ela me convidou para ser a candidata a vereadora do Partido.
Precisei de um tempo para pensar, mas logo aceitei o convite. Dani me levou, então, para conversar com a deputada Jandira Feghali, uma parlamentar que sempre tive como inspiração. Foi um dos melhores encontros que já tive. Jandira não apenas me recebeu muito bem como se colocou à disposição para fazer tudo o que for necessário para conquistarmos essa vitória.
Em seguida veio o encontro com (a presidenta nacional do PCdoB) Luciana Santos. O consenso desse encontro com Dani, Jandira e Luciana foi o de que os comunistas voltarão a ter uma cadeira na Câmara do Rio. É uma honra enorme receber esse apoio e assumir esse compromisso. Em 1947, o Partido Comunista do Brasil elegeu duas mulheres vereadoras no Rio: a advogada Arcelina Mochel e a operária da Light Odila Schmidt. Agora, em 2024, o PCdoB vai voltar a eleger uma mulher vereadora no Rio!
Você é fundadora do Observatório dos Trens. Conte como foi isso.
Em 2017, a minha prima Joana Bonifácio, de apenas 19 anos, morreu quando pegava o trem a caminho da universidade. Joana faleceu na estação de Coelho da Rocha, em São João de Meriti. Ao tentar embarcar no vagão, uma das suas pernas ficou presa à porta, fazendo com que Joana fosse arrastada e atropelada pela composição. Para não pagar a multa, a empresa concessionária – a Supervia – inventou que ela cometeu suicídio. Esse foi o gatilho que me mobilizou a fundar o Observatório dos Trens em 2018.
O Observatório dos Trens é uma iniciativa de monitoramento e registro de dados a respeito da precarização do transporte público na região metropolitana do Rio de Janeiro. As pesquisas que realizei no Observatório mostraram que o caso de Joana não era isolado: em média, duas pessoas morrem por semana nos trilhos dos trens no Rio. A minha luta, desde então, tem sido para mudar essa realidade.
Você também atua no movimento Mulheres Negras Decidem, certo?
A representação política das mulheres no Brasil é muito baixa – e a representação das mulheres negras é mais baixa ainda. O PCdoB, que tem como presidenta nacional uma mulher negra, é uma exceção na política brasileira. Para reverter esse processo, o movimento Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco passaram a investir, desde 2022, no fortalecimento de candidaturas femininas. Aqui no Rio, fui a selecionada para esse processo. Desde então, tenho tentado trazer para a esfera pública a importância de valorizarmos a participação de mulheres negras na política.
Sua trajetória acadêmica foi toda na UFRJ. A universidade está em crise neste momento, não é?
Sim, a crise é muito grande. Para ficarmos em um único exemplo, recentemente a parede e o telhado de salas do prédio da Educação Física caíram. O Conselho Universitário até publicou na semana passada uma nota pública relatando esses problemas. A nota diz que a universidade está “respirando por aparelhos” e que passa por uma grave crise orçamentária.
É preciso considerar o contexto. A política do “teto de gastos” de Temer e Bolsonaro e o novo arcabouço fiscal de Haddad não contribuem para a manutenção mínima dos investimentos necessários para a educação no País. Fiz a minha trajetória acadêmica toda na Escola de Serviço Social da UFRJ, a graduação e o mestrado, sou uma cria da universidade. Então é muito triste ver essa situação. Por isso, tenho buscado articular com atores do governo federal um maior investimento para a universidade.
Você tem feito muitas reuniões em que lideranças da sociedade civil e intelectuais têm demonstrado apoio à sua candidatura. Como tem sido esse processo?
Sim, é verdade. A reunião que os professores Luiz Eduardo Soares e Miriam Krenzinger fizeram para apresentar a minha pré-candidatura para intelectuais e lideranças sociais do Rio teve muita repercussão na imprensa e no mundo acadêmico. Mas não foi só essa. São dezenas de reuniões como essa acontecendo com professores da UFRJ, da UERJ e da PUC-Rio, com lideranças sindicais como os profissionais do saneamento e da enfermagem, com movimentos de juventude como a UJS e com lideranças comunitárias na Vila Cruzeiro, no Fallet e em outros locais. É muito bom ouvir todas essas pessoas e receber o apoio delas para o nosso projeto. Acredito que a política precisa ser assim: construída coletivamente, debaixo para cima.
Você costuma dizer que o seu projeto é garantir o direito à cidade para todos. O que isso significa?
Todos sabemos que a cidade não é compartilhada por todos de forma igual. Para uns, basta pegar um táxi ou metrô na porta de casa para chegar ao trabalho em 15 minutos. Para outros, é preciso ficar em um trem lotado por duas horas. Para uns, água e energia não estão em debate. Para outros, não há saneamento, nem luz em casa. Se você mora no Leblon, sua qualidade de vida é uma. Mas, se mora na Rocinha, ali do lado, a possibilidade de ter tuberculose é muito grande.
Quando uma mulher caminha pelas ruas de noite, em ruas mal iluminadas, ela tem um temor de sofrer uma violência que os homens não têm. Quando um jovem negro é abordado pela polícia, ele tem um temor que os jovens brancos não têm. O direito à cidade é garantir que essa assimetria de mobilidade, acesso e oportunidades não exista.
E quais são as suas propostas para os cariocas terem direito à cidade?
A primeira delas é a tarifa zero nos ônibus – uma política pública que já existe em mais de cem municípios em todo o País. Segundo estudos da Casa Fluminense, diariamente mais de 2 milhões de pessoas se deslocam para o Centro da cidade vindas do extremo da Zona Oeste, da Zona Norte e da Baixada Fluminense, em busca de oportunidades que se concentram no Centro e na Zona Sul! Esse deslocamento impacta de forma desproporcional o orçamento das famílias mais pobres e vulneráveis. Além de garantir que a classe trabalhadora tenha o direito à mobilidade, a tarifa zero gera um ciclo virtuoso para a própria economia local.
Outra medida importante é termos tempo integral em todas as escolas municipais. De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, em 2022 apenas 35% dos estudantes matriculados estavam no horário integral. Todas as crianças precisam ter na escola uma alimentação saudável, esporte e cultura. No tema da sustentabilidade, quero trazer para a cidade dois projetos de lei que a deputada Dani Balbi já apresentou na Alerj: a do fomento ao emprego verde e a de criação dos Pontos de Inovação Sustentável nas comunidades cariocas. Em suma, o programa que estamos construindo possui dezenas de propostas que foram construídas coletivamente com especialistas e lideranças sociais.
E sobre a questão do desenvolvimento sustentável da cidade?
Esse é um tema muito importante. Tem quem acredite que a economia do Rio seja só turismo. Claro que o turismo é importante, mas não pode ser só isso. O Rio pode ser um grande polo econômico baseado em inovação, tecnologia e sustentabilidade. Temos aqui Fiocruz, UFRJ, Uerj, Unirio, PUC-Rio, FGV, CBPF, Impa – enfim, uma série de centros de excelência em pesquisa que podem contribuir com esse processo de desenvolvimento.
Defendo a criação de uma Fundação de Amparo à Pesquisa da cidade do Rio de Janeiro, a FAP-Rio, com o objetivo de financiar projetos de inovação sustentável a partir da articulação entre empresas, prefeitura, universidades e sociedade civil. Isso é o que os Estados Unidos fazem no Vale do Silício e o que a China faz na Zona Econômica Especial em Shenzhen. É nesse sentido que sou uma defensora da lógica do Complexo Econômico Industrial da Saúde. Mas devemos ir além da saúde e investir também em outros complexos econômicos industriais na cidade.