Zyuganov, líder do PC russo, critica a piora das condições de vida dos trabalhadores do Cazaquistão

“O Cazaquistão está passando por dias difíceis. O descontentamento popular, que vinha se acumulando durante muito tempo, transformou-se em surtos fortíssimos de indignação e protesto em massa” e esse descontentamento tem que ser atendido, diz a declaração do Presidium do Comitê Central do Partido Comunista da Federação Russa, que também adverte que esta insatisfação está sendo usada por uma “quinta coluna composta por terroristas e extremistas e alimentada por ONGs do Ocidente” e que visa desestabilizar o país.

O documento, assinado por Gennady Andreevich Ziuganov, presidente do Comitê Central do Partido Comunista da Federação Russa e líder da bancada do Partido Comunista na Duma Estatal (a Assembleia Federal da Federação Russa), manifesta seu apoio à decisão da Organização do Tratado de Cooperação e Segurança – de que a Rússia é parte, ao lado de outros países ex-soviéticos do Cáucaso e Ásia Central – de atender ao pedido de assistência feito pelo governo cazaque, o que considerou uma medida “apropriada e oportuna, concebida para apagar as chamas de outro ‘golpe colorido’”.

Adenda que “o Partido Comunista da Rússia condena veementemente as ações da reação internacional e dos elementos criminosos. Consideramos totalmente inaceitável a interferência nos assuntos internos do Cazaquistão e as tentativas de desestabilização da Ásia Central, que representam uma ameaça direta ao nosso país” e ainda que “o PCFR é a favor do regresso do Cazaquistão ao caminho pacífico”, fazendo questão de assinalar as razões centrais do “genuíno descontentamento popular” – entre elas, a duplicação do preço do gás assim como a elevação da idade mínima de aposentadoria, além de outros malfeitos.

Solidariedade e estabilização

“Consideramos que a principal tarefa do contingente de manutenção da paz é proteger objetivos estratégicos destinados a assegurar a vida normal dos cidadãos. A população da República deve ser protegida de ataques terroristas por jihadistas, que recorreram a ‘táticas de intimidação’”, sublinhou Ziuganov.

“O PCFR está confiante de que a missão de manutenção da paz da CSTO ajudará a estabilizar a situação na região da Ásia Central”, disse Ziuganov, advertindo, porém, que o contingente de paz só deve ser utilizado para o seu objetivo declarado. “O envolvimento das forças de manutenção da paz nos confrontos internos dos clãs e das facções dominantes é inaceitável”.
Ele pediu, ainda, que o governo cazaque abra imediatamente um diálogo com os trabalhadores e com as forças políticas legítimas.

“Presente de ano novo”

Como destacou Ziuganov, o estopim dos protestos foi o ‘presente de Ano Novo’ da duplicação do preço do gás, usado para aquecer casas e reabastecer veículos, sob o impacto da eliminação total de subsídios e anúncio da mudança para ‘preços de mercado’.

Não é de espantar que a revolta haja explodido primeiro na região ocidental, exatamente onde o gás é produzido. “Inicialmente, os protestos eram pacíficos. Os participantes nas manifestações exigiam preços mais baixos, salários e benefícios mais elevados, e insistiam no regresso da idade de aposentadoria anterior. Em solidariedade, trabalhadores de vários campos petrolíferos entraram em greve”.

“No entanto, a situação rapidamente mudou e ficou fora de controle. Os primeiros atos de terror e vandalismo foram cometidos nas cidades de Zhanaozen e Aktau, na região de Mangistau, no sudoeste do Cazaquistão. Os distúrbios transformaram-se então em confrontos violentos em Alma-Ata e noutras cidades. Em particular, os aeroportos de Aktobe, Aktau e Alma-Ata foram paralisados. Houve uma ameaça à segurança do Cosmódromo de Baikonur”.

“Grupos de jovens armados atacaram as forças de segurança, apreenderam e destruíram edifícios, atacaram médicos, bombeiros e civis. Uma onda de saques varreu as cidades”.Células islâmicas radicais

É evidente – assinalou Ziuganov – que os atos destrutivos são cometidos por aqueles que nada têm a ver com a maioria dos manifestantes. “Em primeiro lugar, as células islâmicas radicais. A sua atividade é indicada por uma crueldade mostrada para com as forças de segurança: decapitação das pessoas de uniforme”.

“Os agentes das forças externas também redobraram esforços. Em primeiro lugar, em Alma-Ata, tradicionalmente considerada um bastião de influência neoliberal”, onde opera um número significativo de ONGs pró-Ocidente.

“Finalmente, a criminalidade se espalhou. Ataques direcionados aos edifícios da Procuradoria e serviços especiais, incêndios, roubo de armas, pilhagens de lojas e outros locais públicos falam disso”.

“Não se pode excluir que as ações de todas estas forças tenham sido coordenadas a partir de um centro que ansiava pela desestabilização do Cazaquistão. Mas é impossível eliminar a responsabilidade da liderança da República pelo fato de os funcionários terem tolerado as atividades das forças pró-ocidentais e assumido uma posição conciliatória em relação aos extremistas islâmicos”.

Ziuganov observou que o Comitê de Segurança Nacional do país “rejeitou numerosos pedidos para proibir o Salafismo (Wahhabismo). Pregadores formados na Arábia Saudita e noutros países árabes operavam no Cazaquistão”.

“Golpe nas fronteiras meridionais”

O líder comunista russo assinalou que o curso dos acontecimentos deve ser examinado no contexto internacional. “Nos últimos meses, a situação político-militar nas fronteiras ocidentais da Rússia deteriorou-se claramente. A pressão econômica, informativa, diplomática e militar sobre o nosso poder só tem aumentado. Os meios de comunicação ocidentais, diplomatas, políticos, representantes da Otan expressaram repetidamente em voz alta “preocupação” ostensiva com planos para um ‘ataque à Ucrânia’ e ameaçaram Moscou com ‘medidas preventivas abrangentes’”.

Para Ziuganov, “no contexto do agravamento da situação em redor do nosso país, recebemos um golpe nas fronteiras meridionais”, com os adversários da Rússia no palco mundial aumentando as apostas no jogo no “grande tabuleiro de xadrez” dramaticamente.
Ele assinalou como a explosão de indignação com a alta do gás “foi imediatamente aproveitada pela clandestinidade terrorista, cuja liderança se baseia na experiência de combate dos jihadistas na Síria e no Iraque”.

“Até agora, milhares de pessoas foram vítimas de ações criminosas. Centenas de pessoas estão hospitalizadas, dezenas estão nos cuidados intensivos, há mortos. Os amotinados obstruem o trabalho das ambulâncias e instituições médicas, utilizam armas de fogo, intimidam a população, assaltam lojas e saqueiam. A natureza das suas ações é indicativa de medidas planejadas, coordenadas e financiadas pelo estrangeiro”.

Desigualdade flagrante

Ziuganov também se dedicou a traçar um quadro de fundo das causas da desestabilização em curso do Cazaquistão, cuja raiz é “a tragédia que aconteceu a todos nós há 30 anos atrás, a destruição da União Soviética, do sistema socialista e do poder soviético”, que deu origem a “uma desigualdade flagrante” e tornou “nossos povos extremamente vulneráveis a ameaças externas”.

“Ao contrário das promessas dos liberais, os novos Estados não se tornaram membros de pleno direito do “mundo civilizado””, destacou o líder comunista. Tornaram-se “apêndices de matérias-primas e mercados, fontes de mão-de-obra barata e peões nas aventuras geopolíticas das potências imperialistas”.

“No Cazaquistão, a indústria avançada mergulhou no “no abismo da privatização”. No petróleo e gás, Chevron e Exxon Mobil (EUA), Total (França), Royal Dutch Shell (Reino Unido e Holanda) entrincheiraram-se. O novo proprietário da indústria siderúrgica é a Arcelor Mittal”.

“Como em quase toda a parte no espaço pós-soviético, foi criado no Cazaquistão um sistema comprador oligárquico típico do capitalismo selvagem”.
Migalhas para o povo

“A desigualdade tem aumentado de forma constante na República. Da renda nacional, apenas migalhas foram para o povo. A divisão da propriedade e a tensão social aumentaram. Em 2011, uma greve dos trabalhadores do petróleo que durou vários meses em Zhanaozen terminou com confrontos e a morte de 16 pessoas. As autoridades mostraram claramente a sua atitude para com o povo, aumentando a idade da aposentadoria para 63 anos, tanto para homens como para mulheres.

O que se agravou sob a pandemia. “Até a taxa de pobreza oficial aumentou. Se tivermos em conta o padrão mundial de necessidades mínimas de 5,5 dólares por dia, um em cada sete residentes aqui é pobre”.

“A proporção de pessoas que sequer têm alimentos aumentou de 3% para 13%. Outros 44% admitem que só tem dinheiro suficiente para a alimentação. Ao mesmo tempo, o número de bilionários em dólares no primeiro ano da pandemia aumentou de quatro para sete”.

“Nos últimos dois anos, as greves nas empresas do Cazaquistão continuaram sem parar. As ações mais maciças tiveram lugar nas regiões ocidentais. Sendo a principal fonte dos principais produtos de exportação, petróleo e gás, também lideram o nível de desigualdade no país”.

“Milhares de pessoas ficaram indignadas com salários em atraso e demissões, exigindo salários mais elevados em meio a contínuos aumentos de preços. Mesmo de acordo com dados oficiais, a inflação alimentar no país foi de 20 por cento em dois anos”.
Russofobia

“Em vez de resolver problemas sociais, a classe dominante preferiu dividir a sociedade, provocando a russofobia e a inimizade interétnica”, denunciou Ziuganov. A partir de livros escolares, os jovens cazaques aprendem sobre o “colonialismo russo” e o “totalitarismo soviético sangrento”. A nível oficial, foi lançada uma campanha de reabilitação as “vítimas da repressão”, incluindo os colaboracionistas de Hitler.

“Ergueram monumentos para figuras como Mustafa Shokai, que cooperou com os fascistas. Ruas e escolas foram batizadas com o seu nome. As autoridades especularam cada vez mais sobre o tema do ‘Holodomor Cazaque’, distorcendo grosseiramente os fatos históricos”, denunciou.

Apesar da amizade oficialmente proclamada dos povos, a liderança do Cazaquistão reduziu constantemente o alcance da língua russa, discriminando os cidadãos de língua russa. As ‘patrulhas linguísticas’ tornaram-se um fenômeno nojento, apontou Ziuganov.

No final do ano passado, o parlamento aprovou um projeto de lei para publicação de informação oficial exclusivamente em idioma cazaque. Até 2025, está prevista a mudança completa do alfabeto cirílico para o latino. Este tipo de política levou a um êxodo maciço da população. A proporção de russos na república diminuiu durante o período pós-soviético de 38% para 18%.

Política externa ‘multivetorial’

“O próprio governo, que fala em apoio à integração eurasiática, flertou simultaneamente com as capitais ocidentais. As relações com os EUA atingiram o nível de ‘parceria estratégica alargada’. Todos os anos são realizados exercícios militares conjuntos com a “Águia das Estepes” da Otan. Com a participação dos americanos, foram construídos vários biolaboratórios, cuja investigação suscita muitas questões para peritos locais e estrangeiros”, assinalou Ziuganov.

Para o PCRF, é hora de parar as manifestações da política russofóbica e anti-soviética no Cazaquistão. “Chegou o momento de discutir honestamente e erradicar as causas profundas da divisão social desastrosa, não só no Cazaquistão, mas também na Rússia. Para o nosso país, é outro sinal formidável de que as políticas que geram divisão, desigualdade e pobreza sobrecarregam inevitavelmente a paciência do povo”.

A conclusão mais importante dos acontecimentos no Cazaquistão é que é do interesse fundamental dos povos da Rússia, do Cazaquistão e de todos os outros Estados abandonar “esta política desastrosa”. “Hoje, mais do que nunca, o nosso programa ‘Dez passos para uma vida digna’ e a experiência única das empresas públicas são necessários”, sublinhou Ziuganov.