Gilmar Santos, pastor indicado por Jair Bolsonaro para atuar no Ministério da Educação cobrando propina de prefeitos para liberar verbas para suas cidades, informou ao senador Marcelo Castro (MDB-PI), presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, que não vai comparecer à audiência para dar explicações aos senadores. A ausência fortaleceu o movimento pela instalação de uma CPI das propinas na Educação.

O pastor, de fato, não têm como explicar a roubalheira que se instalou no MEC e que foi descoberta a partir do vazamento do áudio do ministro que responsabilizou Bolsonaro pelos malfeitos. O senador Randolfe Rodrigues (Rede -AP) já está com quase tudo pronto para abrir a “CPI do MEC”.

As provas realmente são incontestáveis. O áudio é cristalino. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar. Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, disse Milton Ribeiro na conversa gravada.

O ex-ministro Milton Ribeiro diz a seus auxiliares que Jair Bolsonaro pediu a ele que abrisse todos os espaços no ministério e atendesse aos pedidos de dois pastores de sua confiança, Gilmar Santos e Arilton Moura. Os dois foram vistos em diversas reuniões de trabalho no órgão junto com o ministro, sem serem funcionários do governo.

Em seu depoimento à Polícia Federal na quinta-feira (31), o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, confirmou que Jair Bolsonaro lhe pediu para receber um dos pastores acusados de pedir propina para intermediar a liberação de verbas do Ministério da Educação (MEC) para os prefeitos.

“O presidente Jair Bolsonaro realmente pediu para que o pastor Gilmar fosse recebido, porém isso não quer dizer que o mesmo gozasse de tratamento diferenciado ou privilegiado na gestão do FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação) ou MEC”, disse Ribeiro.

Até aí, o escândalo era a formação de mais um “gabinete paralelo”, por ordem de Bolsonaro, assim como tinha ocorrido no Ministério da Saúde durante o auge da pandemia. O problema é que os pastores passaram a mandar e desmandar nas verbas do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE). A decisão sobre a liberação do dinheiro para os municípios passou a ser dos dois pastores. Uma ilegalidade escrachada.

No entanto, o problema não era só esse. Os dois pastores de confiança e da intimidade de Jair Bolsonaro foram denunciados por estarem exigindo propina dos prefeitos para liberar as verbas. As denúncias foram feitas pelos próprios prefeitos. Ele contaram detalhes dos pedidos de propina e relataram que ao não aceitar pagar as propinas seus municípios foram impedidos de receber as verbas a que tinham direito.

Foram dez os prefeitos que falaram sobre as presença dos pastores nas reuniões. Três deles fizeram a denuncia formalmente e já compareceram ao Senado. O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga, relatou que o pastor Arilton pediu um quilo de ouro (que vale mais de R$ 300 mil) para que o dinheiro da Educação chegasse ao seu município. “Como a minha região é de mineração, ele pediu o pagamento em ouro”, explicou o prefeito.

“Então, o negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões’. Os prefeitos ficavam todos calados, não diziam nem que sim, nem que não’”, continuou Braga. “E assim mesmo eu permaneci calado. Também não aceitei a proposta. Deixamos as demandas na mão dele e ele deu a conta pra gente. Os que transferissem os R$ 15 mil, ele ia protocolar”, concluiu.

Ministro em reunião de trabalho com os pastores propineiros de Bolsonaro (reprodução)

Outros prefeitos contaram que os pastores queriam que a propina fosse paga através da compra de bíblias feitas por sua igreja, em uma tentativa de lavar o dinheiro assim que ele entrasse. A proposta de propina a uma das prefeituras foi a compra de 50 mil bíblias da gráfica do pastor a um real cada. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério”, disse o pastor.

Kelton Pinheiro (Cidadania), prefeito da cidade de Bonfinópolis, disse que, apesar de precisar de uma escola nova, se negou a aceitar a proposta de pagamento de propina feita pelo pastor Arilton Moura. O prefeito afirmou que, por intermédio do pastor Gilmar, conseguiu ser recebido pelo ministro da Educação numa reunião com vários prefeitos. Assim como Gilberto Braga, Kelton disse que os prefeitos foram almoçar e que, nesse momento, o pastor Arilton, que também estava no encontro, fez o pedido de propina.

Segundo Kelton, o pastor disse: “‘Papo reto aqui. Eu tenho recurso para conseguir com você lá no ministério, mas eu preciso que você coloque na minha conta hoje R$ 15 mil. É hoje. E porque você está com o pastor Gilmar aqui, senão, pros outros, foi até mais’. Achei muito estranho, não tinha interesse”.

“Olha, eu precisava muito da construção de uma escola nova. Tem uma escola lá que é de placas de muro, escola antiga, que a gente precisava substituir lá no município. Então ele disse: ‘Olha, tudo bem, eu consigo isso para você, mas eu quero que você me dê hoje R$ 15 mil aqui na minha mão. Hoje, uma transferência, que você faça isso hoje’”, relatou o prefeito.

Kelton prosseguiu: “ele sentou do meu lado, em um dos lados da mesa e falou: ‘olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$15 mil hoje’”, afirmou Arilton Moura, segundo o prefeito.

“O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: ‘eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga’.”

Também ao jornal “O Globo”, o prefeito José Manoel de Souza (PP), da cidade paulista de Boa Esperança do Sul, relatou outro pedido de propina de R$ 40 mil por parte de Arilton, para liberar verba para construção de escolas profissionalizantes no município. Ele disse que foi levado a um restaurante de um hotel em Brasília depois de um evento no MEC em 2021.

O pastor Arilton Moura perguntou se ele teria interesse em ter uma escola profissionalizante na cidade. “Eu disse que tinha outras demandas, como creche, terceirização de ônibus”. O prefeito conta que o pastor então complementou dizendo que, se ele quisesse, poderia ter a escola na hora. “Ele disse: Eu falo lá, já faz um ofício, mas você tem que fazer um depósito de R$ 40 mil para ajudar a igreja”. Souza afirma que se levantou e disse que não faria esse tipo de negócio. A cidade de Boa Esperança, segundo ele, não teve qualquer ajuda do MEC para seus projetos.