Recessão europeia, causada pela pandemia, ajudou na queda dos votos do PSOE em Madri

O Partido Popular (PP), a direita tradicional neoliberal espanhola que se alterna no poder há décadas com os socialistas do PSOE desde o fim da ditadura franquista, manteve o governo da região de Madri, reelegendo Isabel Díaz Ayuso, no governo desde 2019. O PP governa Madri desde 1995.

O PP foi favorecido pela volta dos eleitores conservadores que na eleição anterior haviam descarregado votos no novo partido “Ciudadanos”, que se apresentava como uma “terceira via” de direita, diante do desgaste do PP pelo excesso de zelo na aplicação do arrocho da Troika (EU/BCE/FMI) e pela corrupção do então governo de Mariano Rajoy.

Em 2019, nas eleições nacionais, o PSOE voltou ao poder pelo voto, em aliança com a esquerda Unidas Podemos, com base em um acordo de retomada econômica e combate ao desemprego. E com a anuência dos partidos da Catalunha pró-autonomia ou independentistas, que haviam sido violentamente reprimidos pelo governo do PP.

No cômputo geral nas eleições deste ano da região de Madri, o PP obteve 44,7% dos votos e 65 deputados, contra 41,0% votos e 58 deputados das forças de esquerda, que se dividem entre o próprio PSOE (24), Mais Madrid (24), Podemos e comunistas (10). Os neofascistas do Vox obtiveram 9,1% e 13 cadeiras.

O Ciudadanos, que em 2019 obteve quase 20% dos votos, despencou agora para 3,57% e não elegeu ninguém por causa da cláusula de barreira de 5%. Foi grande a participação na eleição: 80,7% segundo a agência EFE; na Espanha, o voto não é obrigatório.

O professor de Comunicação e Política Internacional na Universidade Europeia de Madri, José Maria Peredo, disse à agência de notícias Lusa que Madri tem uma “forte componente de ilha política” governada pelo PP há 25 anos com características únicas, embora o resultado possa passar a ideia de que venha a ter início uma “mudança política a nível nacional”.

Por sua vez, o professor de Meios de Comunicação e Política da Universidade de Navarra, Carlos Barrera, disse não acreditar que “a curto prazo haja impacto em nível nacional”. “Ayuso somou muitos mais votos do que são os do PP, que evidentemente também sai fortalecido”, acrescentou, assinalando que resta ver se esse “voto emprestado” vai ser retido e alargado ao resto do país.

Uma consequência inesperada da derrota é que o vice-primeiro ministro e líder do Podemos, Pablo Iglesias, que deixara o cargo para encabeçar a aliança oposicionista em Madri tentando mudar o cenário da eleição e não conseguiu, decidiu anunciar sua retirada da vida política espanhola.

Ele também observou que Madri “cada vez parece menos o rosto da Espanha”.

A atual presidente da Comunidade de Madri, que se vai manter no cargo, já fez saber que irá pedir ao Vox a “abstenção ou o apoio”, o que esse partido considerar ser melhor. Por seu lado, os neofascistas espanhóis já indicaram que iriam “facilitar” a posse de Ayuso.

Dados do jornal El País permitem dimensionar no tempo os embates por Madri. Nas eleições regionais de 2011, o PP obteve 72 deputados, contra 36 do PSOE e 21 das esquerdas (auge da derrocada do governo socialista de Zapatero). Em 2015, o PP ficou com 48, o PSOE 37, e os recém criados Podemos 27 e Ciudadanos 17 (manifestações dos indignados contra a Troika). Em 2019, o PP caiu para 30, enquanto o Ciudadanos foi a 26. O PSOE obteve 37, o Mais Madri 20 e o Podemos Unidas 7. Os neofascistas do Vox obtiveram 12.

Foi em 2019 que o PSOE voltou ao poder no governo central pelo voto. Já estava de volta na condição de governo de minoria, desde o ano anterior, devido ao colapso do governo Rajoy por corrupção e péssima gestão da economia.

Outra questão a considerar é que tradicionalmente, a política do PP é pró-neoliberal sem dó nem piedade, enquanto o PSOE se caracteriza por um neoliberalismo com nuances de preocupações sociais, especializado em administrar as crises que a financeirização da economia e a destruição das conquistas sociais têm gerado. Ambos os partidos já se envolveram em diversas ocasiões em episódios de corrupção explícita.

Para a derrota nacional do PP de 2019, também pesou a disposição do PSOE para marchar unido com outras forças para superar as mazelas mais gritantes dos anos de arrocho da Troika, reproduzindo a experiência do país vizinho, Portugal, de coalizão tácita pelo desenvolvimento, a ‘geringonça’. Com características próprias, como o não veto das forças políticas catalãs.

A brutalidade com que a pandemia de Covid-19 se abateu sobre a Espanha (e sobre a Europa em geral) interrompeu esse esforço de superação dos aspectos mais gritantes dos anos de arrocho da Troika, e exigiu concentrar tudo em barrar a pandemia e arrancar da União Europeia um programa de ajuda emergencial de vulto que permita alavancar a recuperação.

O aparecimento de uma nova onda da pandemia de Covid-19 no final do ano passado, sob novas variantes do coronavírus, forçou à reedição de restrições à transmissão do vírus, sempre questionadas demagogicamente pelo governo do PP de Madri, que alegava que o governo de Pedro Sánchez se esquecia “da economia” e “só pensava no vírus”.

A própria Ayuso, cuja campanha usou como slogan “liberdade”, atribuiu o resultado eleitoral às conclamações para manter em funcionamento bares e comércio em meio à pandemia.

Recessão de volta

A eleição também aconteceu em um momento em que o programa de apoio à recuperação, a chamada “bazuca europeia” de 1,8 trilhão de euros, sendo 390 bilhões a fundo perdido, ainda está sendo carregada e não chegou aos países. Também a zona do euro voltou à recessão, cuja principal causa foi a necessidade de fechar setores não essenciais para trazer os contágios para um patamar que o sistema de saúde possa lidar sem colapso.

Ao que se somou o atraso na vacinação que aflige a Europa, em decorrência dos atrasos nas entregas de parte dos monopólios farmacêuticos, que seguem resistindo à quebra das patentes das vacinas que, na maior parte, foram desenvolvidas com financiamento público.

Analistas consideram que o resultado eleitoral adverso em Madri interfere mas não altera o quadro político nacional espanhol, apesar de que a iminência de que os bilhões de euros da “bazuca” estejam para chegar assanhem muita gente, como se viu na Itália.

Em sua campanha, Ayuso acusou o governo central “socialista-comunista” de conduzir de forma desastrosa a luta contra a pandemia. Desde o final da primeira vaga da pandemia, há um ano, o governo regional de Madri manteve aberto a maior parte do comércio. “O sucesso de Ayuso foi ter antecipado as eleições regionais e aproveitado a situação criada com a pandemia e o estado de emergência, o que tem uma leitura nacional”, afirmou Peredo.

A eleição – ao contrário do que é costume na Espanha – foi realizada em um dia útil e não em um domingo. Os eleitores esperaram pacientemente por até mais de uma hora para exercer o seu direito de voto. Não apenas escolas, mas espaços diversos, até mesmo uma arena de touros, foram usados no pleito para manter o máximo distanciamento social devido à pandemia.

O PP foi o partido mais votado em quase todos os municípios da comunidade autônoma de Madri, e só não levou a melhor em dois. Além disso, na capital foi o partido mais votado em todos os 21 distritos. “Vou poder ter a liberdade de fazer tudo o que for necessário”, disse Ayuso aos jornalistas.

A presidente regional convocou essas eleições de forma antecipada (a legislatura termina em 2023) como uma ação estratégica, para tentar conseguir mais deputados e governar sem coligação, após dois anos de governo em parceria com o Ciudadanos e apoio parlamentar do Vox.

Outro desdobramento da eleição é que o Mais Madri (que é uma cisão do Podemos) passou a liderar a oposição ao PP na assembleia regional, por ter ficado cerca de 0,6 ponto percentual à frente do PSOE na votação. Ambos elegeram 24 deputados.

O Unidas Podemos , que chegou a temer perder a presença na assembleia de Madri por causa da cláusula de barreira, aumentou de 7 para 10 o número de deputados. A renúncia de Iglesias, que defendeu a necessidade de estimular a renovação de quadros no Podemos, deverá aumentar o peso do papel político desempenhado por Yolanda Díaz, que o substituiu na vice-chefia do governo Sánchez.