Donald Trump fala à imprensa em Kenosha (Wisconsin), em 1 de setembro de 2020 | Foto: Mandel Ngan / AFP / Getty Images

Em passeio por Kenosha (Wisconsin), cidade que se tornou um ponto crítico depois que a polícia atirou no negro Jacob Blake, o presidente dos EUA defendeu a aplicação da lei.

Por David Smith (*)

Donald Trump trouxe sua política divisionista para Kenosha (Wisconsin), em sua contenciosa visita à cidade, e colocou-se ao lado da aplicação da lei, contra os manifestantes que exigem direitos civis.

O presidente dos EUA insistiu que o racismo no policiamento se deve a “maçãs podres” mas não é “sistêmico”, e diz que a maioria silenciosa dos moradores de Kenosha está mais preocupada com “lei e ordem” do que com racismo.

Kenosha se tornou o mais recente foco, em um longo verão de protestos nos EUA, depois que Jacob Blake, um afro-americano, foi baleado pela polícia sete vezes nas costas enquanto tentava entrar em seu carro. Três noites de protestos desencadearam mais de 30 incêndios e culminaram com um miliciano de 17 anos, atirando e matando dois manifestantes – um ato que Trump claramente não condenou.

Desde então, as marchas organizadas, tanto por simpatizantes da polícia como por amigos e familiares de Blake, têm sido pacíficas e sem vandalismo. Mas, dizem os críticos, que Trump aproveitou imagens de TV para uso político, sem intenção de unificar e pacificar.

Na terça-feira, a família de Blake realizou uma reunião comunitária no local onde ele recebeu os tiros, com um DJ tocando música e mesas arrumadas para que as pessoas pudessem se registrar para votar, cortar o cabelo, fazer um teste do coronavírus ou deixar mensagens para colocar no quarto de Blake no hospital. O presidente Trump não foi convidado.

A comitiva de Trump passou por multidões de manifestantes, alguns portando cartazes pró-Trump, outros zombando enquanto carregavam cartazes que diziam Black Lives Matter. Sob forte guarda policial, incluindo vários veículos blindados, Trump visitou os restos carbonizados de um quarteirão, incluindo uma loja de móveis que foi incendiada.

Então, ladeado pelo procurador-geral, William Barr, e pelo secretário de segurança interna em exercício, Chad Wolf, Trump organizou uma reunião em uma escola para líderes comunitários e empresariais, policiais e pastores em um cenário com fotos mostrando vandalismo.

“Temos que condenar a perigosa retórica antipolicial”, disse Trump. “Está ficando cada vez mais forte, é muito injusto. Você tem algumas maçãs podres, todos nós sabemos, e elas serão tratadas por meio do sistema, e não vai ser fácil para elas.”

Outros policiais “engasgam” sob “tremenda pressão”, acrescentou. “Eles podem estar lá por 15 anos e ter um histórico impecável, e de repente se deparam com uma decisão, você tem um quarto de segundo, um quarto de segundo para tomar uma decisão. E se eles tomarem uma decisão errada, de um jeito ou de outro, estão mortos ou estão em apuros.”

Trump evitou repetir um deslize que cometeu numa entrevista para a TV, na noite de segunda-feira, quando comparou o que chamou de “engasgo” a um jogador de golfe que cai sob pressão em uma tacada importante.

Trump disse na reunião que “turbas violentas” em Kenosha danificaram ou demoliram pelo menos 25 empresas, incendiaram prédios públicos e jogaram tijolos em policiais. “Esses não são atos de protesto pacífico, mas, na verdade, terror doméstico”, disse.

Ele prometeu que o governo federal dará 1 milhão de dólares para a polícia, quase 4 milhões para recuperar pequenas empresas e mais 42 milhões em todo o estado para segurança pública.

Um repórter observou que houve inúmeros protestos pacíficos e perguntou a Trump se ele acredita que o racismo sistêmico é um problema nos EUA. O presidente se negou a responder, e disse: “Você sempre volta ao assunto. Devemos falar sobre o tipo de violência que vimos em Portland e aqui e em outros lugares.”

“É uma violência tremenda. Você sempre olha para o outro lado, ‘Bem, o que você acha disso ou daquilo?’ O fato é que temos visto uma violência tremenda e vamos divulgá-la muito, muito rapidamente se tivermos chance, e é isso que está acontecendo.”

Trump acrescentou: “Eu sempre ouço falar de protestos pacíficos. Ouço tudo sobre isso e então chego em uma área como essa e vejo que a cidade foi incendiada.”

Trump disse que se recusou a se encontrar com a família de Blake durante a visita porque eles queriam a presença de um advogado.

Questionado sobre o que diria a eles, ele respondeu: “Sinto terrivelmente por qualquer pessoa que passe por isso. Como você sabe, está sob investigação. É uma grande coisa acontecendo agora… e espero que eles encontrem a resposta certa.”

Assaltado pela pandemia Covid-19 e a crise econômica, falar em “lei e ordem” é visto como uma distração valiosa para a campanha de reeleição de Trump, que culpou os políticos democratas por encorajar agitadores e anarquistas em Kenosha e várias outras cidades.

Na segunda-feira, seu adversário Joe Biden o refutou de forma contundente: “Ele pode acreditar que pronunciar as palavras lei e ordem o torna forte, mas sua incapacidade de pedir a seus próprios apoiadores que parem de agir como milícia armada neste país mostra como ele é fraco.”

(*) David Smith dirige a sucursal de “The Guardian” em Washington.