Para presidente do Butantan, Bolsonaro pratica “darwinismo social”
O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, considerou que Bolsonaro pratica o “darwinismo social” na condução da pandemia no Brasil. Segundo ele, Bolsonaro “expõe as pessoas ao vírus: os resistentes sobrevivem e os outros morrem”.
“O presidente acha que ficar em casa é coisa de maricas. Mas quando ele sai e leva seus seguidores para o meio da praça, ele está fazendo o jogo do vírus. Ele está fazendo darwinismo social. Expõe as pessoas ao vírus: os resistentes sobrevivem e os outros morrem”, disse Dimas Covas durante entrevista ao jornal Valor Econômico nesta segunda-feira (5).
O presidente do Butantan estimou que as mortes provocadas pela doença poderão atingir 5 mil óbitos por dia no país e que não é realista esperar uma rápida aceleração da vacinação no país nos próximos meses.
Ele ainda demonstrou o boicote de Bolsonaro quanto à vacinação no país. Ao ser questionado sobre a chegada de insumo farmacêutico ativo (IFA) para produção de doses da Coronavac aqui no Brasil, o presidente do Instituto Butantan explicou como a ação do presidente limita o avanço acelerado da imunização dos brasileiros.
“Nós terminamos o contrato de 46 milhões de doses com o Ministério da Saúde. O contrato é do dia 7 de janeiro. Estes 46 milhões vão ser entregues agora em abril. O segundo contrato [para fornecimento ao ministério de 54 milhões], foi assinado só em fevereiro. E uma vez assinado, a programação que nós fizemos com a Sinovac foi de acordo com a disponibilidade de insumos. E com a disponibilidade da Sinovac era possível entregar os 54 milhões até setembro. Nós conseguimos adiantar o cronograma e vamos entregar até agosto. Mas isso [o prazo de produção das vacinas do segundo contrato] decorre da demora do ministério em acertar o contrato. A demanda pela vacina é muito grande e na hora que o contrato foi assinado o que havia disponível de matéria-prima dava para fazer esse cronograma”.
Dimas Covas ainda mostrou que o atraso do governo em assinar contratos para doses de vacina, tanto com o Instituto Butantan, tanto com qualquer outro laboratório produtor, será responsável para chegarmos em julho muito longe da imunização geral dos brasileiros.
“A primeira faixa relevante de vacinação do programa nacional de imunização é a população de idosos, acima dos 60 anos. Essa população do Brasil representa 30 milhões de pessoas. Na primeira faixa também estão os profissionais de saúde e outros profissionais. Mas para vacinar apenas os idosos, que representam 70% na mortalidade, são necessárias 60 milhões de doses. Hoje estamos com pouco mais de 40 milhões de doses em curso. Somando as do Butantan e da Fioruz. Só o Butantan já integralizou 36 milhões de doses. Então só para cobrir essa população de 60 anos, precisamos de mais de 20 milhões de doses. Se o Butantã entrega 10 milhões em abril, faltam ainda 10 milhões. A Fiocruz diz que vai entregar em abril 18 milhões. Se isso acontecer, ótimo. Poderá se completar a faixa dos mais de 60 anos e avançar nas demais faixas etárias”, explicou o diretor do Instituto Butantan.
Pela situação descrita acima, Dimas Covas aponta que a previsão de vacinação no primeiro semestre é bastante pequena. “Com o pé no chão, até o meio do ano você vai ter uma vacinação provavelmente de quem tem mais de 60 anos e provavelmente pode avançar um pouco mais na faixa dos 50 anos, incluindo também outros profissionais em risco. É isso que nós vamos ter até o meio do ano. Estamos falando de 40 ou 50 milhões de pessoas. E 100 milhões de doses de vacinas”.
Quanto ao futuro mais de longo prazo, até o final deste ano, o que se desenha, segundo Covas, não é animador, já que o governo Bolsonaro não concretiza suas promessas e os contratos para novas doses não são fechados. “O cronograma do ministério é muito otimista: 300 ou 400 milhões de doses contratadas. Agora os contratos estão se concretizando, se transformando em vacinas. Tem promessas de cá, promessas de lá. Vai comprar Sputnik, vai comprar não sei o quê. Tem muita coisa no ar”, apontou o diretor do Instituto Butantan.
Escala de óbitos por Covid-19
O número de mortes por dia por Covid-19 já ronda os 4 mil e segundo Dimas Covas, ele irá aumentar ainda mais pela falta de comando federal para combate a pandemia. “Estamos num momento em que a velocidade de transmissão ainda é muito alta. Abril vai ser o mês dramático para o Brasil. Os próximos 15 dias serão muito dramáticos. Veja, há uns 20 dias, parece que ninguém imaginava que iríamos checar à casa dos 3 mil mortos por dia. Os especialistas apontavam que estávamos caminhando disso, mas a opinião geral da população não era essa. E então cruzamos a casa dos 2 mil, já passamos na casa dos 3 mil, estamos indo para os 4 mil e vamos chegar a 5 mil mortes por dia”.
“As medidas são assíncronas. Ou seja, um Estado toma uma medida aqui, um município toma uma medida ali. Não há uma coordenação, não há uma política geral para o país. Essas medidas podem contribuir para uma estabilização, uma diminuição regional, mas no conjunto o aumento tem sido consistente”, ressaltou o diretor do Instituto Butantan.
Novas variantes e a eficácia das vacinas
Sob o risco de que até uma grande parte da população seja vacinada as vacinas disponíveis não sejam tão eficientes contra as variantes que já surgiram e novas que ainda podem aparecer, Dimas Covas apontou a diferença entre a primeira e segunda onda da Covid-19 e garantiu que atualizações nas vacinas serão necessárias. Ele ainda apontou que se a vacinação fosse mais célere poderia ter sido evitado esse cenário.
“Essa segunda onda é totalmente diferente da primeira. O vírus tinha um comportamento mais ou menos estável, embora já fosse uma variante diferente da que começou na China. Mas era relativamente estável. E foram adotadas medidas de afastamento social que no primeiro momento foram muito eficientes. O uso de máscara também se tornou obrigatório, as medidas de higiene melhoram. E aí pandemia foi controlada. Entrou num platô e depois começou a decair. Com a mesma dinâmica social. O que aconteceu nesta segunda onda? Não houve nenhuma alteração na dinâmica social. Os índices de mobilidade social de janeiro são praticamente os mesmos de agosto, setembro. Não teve mudança na dinâmica social”, iniciou Dimas Covas.
“Entre janeiro e fevereiro apareceram focos explosivos em Manaus, em outros lugares, inclusive no Estado de São Paulo, em Jaú, em Araraquara. Essa mudança tão rápida na dinâmica epidêmica só pode ser explicada por algum outro fator, que é a variante”, disse o diretor do Instituto Butantan.
“Essa variante tem potencial de infecciosidade muito maior. Tem uma gravidade maior, provoca prolongamento de quadro clínico, uma carga viral maior. Tudo isso é propício para o aparecimento de variantes. A variante depende da taxa de transmissão e, como essa taxa de transmissão é muito elevada, a probabilidade de você ter mutações é muito grande. Então o aparecimento das variantes depende da dinâmica da infecção. A vacina, em princípio, não é feita para controlar a infecção, é feita para controlar a manifestação clínica da infecção. As vacinas que estão aí não foram desenhadas e testadas contra a infecção. Elas foram testadas para proteção contra a doença, contra a manifestação clínica, contra os sintomas. Então, nesse contexto de variantes, a vacinação não vai impedir a infecção, vai impedir a internação, a mortalidade”, explicou.
Dimas Covas ainda apontou que “A imunidade que a vacina determina hoje é contra a cepa lá da primeira onda. Todas as vacinas. Então se nesse curso dessa infecção descontrolada, você tem o aparecimento de uma variante que é resistente aos anticorpos do vírus da primeira onda. Essa variante não vai ser neutralizada. Vai levar o indivíduo a quadros clínicos mais graves com carga viral mais elevada e com transmissibilidade aumentada. Ou seja, você propicia que a variante se dissemine”.
Por isso, para ele, os laboratórios terão de atualizar suas vacinas para fazer frente às variantes. “Essas variantes vão continuar aparecendo. Embora a resposta neste momento, ao que tudo indica, não foi muito comprometida, ela [a resposta de imunização às variantes] aconteça, essas variantes precisarão ser incorporadas às vacinas. Não há dúvida nenhuma”.
Por fim, o diretor do Instituto Butantan ressaltou que vacina não é suficiente pra controlar a pandemia, neste momento é “urgente combater a epidemia. A vacina é um recurso adicional. Mas o combate direto à epidemia se faz com a diminuição da transmissão. E a transmissão será diminuída com a tomada de medidas amargas de afastamento social. Se você tivesse o poder mágico de colocar toda a população por 14 dias dentro de casa, a pandemia acabaria. Esse é o desafio que as pessoas, as autoridades descartam de começo porque falam que é impossível. Se é impossível, não tem que fazer e vamos ter que continuar com número de mortes que estamos vendo hoje. Mas não se pode, por princípio, dizer que é impossível. Porque assim, estamos admitindo que vamos continuar tendo esse número de casos, de internações e de óbitos”.