Papa pede solidariedade com vulneráveis da Covid-19
O Papa Francisco divulgou, na quinta-feira (17) uma mensagem aos participantes da 109ª Conferência Internacional do Trabalho que se realiza, em Genebra, na Suíça. No vídeo, Francisco convida a Igreja e os governantes a darem uma resposta incisiva e solidária àqueles que se encontram “à margem do mundo do trabalho”, esmagados pelas consequências dramáticas da Covid-19.
“Esta conferência foi convocada em um momento crucial da história social e econômica, que apresenta desafios sérios e abrangentes para o mundo inteiro. Nos últimos meses, a Organização Internacional do Trabalho, por meio de seus relatórios regulares realizou um trabalho louvável ao dedicar atenção especial a nossos irmãos e irmãs mais vulneráveis”, disse o Papa desde Roma, falando em espanhol.
Francisco sublinhou que “aderir a um sindicato é um direito”. A seguir, invoca “uma profunda reforma da economia” e um trabalho “realmente e essencialmente humano”, porque o atual para muitos trabalhadores diaristas, migrantes e trabalhadores precários e, sobretudo para muitas mulheres, começando pelas empregadas domésticas, cuidadoras e vendedoras ambulantes, é “perigoso, sujo e degradante”.
Promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o evento reúne representantes de Governos, de trabalhadores e de organizações de empregadores.
Segundo o Papa, este é “um dos muitos casos da filosofia do descarte que nos acostumamos a ver imposta em nossas sociedades”. Uma exclusão que “complica a detecção precoce do vírus, a execução de testes, diagnósticos, rastreamento de contatos e busca de assistência médica para a Covid-19” para refugiados e migrantes, e assim “aumenta o risco de surtos nessas populações”.
“Muitos migrantes e trabalhadores vulneráveis e suas famílias são geralmente excluídos do acesso a programas nacionais de promoção da saúde, prevenção de doenças, tratamento e assistência, bem como dos planos de proteção financeira e serviços psicossociais”, afirmou.
“Proteção social”
Francisco enumerou os danos causados pela “falta de medidas de proteção social diante do impacto da Covid-19”: aumento da pobreza, desemprego, subemprego, atraso na inserção dos jovens no mercado de trabalho, exploração infantil, tráfico de pessoas, insegurança alimentar, maior exposição a infecções para os doentes e idosos.
“Muitos serviços públicos, assim como muitas empresas, enfrentaram enormes dificuldades, algumas correndo o risco de falência total ou parcial. Em todo o mundo, vimos perdas de empregos sem precedentes em 2020”, disse.
Sindicalização
O Papa também pede para que seja garantido o respeito dos direitos fundamentais dos trabalhadores, incluindo o da sindicalização: “A adesão a um sindicato é um direito. A crise da Covid-19 já afetou os mais vulneráveis e eles não devem ser afetados negativamente por medidas a fim de acelerar uma retomada que se concentre unicamente nos indicadores econômicos”.
“Com a pressa de voltar a uma maior atividade econômica no final da ameaça da Covid-19, evitemos as pesadas fixações no lucro, o isolamento e o nacionalismo, o consumismo cego e a negação das evidências claras que denotam a discriminação dos nossos irmãos e irmãs ‘elimináveis’ em nossa sociedade”, ressaltou o Pontífice.
“Buscamos soluções que nos ajudem a construir um novo futuro baseado em condições de trabalho decentes e dignas que venham da negociação coletiva e promovam o bem comum”, expressou.
Jovens, migrantes, indígenas e pobres “não podem ser deixados de lado em um diálogo que também deveria reunir governos, empresários e trabalhadores”, assinalou o Papa voltando o seu olhar para as categorias sociais mais vulneráveis.
Quando se trata de igualdade de direitos, Francisco registrou uma preocupação especial com as mulheres, começando pelas vendedoras ambulantes e trabalhadoras domésticas, que sofrem o impacto do coronavírus em termos de “isolamento” ou “exposição extrema a riscos à saúde”.
“Sem creches acessíveis, os filhos dessas trabalhadoras estão expostos a um risco maior à saúde porque as mães devem levá-los para o local de trabalho ou deixá-los em casa sozinhos. É necessário assegurar que a assistência social chegue à economia informal e se preste especial atenção às necessidades particulares das mulheres e meninas”, ressaltou Francisco.
Ainda sobre as mulheres, ele denunciou as situações extremas que surgiram em vários países durante a pandemia. As mulheres “continuam clamando por liberdade, justiça e igualdade entre todos os seres humanos”, afirmou, avaliando que houve “melhorias notáveis no reconhecimento dos direitos das mulheres e na sua participação no espaço público”, mas ainda há muito a ser feito, pois “costumes inaceitáveis ainda não foram completamente erradicados”. Em primeiro lugar, a “violência vergonhosa” que resulta em maus-tratos familiares, escravidão ou na “desigualdade de acesso a empregos dignos e aos locais onde se tomam decisões”, constatou.
Indiferença egoísta
Para o Papa, “uma profunda reforma da economia” é urgente e necessária, porque “uma sociedade não pode progredir descartando”. O risco é o de “ser atacado por um vírus ainda pior que a Covid-19: o da indiferença egoísta”.
“Este vírus se propaga quando se pensa que a vida é melhor se for melhor para mim, e que tudo está bem se estiver bem para mim. Assim começamos e terminamos selecionando uma pessoa ao invés de outra, descartando os pobres, sacrificando aqueles que ficaram para trás no chamado ‘altar do progresso’. É uma verdadeira dinâmica elitista, de constituição de novas elites ao preço do descarte de muitas pessoas e povos”, apontou.
Em vez disso, a pandemia mostrou que “não há diferenças ou confins entre os que sofrem. Somos todos frágeis e, ao mesmo tempo, todos de grande valor. Que nos estremeça profundamente o que está acontecendo ao nosso redor. Chegou o momento de eliminar as desigualdades, de curar a injustiça que está minando a saúde de toda a família humana”.
Trabalho digno
Lembrando a crise de Wall Street e a Grande Depressão, em 1931, quando Pio XI falou contra a assimetria entre trabalhadores e empresários, Francisco também pediu proteção para os trabalhadores “do jogo da desregulamentação”. Ele espera que as normas jurídicas sejam orientadas “para o crescimento do emprego, do trabalho digno e dos direitos e deveres da pessoa humana”.
O Pontífice não esquece os trabalhadores dos chamados empregos “não standard”, sem proteção social e particularmente vulneráveis. Para eles, como para todos, uma única e simples ação é necessária: “Cuidado”.
“O trabalho que não cuida, que destrói a Criação, que põe em perigo a sobrevivência das gerações futuras e não respeita a dignidade dos trabalhadores não pode ser considerado digno. Ao contrário, o trabalho que se preocupa, contribui para a restauração da plena dignidade humana, ajudará a garantir um futuro sustentável para as gerações futuras”.
Toda empresa deve se perguntar cotidianamente “se ela cuida de seus trabalhadores”, diz Francisco. E junto com o cuidado, ele falou da cultura, ou melhor, das muitas culturas do mundo, começando pelas indígenas ou populares, muitas vezes marginalizadas, que se, em vez disso, se entrelaçassem, levariam ao enriquecimento.
“Acredito que é hora de finalmente nos livrarmos de uma herança que associou a palavra cultura a um certo tipo de formação intelectual e pertinência social. Cada povo tem sua própria cultura e nós devemos aceitá-la como ela é”, afirmou.
Ao final da mensagem, o Papa Francisco se dirigiu aos “atores institucionalizados do mundo do trabalho”. Ele falou aos políticos e governantes, pedindo-lhes que se inspirem “naquela forma de amor que é a solidariedade política”; falou aos sindicalistas e líderes de associações de trabalhadores, advertindo-os contra a corrupção e exortando-os “a não se deixarem fechar numa camisa de força”, mas “a se concentrarem nas situações concretas dos bairros e comunidades em que trabalham”. Falou, por fim, aos empresários que busquem a vocação de “produzir riqueza a serviço de todos” através da criação de oportunidades de trabalho diversificadas.
A eles, o Pontífice lembrou, como já mencionado na Encíclica Fratelli Tutti, que “junto com o direito da propriedade privada, existe o direito prioritário e precedente da subordinação de toda propriedade privada ao destino universal dos bens da terra e, portanto, o direito de todos ao seu uso”. A propriedade privada, reiterou o Papa, “é um direito secundário”, dependente do “direito primário, que é o destino universal dos bens”.