Papa condena guerras com base em ideologia colonialista

O Papa Francisco pediu à comunidade internacional para “continuar os esforços” para imunizar a população, combater a desinformação sobre a Covid-19 e acabar com o monopólio sobre as fórmulas de vacinas.

Durante tradicional discurso de início do ano, na segunda-feira (10), destacou que é “importante que os esforços continuem para imunizar a população o máximo possível”.

O líder da Igreja Católica tem se manifestado em diversas ocasiões a favor das campanhas de vacinação e agora volta a demandar “que as regras dos monopólios não constituam mais obstáculos à produção e a um acesso organizado e coerente aos tratamentos em nível mundial”.

Na Santa Sé, o Papa pronunciou-se diante de diplomatas de 183 países não só enfatizando a necessidade de vacinas anticovid para todos e a importância de ajudar os migrantes, como ainda pediu aos governos que recuperem o respeito pelo “multilateralismo” nos organismos internacionais e que se oponham à “colonização ideológica”, promovendo a “cultura do diálogo e da fraternidade” por meio da educação e do trabalho.

“O déficit de eficácia de muitas organizações internacionais também se deve às diversas visões entre seus membros sobre os objetivos que elas deveriam buscar. Não raro, o centro de interesse se deslocou para assuntos de natureza divisiva e não estritamente ligados à finalidade da organização, com agendas cada vez mais ditadas por um pensamento que renega os fundamentos naturais da humanidade e as raízes culturais que constituem a identidade de muitos povos”, disse o papa.

Segundo Francisco, isso é uma forma de “colonização ideológica que não deixa espaço para a liberdade de expressão e que hoje assume cada vez mais a forma da ‘cultura do cancelamento’, que invade muitos âmbitos e instituições públicas”.

“Infelizmente, cada vez mais constatamos como vivemos em um mundo de fortes contrastes ideológicos. Muitas vezes nos deixamos influenciar pela ideologia do momento, geralmente baseada em notícias sem fundamento ou em fatos pouco documentados”, disse.

“Em nome da proteção da diversidade, acaba-se por anular qualquer sentido de identidade, com o risco de calar as posições que defendem uma ideia respeitosa e equilibrada. Vai surgindo um pensamento único, perigoso, forçado a renegar a história ou, pior ainda, a reescrevê-la com base em categorias contemporâneas”, acrescentou.

“As agendas são cada vez mais ditadas por uma mentalidade que rejeita os fundamentos naturais da humanidade e as raízes culturais que constituem a identidade de muitos povos”, disse o Papa.

Vacinas para todos

Insistindo em que se prossiga o esforço para imunizar o máximo possível a população mundial, não obstante a desigualdade no acesso às vacinas, assinalou que estas não são “instrumentos mágicos de cura”, mas “a solução mais razoável para a prevenção do coronavírus”. E lançou uma crítica aos movimentos antivacinas: “Muitas vezes nos deixamos influenciar pela ideologia do momento, muitas vezes baseada em infundadas notícias ou em fatos pouco documentados”, especificou.

Francisco apelou aos governos e entidades privadas para que demonstrem “senso de responsabilidade, desenvolvendo uma resposta coordenada a todos os níveis (local, nacional, regional e global), através de novos modelos de solidariedade”. Nesse sentido, destacou o trabalho que estão fazendo os países da OMS (Organização Mundial da Saúde) para criar um instrumento internacional de preparação e resposta às pandemias, mas pediu também à Organização Mundial do Comércio e à Organização Mundial da Propriedade Intelectual que “adaptem seus instrumentos legais para que as regras de monopólio não constituam mais obstáculos à produção e acesso a tratamentos em todo o mundo”. Com estas palavras, o Papa referia-se aos direitos de propriedade das empresas farmacêuticas sobre as fórmulas de vacinas, que impedem assim a sua fabricação e distribuição por outras entidades.

Lembrando a sua mensagem para o Dia Mundial da Paz que se celebra em 1º de janeiro, o Papa Francisco enfatizou aos diplomatas a importância de se “promover a cultura do diálogo e da fraternidade” com a educação, através da qual se formam as gerações futuras “que são a esperança do mundo”.

“A educação gera cultura e constrói pontes de encontro entre os povos”, disse ainda, sublinhando que ultimamente poucos recursos são destinados à educação. Ele também alertou sobre os riscos que o uso indevido de tecnologias como a Internet pode significar, apontando que pode distanciar os jovens dos demais e da realidade que os cerca, alterando as relações sociais. Francisco sabe que estes riscos acontecem agora mais do que nunca com a pandemia e a obrigação dos jovens estudantes ficarem em casa, acompanhando as aulas apenas online durante meses.

Francisco frisou que todos os conflitos são favorecidos pela abundância de armas à disposição e, principalmente, de armas nucleares. Citando Paulo VI, recordou que quem possui armas acaba mais cedo ou mais tarde por usá-las, porque, “não se pode amar com armas ofensivas nas mãos”.

Mundo sem armas nucleares

“Um mundo sem armas nucleares é possível e necessário”, acrescentou o pontífice ao mencionar a X Conferência para a Revisão do Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares que estava prevista em Nova York e foi adiada devido à pandemia.

“A Santa Sé continua insistindo que as armas nucleares são instrumentos inadequados para responder às ameaças à segurança no século XXI e que sua posse é imoral”, afirmou.

“Seu uso, além de produzir consequências humanitárias e ambientais catastróficas, ameaça a própria existência da humanidade”, destacou.

Referindo-se ainda às armas, ressaltou que além das crises globais, há aquelas regionais, que se tornaram “conflitos intermináveis, que por vezes assumem a fisionomia de verdadeiras e próprias guerras por procuração (proxy wars)”, como as da Síria, Iêmen, Terra Santa, Líbia, Sudão, Sudão do Sul, Etiópia, Cáucaso e Myanmar.

“As desigualdades profundas, as injustiças e a corrupção endêmica, assim como as várias formas de pobreza que ofendem a dignidade das pessoas, continuam a alimentar conflitos sociais também no continente americano, onde as polarizações cada vez mais fortes não ajudam a resolver os problemas reais e urgentes dos cidadãos, sobretudo dos mais pobres e vulneráveis”, denunciou.