O colapso do mais extenso período de alta em Wall Street da história – 11 anos de ‘Bolha de Tudo’ – se confirmou na quinta-feira, com os principais índices mergulhando em quase 10%, e a derrubada se estendendo às bolsas do mundo inteiro.

Foi a maior perda do Dow Jones desde a Segunda-feira Negra de outubro de 1987, mesmo com o circuit breaker [interrupção automática da bolsa diante de queda abrupta] sendo acionado quase na abertura.

Como registrou o Wall Street Journal, o tombo “já apagou a maior parte dos ganhos do mercado de ações desde a eleição surpresa de Trump em novembro de 2016” (de 61%). No fechamento de quinta-feira, esse número havia sido reduzido para aproximadamente 11%.

“Pior dia em mais de trinta anos, apesar da dramática intervenção do Fed”, descreveu o Washington Post. “Bolsas quebram quando pandemia de pânico varre os mercados”, retratou a Reuters. “Ações caem 10% no pior dia do Dow desde 1987”, ressaltou o WSJ.

Nem mesmo o anúncio, pelo Federal Reserve, de injeção de US$ 1,5 trilhão “por perturbações incomuns” no mercado deteve a debandada.

Isso, no dia seguinte de o Fed ter ampliado para US$ 175 bilhões o socorro diário aos bancos no overnight e depois de ter cortado o juro em meio ponto percentual na primeira reunião de emergência desde o crash de 2008.

O que as “perturbações incomuns” têm a ver com “sólida forma dos bancos” alegada pelo executivo-chefe do Citibank, Michael Corbat, ao ser convocado na quarta-feira às pressas por Trump à Casa Branca?

“Não há crise financeira”, insistiu, tendo ao lado os capos do Goldman Sachs, do Bank of America e do Wells Fargo.

Também prosseguiu a débâcle do preço do petróleo, após a falta de acordo na Opep + entre a Arábia Saudita e a Rússia, com o Brent tendo a maior queda semanal desde 1991, contraindo mais 1,5% para US$ 32,74 por barril, depois de recuar mais de 7% na quinta-feira e em torno de 28% na semana. O WTI [um dos índices de referência do preço do petróleo] caiu mais 1,6%, para US$ 30,99 por barril, na pior semana desde 2008 (-25%).

Riad queria cortar a produção em 1,5 milhão de barris diários, além do que já vinha sendo cortado, enquanto Moscou era a favor de manter o mesmo patamar de corte em vigor, e esperar para ver o desenvolvimento da atual crise em termos concretos da demanda.

A proposta de corte saudita era o dobro da mais pessimista previsão da Agência Internacional de Energia, ligada à OCDE, sobre a quebra na demanda global.

Mas a questão subjacente da “guerra do petróleo” entre Moscou e Riad é se os bancos terão como arcar com derivativos: os especuladores que fizeram hedge contra um declínio acentuado no preço do petróleo. Na Segunda Feira Negra, as ações de alguns dos produtores americanos do fracking – já afundados em dívidas – caíram até 50%.

Pelo seu lado, o Fundo Nacional da Riqueza da Rússia deixou claro que possui reservas suficientes (mais de US$ 150 bilhões) para cobrir um déficit orçamentário de seis a dez anos – mesmo com o petróleo a US$ 25 por barril.

Na sexta-feira, a Equipe de Proteção de Mergulho – como jocosamente comentaristas se referem à interação do Fed com os maiores bancos e fundos para manipular o ‘mercado’ – havia levado a certa recuperação nos futuros.

Em Wall Street e demais cassinos, o capital fictício tem virado fumaça de uma forma assombrosa: o Dow desabou 9,99% na quinta-feira; o S&P 500, – 9,51%; e o Nasdaq, -9,43% na quinta-feira. Em um mês, perdas de US$ 14 trilhões nas bolsas do mundo inteiro, segundo a Reuters.

Na Europa, os índices que medem a especulação sofreram baixas históricas, superiores a 10%. A bolsa de Paris sofreu o pior resultado de sua história: -12,28% (no 11 de Setembro, -7,3%; no crash de 10 de outubro de 2008, -7,7%). Milão, sob quarentena, desabou 16,92%. Bolsa de Frankfurt: fechou em queda e 12,24%. Madrid: -14,06%. City londrina: fechou em queda de 10,87%.

Colapso também na Ásia. A Bolsa de Tóquio fechou em queda de 4,41%. Bolsa de Xangai: – 1,52.

No Brasil, a Ibovespa despencou 14,78%, pior queda em quase 22 anos, enquanto o dólar desembestou e os preços do petróleo recuaram. Os circuit breakers foram acionados duas vezes numa só sessão.

O Banco Central da União Europeia anunciou o lançamento de um pacote de estímulo para combater o choque econômico provocado pelo coronavírus, mas recusou cortar ainda mais os juros.

O estopim foi a desastrosa aparição de Trump na televisão na véspera para posar de comandante-em-chefe do combate ao coronavírus depois de ter subestimado a epidemia, a que se somou sua proibição de entrada nos EUA nos próximos 30 dias de qualquer pessoa procedente de 26 países da Europa, excetuando, numa discriminação condenada pela União Europeia, Inglaterra, Irlanda e outros.

Nem mesmo numa hora tão crítica, Trump conseguiu deixar de expor sua xenofobia: “este é o esforço mais agressivo e abrangente para enfrentar um vírus estrangeiro na história moderna”.

Como apontou o Post, o efeito da aparição foi “o oposto” do esperado.

O fiasco de Trump em seu ‘discurso à nação’ foi acertadamente descrito pelo Post como “dez minutos de telemprompter: por dentro da tentativa fracassada de Trump de acalmar os temores do vírus”.

Além de desencadear mais, não menos, ‘pânico’, deu um forte empurrão à recessão que se delineia – querendo ou não – com o veto aos europeus (menos britânicos e holandeses), jogou as atarantadas companhias aéreas ainda mais no fogo.

A explosão da Bolha de Tudo no colo de Trump em pleno ano eleitoral abre um flanco que ele não tinha até aqui. Trump havia tornado a especulação de Wall Street, a alta desenfreada dos mais diversos índices tóxicos, como a prova de que sua economia “Make America Great Again” estava funcionando.

Como registrou a ex-executiva e escritora Nomi Prins, até algumas semanas atrás o Dow havia aumentado em até 61% desde as eleições de 2016. “Em comparação, o crescimento médio anual do PIB ficou em torno de 2,5% ao ano”.

Já o WSJ registrou seu prognóstico de que a economia dos EUA poderá entrar em recessão no segundo trimestre, ao mesmo tempo em que aumentam as vozes, no mundo inteiro, alertando sobre a tendência.

Agora que o Titanic de Trump encalhou, vão começar a aparecer todos aqueles cadáveres que andavam escondidos nos desvãos de Wall Street, graças à alta desenfreada. Como registrou o New York Times, “algo estranho está acontecendo em Wall Street, e não é apenas a venda de ações”, com a volta do que chamou de “mercados obscuros”. O que deve ser uma forma poética de se referir a novos e velhos papeis podres.

A Reuters levantou outra questão, o “stress” nos mercados de derivativos cambiais, com a demanda por dólares tendo subido na quinta-feira para os níveis mais altos em anos.

“Em uma assustadora reminiscência dos dias sombrios da crise financeira de 2008, quando os bancos correram para garantir o financiamento em dólares em meio à apreensão do mercado de crédito, os spreads [ágios] dos swaps de três meses em dólar e iene eram os maiores desde 2017”.

Para o estrategista de câmbio da Societé Generale em Londres, Kenneth Broux, isso pode marcar uma mudança para o próximo estágio do ‘venda, venda!’, o que, assinala a Reuters, “pode significar o colapso mundial em ações e títulos mais arriscados dando lugar a uma corrida por dólares”.

Os spreads de swap cambial de três meses em euros/dólar saltaram para uma alta de 65 bps no final de 2017. Na quinta-feira, aumentaram quase 40 bps, o maior aumento em um único dia desde dezembro de 2008.

Os movimentos foram ainda maiores nos spreads de swap em ienes, onde os spreads de três meses atingiram o nível mais alto desde dezembro de 2017, a 89 bps, o dobro dos níveis de fechamento da véspera.

Mas já há sintomas dessa corrida, na medida em que empresas como a Boeing, imersa em uma crise, anuncia que irá pegar já a parcela restante do empréstimo de US$ 13,8 bilhões que fez. Ou companhias aéreas, empresas de varejo ou o setor de turismo, que são os mais afetados pelas medidas de contenção da epidemia, podendo vir a enfrentar problemas com o fluxo de caixa ou com o pagamento de dívidas contraídas durante os anos de boom.

Também o WSJ destacou que os especuladores “estão resgatando fundos de ações em ritmo quase recorde”: os únicos períodos em que houve saídas maiores foi em 2018, quando o Fed aumentou a taxa de juros, e na crise de 2008.