O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) publicou no domingo (3) os ‘Pandora Papers’ [Documentos Pandora], uma relação de autoridades e personalidades globais flagradas com contas em paraísos fiscais, usadas para evasão de impostos, lavagem de dinheiro e aquisição no exterior de mansões, iates e jatinhos, que classificou como a “mais abrangente exposição de segredos financeiros” que já veio a público.

Após análise de 11,9 milhões de documentos vazados, os Pandora Papers apontam entre os envolvidos o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, o rei da Jordânia Abdullah II, o primeiro-ministro da República Checa Andrej Babis, o presidente do Equador Guillermo Lasso, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky [que se elegeu prometendo combater a corrupção], o primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, o primeiro-ministro dos Emirados, Mohamed bin Rashid al Maktoum, o presidente do Congo, Denis Sassou-Nguesso, e o presidente do Gabão, Ali Bongo.

Do Brasil, são citados o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

São 35 presidentes e ex-presidentes, mais de 100 bilionários e mais de 300 funcionários públicos do mais alto escalão, de mais de 90 países. BBC, Washington Post, The Guardian, Le Monde, El País e mais 150 veículos de comunicação participaram da investigação da “máquina de dinheiro offshore”, que reuniu mais de 600 repórteres de 117 países.

Do Brasil, participaram o jornal Metrópoles, a revista Piauí, a Agência Pública e o portal Poder360.

“Entre os principais atores do sistema estão instituições de elite – bancos multinacionais, escritórios de advocacia e escritórios de contabilidade – com sede nos Estados Unidos e na Europa”, acrescenta a denúncia.

É extensa a lista da América Latina, que engloba, além dos já citados Guedes e Campos Neto (Brasil) e Lasso (Equador), o presidente da República Dominicana, Luis Abinader; os filhos do presidente do Chile, Sebastián Piñera; os ex-presidentes da Colômbia, César Gaviria e Andrés Pastrana; o ex-presidente de Honduras, Porfirio Lobo; os ex-presidentes de El Salvador, Alfredo Cristiani e Francisco Flores; ex-presidente do Paraguai, Horacio Cartes; o ex-presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski; os ex-presidentes do Panamá, Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares; e ex-primeiro-ministro do Haiti, Laurent Lamothe.

Castelo

Entre os casos arrolados, foi revelado que o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e sua esposa Cherie economizaram mais de US$ 400.000 durante a compra de uma casa avaliada em US$ 8,8 milhões por meio de uma empresa ‘offshore’ e que o primeiro-ministro da República Tcheca , Andrej Babis, que espera ser reeleito esta semana, transferiu US$ 22 milhões a empresas ‘offshore’ para adquirir um castelo na França.

Já o rei Abdullah II comprou 14 casas de luxo nos EUA e no Reino Unido no valor de mais de US$ 106 milhões por meio de empresas de fachada registradas em paraísos fiscais. Os filhos do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, compraram por essa via apartamentos de luxo em Londres. A família do presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta secretamente acumulou ativos avaliados em mais de US$ 30 milhões por ano, às escondidas do escrutínio público.

Apesar de seu nome não aparecer nos arquivos vazados, jornais como o Washington Post e o The Guardian resolveram incluir o presidente russo Vladimir Putin por conta e risco, alegando supostas “riquezas ocultas do círculo íntimo do presidente”, incluindo “seu melhor amigo de infância, o falecido Pyotr Kolbin”.

O Kremlin respondeu na segunda-feira que não viu “nenhuma riqueza oculta do círculo interno de Putin” no vazamento do ICIJ. “A única coisa que realmente se destaca é a demonstração de qual Estado é o maior off-shore e violador fiscal do mundo, naturalmente, os EUA”, declarou o porta-voz Dmitri Peskov.

EUA

“Nós, nos Estados Unidos, deveríamos ter vergonha de nos tornarmos um ímã para fundos cleptocráticos”, disse Chuck Collins, diretor do Programa de Desigualdade e Bem Comum do Institute for Policy Studies, sobre os Pandora Papers.

O presidente-executivo da Tax Justice Network [Rede de Justiça Tributária], Alex Cobham, chamou a atenção de que é preciso ir além de apontar os que tiram proveito dos paraísos fiscais e denunciou a “transformação do sistema tributário global em um caixa eletrônico para os super-ricos”, pela qual responsabilizou “os facilitadores profissionais – bancos, escritórios de advocacia e contadores – e os países que os facilitam.”

Os Pandora Papers confirmam que os EUA são “o maior vendedor ambulante de sigilo financeiro do mundo”, registrou Cobham. “Os maiores obstáculos à transparência são os EUA … e o Reino Unido, o líder da maior rede de paraísos fiscais do mundo”, acrescentou.

Ele observou que “precisamos de total transparência para que possamos responsabilizar os sonegadores de impostos, especialmente quando nossos políticos estão entre eles. O presidente Biden dos EUA deve corresponder à sua própria retórica sobre o fechamento do financiamento ilícito global e começar com o maior infrator – seu próprio país.”

Como assinalou o portal Common Dreams, “conspicuamente ausente dos Pandora Papers está qualquer menção às pessoas mais ricas dos Estados Unidos, incluindo Bill Gates, Elon Musk, Warren Buffett e Jeff Bezos – o homem mais rico do mundo”. Para o Washington Post a explicação seria que “os super-ricos nos Estados Unidos tendem a pagar taxas de impostos tão baixas que têm menos incentivos para procurar paraísos offshore”.

“Os paraísos fiscais custam aos governos em todo o mundo US $ 427 bilhões a cada ano”, afirmou Susana Ruiz, da Oxfam International, em comunicado. “Isso é o equivalente ao salário anual de uma enfermeira a cada segundo de cada hora, todos os dias. Os contribuintes comuns têm que juntar os pedaços. Os países em desenvolvimento estão sendo os mais atingidos, proporcionalmente. Os paraísos fiscais também ajudam o crime e a corrupção a florescer.”

E concluiu: “é aqui que estão nossos hospitais desaparecidos, os envelopes de pagamento de todos os professores extras, bombeiros e funcionários públicos de que precisamos”.