Trabalhadores protestam em frente ao palácio presidencial: “Piñera tenta justificar o injustificável”

O informe que trouxe à tona os denominados Pandora Papers divulgado no domingo (3) pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), revela que em 2010, durante seu primeiro governo, o presidente Sebastián Piñera agiu criminosamente, em benefício próprio e da família.

A revelação desencadeou uma onda de protestos que vão desde a intervenção do Ministério Público até uma acusação constitucional, com pedido de impeachment.

Os Pandora Papers identificam Piñera e seu sócio e amigo íntimo Carlos Alberto Délano fechando uma transação de compra e venda de ações por US$ 152 milhões. Do total, enquanto US$ 14 milhões foram pagos no Chile, outros US$ 138 milhões foram desembolsados no paraíso fiscal das Ilhas Virgens – olimpo de crimes de lavagem de dinheiro e sonegação – para evitar o pagamento de impostos, uma transação completamente incompatível e repleta de tráfico de influência.

Conforme apurado, a venda de 33% das ações do projeto Mineiro-Portuário Dominga, pertencente a Piñera, sua esposa e filhos, estava condicionada a de que não houvesse mudanças regulatórias que lhe trouxessem dor de cabeça. Nos documentos obtidos pelo ICIJ, seus quatro filhos reconhecem que a origem dos bens declarados nas Ilhas Virgens Britânicas é produto das doações que receberam de seu pai, cuja fortuna é avaliada em mais de US$ 2,9 bilhões (R$ 15,75 bilhões).

A negociata já havia motivado uma investigação pelo Congresso chileno que concluiu que era possível, pelo menos, supor que Piñera “procurou beneficiar a mineradora Dominga”.

O setor de La Higuera e Punta de Choros, onde se previa a instalação da mineradora Dominga, é adjacente à Reserva Nacional Pingüino de Humboldt, um conjunto de oito pequenas ilhas habitadas por espécies protegidas.

O pagamento seria dividido em três cotas e é precisamente a última parcela que explicita com mais clareza o crime. Com vencimento em 31 de dezembro de 2011, dependia de que o governo não criasse uma área de proteção ambiental na região onde seriam instaladas a mina e seu porto, no Pacífico. Essa decisão cabia a Piñera, que àquela altura já era presidente. A área não foi tombada para proteção e Délano efetuou o pagamento.

“Piñera sonega impostos em paraísos fiscais, esconde informações e, como sempre, coloca seu interesse pessoal acima do bem comum. Qualquer semelhança com seus candidatos não é mera casualidade”, afirmou Gabriel Boric da coalizão Apruebo Dignidad, formada pela Frente Ampla e pelo Partido Comunista, e favorito nas pesquisas à presidência do Chile, cujas eleições serão em 21 de novembro.

Segundo Boric, desde a coalizão estão sendo estudadas “as ações legais, constitucionais e jurídicas procedentes para poder fazer valer à responsabilidade que cabe neste escândalo nacional e internacional”. “O que ficou claro é que há informação nova que estava oculta: houve venda em paraíso fiscal e os paraísos fiscais são evidentemente para sonegação de impostos. Também havia a condição estabelecia que a terceira parcela do pagamento iria ser realizada somente caso não houvesse mudanças na legislação ambiental que inibissem ou dificultassem o andamento do projeto”, acrescentou. “Dominga é um projeto de mineração que vai destruir um ecossistema único não só na região, mas no mundo, como o Arquipélago de Humboldt. Além de privilegiar o interesse pessoal, além de sonegar impostos, está destruindo um patrimônio que não é apenas dos chilenos”, condenou.

A candidata Yasna Provoste, do partido Democrata Cristão (DC), que representa o que resta da Concertación que governou duas décadas o país após o fim da ditadura sob a coalizão da Unidade Constituinte, junto com o PS, PPD e Partido Radical, entre outros, também decidiu elevar o tom. “O Chile exige total transparência. É inconcebível que um presidente aja em seu próprio benefício, impedindo a proteção ambiental em La Higuera, para garantir uma renda pessoal com a Mineradora Dominga. Não é crível que o presidente Piñera não soubesse de um negócio milionário entre sua família e seu melhor amigo”. “Este é o governo de Sebastián Sichel. Piñera era seu chefe e ele sua continuidade. O que pensará o candidato do La Moneda sobre os Pandora Papers? Ele também vai demorar quatro dias para responder, esperando que os arquitetos de sua candidatura e seus financiadores ditem a resposta?”, condenou Yasna, frisando que “não é a primeira vez que um representante da direita é surpreendido fazendo negócios em paraísos fiscais”.

Diante da avalanche de denúncias, até mesmo o candidato de direita que, embora seja independente, tem o apoio dos partidos do governo (UDI, RN, Evópoli) e do próprio Piñera, tentou se afastar ao máximo e tirar o corpo fora do seu até então mentor. “Em relação ao #PandoraPapers, os cidadãos nos pedem total transparência. E, nesse caso, é preciso ir além do legal e dar todos os esclarecimentos necessários”, escreveu no seu Twitter.

“Estamos em frente ao Palácio de La Moneda no exato momento em que o empresário Sebastián Piñera se encontra justificando o injustificável. Justamente quando mais de nove mil funcionários da Saúde são despedidos supostamente pela falta de recursos. Estamos aqui para manifestar nossa indignação como classe trabalhadora durante de um presidente que utilizou o aparato do Estado fundamentalmente como uma filial a mais de suas empresas”, denunciou o secretário-geral da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) do Chile, Eric Campos.

De acordo com o vice-presidente da CUT, Juan Moreno, “é visível que mais uma vez Piñera e sua família quiseram vender nosso país; mais uma vez esconderam o dinheiro em paraísos fiscais; mais uma vez a corrupção da política toma conta do palácio de La Moneda”.

Apesar do impacto ambiental, conforme os números oficiais, a Mineradora Dominga planeja produzir 12 milhões de toneladas de ferro e 150 mil toneladas de cobre anualmente durante 26 anos e meio.