Pandemia e recessão: PIB da União Europeia cai 11,9% no 2º trimestre
Sob impacto da pandemia de Covid-19, a União Europeia entrou em recessão no segundo trimestre de 2020, após contração de 3,2% no primeiro trimestre e de 11,9% no segundo, enquanto na zona do euro – que engloba os 19 países que adotam o euro -, o recuo no PIB foi de 12,1%. De acordo com o Eurosat – o equivalente europeu do IBGE – “de longe” esta é a maior contração desde o início da série histórica, em 1995.
Com vários países europeus sofrendo elevado número de mortes e com contágios em descontrole, no esforço para deter a disseminação do coronavírus todas as atividades não essenciais foram interrompidas, o que acabou afetando até mesmo os países em que o pedágio cobrado pela covid-19 não foi tão destrutivo.
Antes mesmo do coronavírus, a região já estava em estagnação, com o crescimento econômico em 2019 limitado a 0,1% (zona do euro) e 0,3% (Europa dos 27). Na França, a recessão começou no quarto trimestre do ano passado e nesse mesmo período o crescimento na Alemanha, revisado, foi de 0%.
O maior recuo ocorreu em abril, quando foi necessário apertar as medidas de quarentena adotadas em março, até a curva de contágio estabilizar e depois decrescer. Como visto nas cenas dramáticas das grandes cidades europeias, como Madri, Milão e Berlim, de ruas desertas. Ou a Torre Eiffel fechada.
Na zona do euro, os números do PIB no segundo trimestre, em relação ao primeiro, mostraram que o maior declínio ocorreu na Espanha, com -18,5%, apagando toda a recuperação econômica dos últimos seis anos, pós-Troika. Seguida por Portugal (-14,1%); França (-13,8%); Itália (-12,4%); Bélgica (-12,2%); Áustria (-10,7%); Alemanha (-10,1%) e República Checa (-8,4%).
Quando a comparação é com igual período do ano passado, o recuo no PIB é ainda mais contundente. Queda de 14,4% no conjunto da União Europeia e de 15% na zona do euro. A Espanha chegou a retroceder 22,1%; a França -19%; a Itália -17,3%; Portugal -16,5%; Bélgica -14,5%; Áustria -13,3% e Alemanha -11,7%.
O confinamento foi a decisão possível, quando a Itália, França e Espanha se tornavam recordistas mundiais em mortos pelo coronavírus, triste liderança depois assumida pelos EUA, e a Covid-19 ameaçava se estender a todo o Velho Continente.
Países, como a Suécia, que se negaram a aplicar o distanciamento social, nem por isso escaparam da derrapada na economia. No início de julho, o total de mortos pela Covid na Europa ia a 200 mil, com quase a metade na Itália, França e Espanha.
Em maio e junho, à medida que o confinamento foi sendo amenizado, a economia iniciou um processo de reabertura, que será frágil e sujeito a retrocessos enquanto não estiver disponível uma vacina.
A França é um bom exemplo do que aconteceu um pouco em cada canto da Europa. Com os bloqueios e as restrições de viagem que afetam o turismo internacional, a queda no setor de transportes na França foi de quase 46% e de 57% no setor de restaurantes e hotéis.
A suspensão geral de obras fez com que a construção civil encolhesse 26,2%. Os gastos das famílias registraram uma queda de 11% no segundo trimestre, depois de uma redução de 5,8% no primeiro. As exportações despencaram 25,5% no segundo trimestre e as importações, 17,3%.
Apoios emergenciais
Os programas de apoio aos trabalhadores, às famílias e às pequenas e médias empresas na Europa em geral, e na zona do euro em particular, conseguiram fazer com que a contração fosse menos traumática. O que se refletiu nos índices de desemprego – bem diferente do que aconteceu nos Estados Unidos, com milhões demitidos aos borbotões. Cujo principal elemento foi o pagamento de salário subsidiado pelos governos europeus, desde que as empresas não demitissem.
As ajudas públicas nacionais autorizadas em razão da pandemia já superam os dois trilhões de euros, mas quase metade disso foi concedida pela Alemanha às suas empresas, enquanto as ajudas oferecidas pela quarta maior economia do bloco, a Espanha, por exemplo, não chegam a 4% do total.
Na semana passada, o Banco Central Europeu (BCE) prolongou a recomendação aos bancos para que não paguem dividendos até o dia 1º de janeiro de 2021, que anteriormente se encerraria em outubro.
“Esta recomendação atualizada sobre a distribuição de dividendos permanece temporária e excepcional e visa preservar a capacidade dos bancos de absorver perdas e apoiar a economia neste ambiente de incerteza excepcional”, sublinhou o BCE.
Em ações anteriores em março, o BCE elevara para 1,1 trilhão de euros seu programa de compra de ativos e títulos soberanos, sem o que vários bancos soçobrariam. Também cortou para -0,75% a taxa de empréstimos baratos para os bancos (TLTRO) e afrouxou as regras de capital. Também suspendeu os limites de empréstimo dos governos europeus, possibilitando uma linha emergencial de crédito no valor de 2% do PIB.
Com o relaxamento das medidas de quarentena, a economia vem sendo reativada, depois de enormes sequelas. Na Alemanha, um dos países que melhor passou pela fase aguda da pandemia, de acordo com pesquisa do Instituto UFO de Munique, 1 em cada 5 empresas está vendo sua existência ameaçada pelo coronavírus. A seguradora de crédito Euler Hermes prevê uma “onda sem precedentes de falências”, que também se aproxima da Alemanha.
O turismo, uma das principais fontes de receita de vários países europeus, não se sabe como vai ficar. As montadoras e a Airbus já anunciaram enormes cortes de pessoal. Ainda há muito chão até voltar ao mesmo patamar econômico anterior.
A União Europeia aprovou no dia 21 de julho um Fundo de Recuperação pós-pandemia de 750 bilhões de euros, depois de um grande embate entre os países mais atingidos pela epidemia e os chamados “frugais” sobre a concessão de subsídios para a superação da devastação econômica provocada pela covid-19.
Os ‘frugais” – Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca – recusavam qualquer ajuda que não fosse na condição de empréstimo, e sob condições leoninas.
A Alemanha marchou junta com a França, Itália e Espanha, apesar de tradicionalmente se opor a qualquer mutualização de dívida. Já o orçamento da UE para 2021-2027 ficou em 1,074 trilhão de euros.
Na declaração conjunta dos chefes de Estado e governo presentes, estes sacramentaram o chamado ‘Plano Marshall da Europa’ como um “pacote ambicioso e abrangente, que combina o orçamento clássico com um esforço extraordinário de recuperação destinado a combater os efeitos de uma crise sem precedentes no melhor interesse da UE”. Um “salto qualitativo na solidariedade europeia”, definiu o vice-presidente da Comissão Europeia, o espanhol Josep Borrell.
Os “frugais” – mais apropriadamente tachados de “sovinas” – acabaram aceitando a constituição desse fundo de 750 bilhões, dos quais 390 bilhões são em subsídios a fundo perdido e 310 bilhões em empréstimo. A Comissão Europeia emitirá títulos para levantar esses recursos, na primeira vez que isso é feito, dívida que será paga por todos, proporcionalmente à sua economia, até 2058.
A Itália tinha colocado a questão nos seguintes termos: se numa situação como a pior pandemia em 100 anos a UE não tem serventia, para que servirá? Na hora mais dura, foram China, Rússia e Cuba que socorreram a Itália. Enquanto países europeus disputavam a tapa suprimentos e medicamentos, inclusive confiscando respiradores alheios nas escalas de voo,
Num dos momentos mais tensos durante as negociações, o primeiro-ministro Giuseppe Conte encarou o chefe de governo holandês Mark Rutte e lhe disse: “você pode ser um herói em seu país por alguns dias, mas em algumas semanas será responsabilizado por todos os cidadãos europeus por bloquear uma resposta europea adequada e eficaz”.
Entre os dois mecanismos do novo fundo, a Itália receberá 209 bilhões de euros. Recursos com os quais, apontou Conte, “nós temos a possibilidade de fazer a retomada na Itália com força e mudar a face do nosso país. Estamos satisfeitos porque aprovamos um plano de retomada ambicioso e adequado para a crise que estamos vivendo. Nós conseguimos isso protegendo a dignidade do nosso país e a autonomia das instituições comunitárias”.
Ter abandonado a Itália também traria o risco colateral de perigosamente inflar Salvini e sua Liga neofascista.
Para o primeiro-ministro português Antonio Costa, “o passo mais importante” é os 27 terem assumido, “pela primeira vez e em conjunto, esta emissão de dívida para financiar um programa de recuperação e o programa de recuperação ter uma dimensão suficientemente robusta para responder àquelas que são as atuais estimativas sobre o impacto da crise econômica na Europa”.
A Espanha receberá 140 bilhões do Fundo de Recuperação, dos quais 72,7 bilhões serão em subsídios. Como parte do acordo, os “frugais” obtiveram um desconto nas suas contribuições financeiras para a UE, de pouco mais de 26 bilhões de euros ao longo de sete anos.
O resultado foi comemorado pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pela primeira-ministra alemã Ângela Merkel e pelo presidente Emmanuel Macron. Um “dia histórico para a Europa”, comemorou. Dirigindo-se aos franceses disse que o acordo “protege sua renda por sete anos!” “Tivemos sucesso em mudar uma coisa fundamental nesta ocasião, juntos, com base em uma iniciativa que é emprestar em comum e ter um mecanismo verdadeiro de transferências orçamentárias e de solidariedade, que nunca existiu antes”, enfatizou.
Merkel – que foi a fiadora do acordo – asseverou que foram estabelecidas “as bases financeiras para a UE pelos próximos sete anos e demos uma resposta à maior crise da União Europeia”.
Críticos consideram que o acordo não resolve os problemas de fundo da zona do euro, o que é a absoluta verdade. Os países mais afetados – Itália, Espanha e França – estariam em situação muito melhor se pudessem recorrer aos próprios bancos centrais para financiarem a reconstrução, ao invés de estarem amarrados sob a dívida do euro.
Defensores do “acordo histórico” assinalam que o que se trata agora é de enfrentar a situação emergencial em curso, onde o central é proteger a subsistência da população e manter as empresas, cuidar da saúde e deter a pandemia. E, na sequência, barrar intentos de que aproveitem a pandemia para precarizar ainda mais os direitos – como já alardeiam na OCDE. Reindustrializar, para não passar de novo pelo vexame de precisar trazer de fora um respirador ou um antiviral. E – acrescentam – estar de prontidão para barrar o “freio de emergência” embutido no pacote, caso seja acionado por governos amigos dos bancos. E fazer isso sem deixar gente da laia de Salvini se criar.