Na noite de 9 de julho de 2024, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em parceria com a Fundação Maurício Grabois, deu continuidade à série de debates do Painel “Cidades Democráticas, Mais Humanas e Sustentáveis”. O evento, que ocorre de 8 a 11 de julho, sempre às 18h30min, trouxe como tema central desta segunda live a “Reforma Urbana, Trabalho e Renda”. A sessão contou com a participação de figuras importantes como Getúlio Vargas, presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam); Zeca Pires, advogado e membro da ADJC-SP; Germana Pires, arquiteta e presidenta do Instituto de Planejamento de Palmas-TO; e Nilton Vasconcelos, doutor em Administração Pública e ex-secretário do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Governo do Estado da Bahia. A coordenação ficou a cargo da vereadora Giovana Mondardo, de Criciúma.

A vereadora Giovana Mondardo abriu a sessão explicando a motivação por trás do painel. “Com o objetivo de subsidiar as nossas candidaturas comunistas espalhadas por todo o Brasil, planejamos esta série de debates para oferecer ideias para a construção de gestões públicas comprometidas com a construção de cidades democráticas mais humanas e sustentáveis, nas quais o povo possa ter uma vida melhor e digna”, disse a vereadora. Ela destacou que o evento está dividido em quatro temas fundamentais: educação e saúde, reforma urbana e mobilidade, meio ambiente e saneamento, e direitos sociais e civis.

Leia também: Cidadania plena e inclusiva é tema do Painel Cidades Democráticas
Painel Cidades Democráticas: a mudança climática entra na pauta eleitoral
PCdoB debate saúde e educação nas cidades


Assista a íntegra do painel:

José Carlos Pires: Segurança pública integrada e democrática

Pires abordou a importância da participação dos municípios na segurança pública. Em sua fala, destacou o papel crucial dos municípios na elaboração e execução de políticas públicas integradas e articuladas com o Estado e a União para enfrentar a violência e a criminalidade.

Ele iniciou seu discurso contextualizando a violência no Brasil, relacionando-a com o desenvolvimento histórico do país. “A violência no Brasil tem raízes no modelo de desenvolvimento feudal e escravocrata da sociedade brasileira, e na urbanização desordenada das cidades,” afirmou. Ele também mencionou a influência de fatores como patriarcado, machismo e profundas desigualdades sociais e econômicas, que se manifestam de diferentes formas em grandes centros urbanos e pequenas cidades do interior.

Crime organizado e crimes urbanos

O advogado diferenciou entre o crime organizado, com destaque para facções como o PCC e o Comando Vermelho, e os crimes urbanos, como homicídios, violência contra as mulheres, roubos, furtos e estelionato. “O crime organizado não está presente apenas nos grandes centros, mas também em pequenas e médias cidades, muitas vezes com caráter transnacional,” explicou. Pires ressaltou que os crimes urbanos alimentam e são alimentados pelo crime organizado, criando um ciclo de violência que deve ser enfrentado de forma sistêmica.

Segundo ele, a segurança pública deve ser tratada como uma política transversal, conectada a outras áreas como saúde, educação, moradia, meio ambiente e mobilidade urbana. “A segurança pública é uma política transversal porque ela conecta com as demais políticas públicas. O todo envolve também as políticas sociais e a participação da sociedade no enfrentamento da violência e da criminalidade,” defendeu.

Pires enfatizou a importância de tratar a segurança pública no contexto dos artigos 144 e 6º da Constituição Federal. “Segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, para garantir a ordem pública, o patrimônio e a vida. Mas a ordem pública numa região urbanizada é diferente de uma periferia desprovida de políticas sociais. A segurança pública precisa ser tratada como um direito social e não apenas como garantia da ordem pública,” argumentou.

Participação dos municípios

O advogado destacou a importância da participação dos municípios na segurança pública, integrados com o Estado e a União. Ele defendeu que os municípios devem focar na prevenção da violência e da criminalidade, utilizando ferramentas como a regulação do funcionamento das cidades, oferta de espaços públicos para convívio social, políticas sociais de habitação, esporte, cultura e lazer, e a melhoria da iluminação pública.

Pires também discutiu o papel das guardas municipais, defendendo que elas devem atuar na prevenção, e não na repressão. “As guardas municipais devem ser parceiras da comunidade, contribuindo para a evolução social e garantindo os direitos humanos. Elas não devem assumir o papel da polícia militar, mas sim trabalhar na ronda escolar, patrulha Maria da Penha, patrulha ambiental, e na relação direta com a comunidade,” afirmou.

Para finalizar, ele ressaltou a necessidade de recursos para financiar a participação dos municípios na segurança pública. Ele sugeriu um diálogo com deputados federais e estaduais para viabilizar emendas parlamentares e projetos junto aos governos estaduais e federal. “Precisamos de recursos para investir na política de segurança pública, visando a construção da paz social nos territórios. A vida de cada um de nós se materializa nos territórios de cada cidade,” concluiu.

Getúlio Vargas: Direito à moradia como pilar para democracia e sustentabilidade das cidades

Getúlio Vargas, presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), destacou a interligação entre moradia, direito à cidade, mobilidade e segurança pública. Ele enfatizou que os problemas enfrentados pelas cidades brasileiras são fruto da forma como foram desenvolvidas historicamente e da luta contínua pela moradia digna.

Getúlio Vargas iniciou sua fala lembrando a importância da moradia na construção de cidades mais justas e democráticas. “A luta pela moradia é histórica e fundamental no Brasil. Desde a Constituição de 1988, com os artigos 182 e 183, temos batalhado pela implementação de políticas públicas que garantam o direito à cidade,” afirmou Vargas. Ele mencionou o primeiro projeto de lei de iniciativa popular do Brasil, a Política Nacional de Habitação de Interesse Social, que só se tornou lei em 2005, no governo Lula.

Mobilização durante a pandemia

Durante a pandemia, a mobilização dos movimentos de moradia foi crucial para evitar despejos em massa. A campanha Despejo Zero, uma articulação de movimentos sociais, advogados populares e partidos políticos, conseguiu evitar que mais de um milhão de famílias fossem despejadas. “Essa foi uma das maiores mobilizações de massa da reforma urbana nos últimos tempos. Conseguimos, através da ADPF 828 no STF, impedir que milhares de famílias fossem despejadas durante a pandemia,” destacou Vargas.

Vargas destacou a importância da retomada do programa Minha Casa Minha Vida e a construção de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, conforme previsto no programa do governo Lula. “Desde o início dos anos 2000, com a contribuição dos comunistas e a criação do Estatuto da Cidade, avançamos muito na construção de políticas setoriais. Agora, precisamos fortalecer esse legado e garantir que essas políticas cheguem às comunidades de forma efetiva,” explicou.

Desigualdade e função social da cidade

A desigualdade na distribuição de recursos e serviços públicos entre regiões centrais e periféricas das cidades também foi abordada. “Vivemos em cidades divididas. Nas regiões centrais, temos bons serviços e uma sensação de segurança. Nas periferias, faltam equipamentos públicos e serviços essenciais,” afirmou Vargas. Ele ressaltou a importância de garantir que a cidade cumpra sua função social, utilizando instrumentos do Estatuto da Cidade para desapropriar áreas ociosas e destiná-las à moradia de interesse social.

Vargas defendeu a necessidade de regularização fundiária e a melhoria das condições de habitabilidade das comunidades existentes. “Temos um déficit habitacional de mais de 7 milhões de moradias. Não se trata apenas de construir novas casas, mas de regularizar e melhorar as condições das comunidades existentes,” argumentou. Ele destacou a importância do diálogo com as comunidades e da participação social na construção das políticas urbanas.

Eleições de 2024 e 2026

Para concluir, Vargas destacou a importância das eleições de 2024 como um momento crucial para fortalecer a luta pelo direito à cidade e preparar o terreno para as eleições de 2026. “Precisamos eleger vereadores, vereadoras, prefeitas e prefeitos comprometidos com o direito à cidade e com a moradia digna. A eleição de 2024 é a antessala do que vai acontecer no Brasil em 2026,” concluiu Vargas.

A fala de Getúlio Vargas reforça a necessidade de uma abordagem integrada e democrática para enfrentar os desafios urbanos no Brasil, destacando a moradia como um direito fundamental e um pilar essencial para a construção de cidades mais justas, humanas e sustentáveis.

Germana Pires: o direito à mobilidade urbana

Germana Pires destacou a interconexão entre mobilidade urbana, moradia e planejamento urbano, sublinhando como essas áreas são fundamentais na construção de cidades mais justas e democráticas.

Germana iniciou sua apresentação ressaltando a segregação urbana, onde trabalhadores são muitas vezes empurrados para as periferias, longe dos centros urbanos. Esta exclusão não só afeta a moradia, mas também a mobilidade urbana. “Mobilidade e tempo são recursos escassos”, afirmou, enfatizando que as longas distâncias para deslocamento consomem tempo valioso, dificultando o acesso a empregos, lazer e serviços públicos.

A importância do planejamento integrado

Ela argumentou que a garantia do direito à cidade, que inclui moradia e mobilidade urbana, depende de um planejamento integrado. Para a urbanista, um dos maiores desafios das cidades brasileiras é justamente essa integração, onde sistemas de transporte eficientes, acessíveis e seguros são cruciais para minimizar desigualdades.

No Brasil, a infraestrutura de transporte frequentemente é inadequada, com tarifas altas e serviços inacessíveis para a população. “A infraestrutura de transporte é deficitária”, pontuou, ressaltando que isso compromete a qualidade de vida e o direito à cidade. Germana explicou que a mobilidade urbana não se resume a transportes, mas à capacidade de se deslocar na cidade de forma rápida e eficiente.

Priorização de modos de transporte sustentáveis

A Política Nacional de Mobilidade Urbana estabelece uma pirâmide de prioridades, onde pedestres e ciclistas estão no topo. Germana destacou que “todos somos pedestres” e que a infraestrutura deve refletir essa realidade, promovendo modos de transporte não motorizados e coletivos em detrimento do transporte individual motorizado.

A mobilidade urbana sustentável deve ser planejada de forma participativa, com base em pesquisa e evidências. A política atual busca promover modos de transporte ativo e coletivo, desestimulando o uso do transporte motorizado individual. “A infraestrutura deve desestimular o uso do transporte individual motorizado”, disse, propondo uma cidade mais eficiente e sustentável.

Medidas estruturantes e comportamentais

A arquiteta elencou três tipos de medidas para alcançar uma mobilidade sustentável: estruturantes, comportamentais e regulatórias. As medidas estruturantes envolvem melhorias físicas e operacionais, enquanto as comportamentais focam em mudanças culturais e conscientização. Já as regulatórias buscam desestimular o uso de transporte individual motorizado através de taxações e restrições.

O planejamento urbano deve ser pensado de forma integrada com a mobilidade, promovendo bairros completos que reduzam a necessidade de longos deslocamentos. “O planejamento urbano precisa ser pensado, integrado com o sistema de mobilidade”, afirmou Pires, destacando que a infraestrutura urbana deve promover a eficiência do transporte público e a sustentabilidade.

Prioridades para a mobilidade urbana

Para finalizar, ela apresentou cinco prioridades para garantir o direito à mobilidade urbana:

  1. Fortalecer a Gestão Pública: Instituir mecanismos de governança participativa baseados em evidências e pesquisa.
  2. Tornar o Transporte Público Eficiente: Reformular a regulação para garantir eficiência e atratividade do transporte coletivo.
  3. Assegurar a Mobilidade Ativa: Integrar modos de transporte diversos, promovendo a mobilidade ativa e sustentável.
  4. Desincentivar o Transporte Individual: Implementar estratégias para reduzir a dependência do carro.
  5. Valorizar os Espaços Públicos: Integrar e valorizar espaços públicos com infraestrutura adequada para lazer e mobilidade.

Germana Pires concluiu que, para construir cidades democráticas e sustentáveis, é essencial um planejamento urbano que promova a mobilidade eficiente e igualitária. “A mobilidade urbana é um direito constitucional”, lembrou, destacando que este deve ser um dos focos principais das políticas urbanas futuras.

Nilton Vasconcelos:

Nilton Vasconcelos, durante uma palestra, ressaltou a importância de aprofundar o debate político nas eleições municipais, sublinhando a necessidade de abordar problemas concretos que afetam a população. “Esses debates tornam as eleições mais relevantes, afastando o caráter personalista e focando em questões objetivas”, afirmou.

Vasconcelos destacou a diversidade das cidades brasileiras, com diferentes portes e complexidades. Ele frisou que as ideias apresentadas devem ser adaptadas a cada realidade local, provocando discussões que aprofundem a construção de propostas baseadas em necessidades concretas.

Impacto das políticas macroeconômicas

Mesmo com a influência de fatores macroeconômicos e a economia global nas políticas de trabalho, Vasconcelos acredita na possibilidade de avançar em políticas públicas municipais nesse âmbito. “Precisamos desenvolver políticas públicas municipais, mesmo diante de restrições estruturais”, disse ele.

O palestrante mencionou a crise do neoliberalismo, que busca maximizar a exploração da força de trabalho, restringindo liberdades democráticas e manipulando a opinião pública com fake news. Ele destacou a importância de resistir a essas tendências para construir políticas municipais eficazes.

Políticas públicas municipais de trabalho e renda

O gestor público apresentou dois focos principais para políticas municipais: “mais e melhores empregos” e “mais oportunidades de ocupação e renda”. Ele enfatizou a importância de intermediação de mão de obra e qualificação profissional, e o papel das políticas municipais na promoção de empregos formais e de qualidade.

A promoção de uma agenda de trabalho decente é crucial. Isso inclui a erradicação do trabalho escravo e infantil, a redução de acidentes de trabalho, a promoção da igualdade de gênero e raça, e a valorização do trabalho doméstico. “Precisamos criar condições benéficas e promover a conscientização para combater a precarização do trabalho”, disse o administrador.

Desenvolvimento local e economia solidária

Vasconcelos destacou a importância do desenvolvimento local para gerar ocupação e renda, promovendo o uso das compras públicas para fortalecer a economia local e apoiar a agricultura familiar. Ele também mencionou a necessidade de apoiar trabalhadores de cuidados e incentivar plataformas de transporte alternativas. “O cooperativismo e a economia solidária são caminhos para uma ocupação digna e geração de renda”, afirmou.

Nilton Vasconcelos concluiu destacando a importância de debates políticos que abordem questões concretas e contribuam para a construção de políticas públicas eficazes. Ele enfatizou a necessidade de adaptar as propostas à realidade de cada cidade e de promover uma agenda de trabalho decente e desenvolvimento local para melhorar a qualidade de vida da população.

Assista ao próximo painel sobre Meio Ambiente: Cidades Resilientes e Sustentáveis: