Bombardeio de Belgrado, capital da Iugoslávia, pelas Otan em 1999

Reagindo ao “novo conceito estratégico” aprovado pela Otan na recém encerrada cúpula de Madri, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, classificou na quinta-feira (30) a própria aliança bélica a soldo dos EUA de “desafio sistemático à paz e estabilidade globais”.

Na cúpula, a Otan oficializou que a Rússia é ameaça “principal e direta”, enquanto a China é um “desafio estratégico”.

Zhao assinalou que a Otan “tem o sangue da população global em suas mãos” e que embora ela se apresente como “um bloco defensivo”, tem buscado avançar sobre “novas áreas e domínios”.

“Queremos declarar abertamente que a Otan está exagerando e inflando a chamada ameaça chinesa e este é um esforço absolutamente fútil”, observou o porta-voz. Ele pediu ao bloco militar que pare imediatamente com suas críticas infundadas e provocacões contra a China e se abstenha da ideologia da Guerra Fria e do jogo de soma zero.

Por sua vez, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, registrou que a cúpula de Madri provou que a Otan – ou seja, os EUA, essencialmente -, “espera obediência incondicional de todos os Estados à sua vontade”.

A Europa moderna, representada pela UE, ele assinalou, está perdendo “sua independência ou os sinais de independência” que costumava ter, e se submete totalmente às imposições dos EUA. “Inclusive na área das sanções econômicas, rejeitando a importação russa e destruindo cadeias logísticas e financeiras que levaram décadas para serem estabelecidas”.

“Se olharmos para a lista de sanções existente – é uma análise interessante, eu recomendo – se você comparar as sanções impostas à Rússia e à Bielorrússia pelos Estados europeus e as impostas pelos EUA, basicamente os EUA tentam ir com calma e não permanecerem muito ativos nas áreas que prejudicarão seriamente sua economia”, observou o chanceler russo.

“Ainda assim, eles também recebem um efeito negativo de suas ações, mas a Europa sofre muito mais”, sinalizou. Segundo Lavrov, a conclusão óbvia é que Washington busca “não apenas enfraquecer a Rússia, mas também enfraquecer a UE como concorrente dos EUA”.

Sem ‘salada russa’

Em Madri, a cúpula já começou com uma importante vitória: a “salada russa”, que constava do cardápio, foi renomeada como “tradicional”. Biden, por sua vez, confundiu a Suécia com a Suíça, mas pelo menos não tropeçou na escada, nem cumprimentou o amigo imaginário.

Como já observado, o novo conceito estratégico definiu a Rússia como ameaça “principal e direta” e a China, como “desafio estratégico”.

Em meio aos rumores sobre uma “Otan global” ou uma “Otan asiática” e exortações à “ordem mundial sob regras”, pela primeira vez na vida da aliança – que é do “Atlântico Norte” – esta contou com países do Pacífico, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia como convidados.

Depois de um acerto com o presidente turco Recep Erdogan, foi liberado o caminho para o ingresso na Otan da Finlândia e da Suécia.

Quanto a isso, o presidente Vladimir Putin afirmou que a Rússia, em relação aos dois países, não tem pendências, ao contrário da Ucrânia, mas que se forem utilizados sistemas ofensivos de armas que ameacem a Rússia, irá responder “de forma espelhada”.

No “conceito estratégico” anterior da Otan, a Rússia era formalmente tida como “parceira”, o que não impediu que os EUA anexassem países do leste europeu um após o outro, até chegar às fronteiras com a Rússia, apesar de, no processo de reunificação alemã, a então União Soviética ter recebido garantias de que a aliança ocidental não se expandiria para leste “um centímetro sequer” e há mais de dez anos, na famosa Conferência de Segurança de Munique, o presidente Putin ter advertido que isso era “intolerável”.

O status de “parceria” também não evitou que a CIA organizasse o golpe de Estado, junto com os nazis e oligarcas ladrões, em Kiev, em 2014, nem que o Pentágono treinasse o Batalhão Azov.

Aliás, segundo o boquirroto Jens Stoltenberg, relações públicas da Otan, perdão, secretário-geral, esteve armando e treinando as tropas ucranianas desde 2014.

Donbass: desnazificação avança

A cimeira também ocorreu em meio ao avanço das forças russas e seus aliados antifascistas do Donbass em Lisichanks, com as forças do regime de Kiev e seus neonazis cercadas, após abandonarem Severodonetsk, e diante do iminente término da tarefa de libertação e desnazificação do norte da histórica região, Lugansk, enquanto os grandes jornais nos EUA admitiam que a Casa Branca está discutindo que irá ter que mudar aquela farolagem de que “a Ucrânia vai vencer” as “tropas de Putin”.

Também acontece em um momento em que o rompimento do Tratado de proibição de Mísseis Intermediários (INF) pelo governo Trump – e mantido sob Biden – deixa o continente europeu de volta ao cenário dos anos 1980, de risco de guerra nuclear em poucos minutos.

A Otan anunciou que pretende entupir as fronteiras com a Rússia com armas e mais armas, escalada que o vice-chanceler russo, Sergei Ryabkov disse que poderia ter sido evitada se EUA e Otan tivessem aceitado a proposta prévia da Rússia, em dezembro do ano passado, de restauração do princípio da segurança coletiva indivisível na Europa, preservação do status neutro e não-nuclear da Ucrânia e volta às linhas de 1997, ano de assinatura da ata de fundação do acordo Rússia-Otan.

Ele ressaltou que Washington “perdeu a oportunidade de evitar o cenário de escalada”. Nos países onde a presença militar dos EUA aumenta, a segurança não será reforçada e os riscos aumentarão, advertiu. “Temos oportunidades e recursos, a segurança [da Rússia] será 100% garantida”, enfatizou. “E se aqueles que oferecem esse tipo de solução têm a ilusão de que serão capazes de intimidar a Rússia – não terão sucesso”, apontou Ryabkov.

“Magia com os números”

Assim, Biden anunciou que irá aumentar em 20 mil as forças norte-americanas na Europa, elevando o contingente para 100 mil, aumentar para seis os destróieres na base naval de Rota, na Espanha, enviar dois esquadrões de caças F-35 adicionais para o Reino Unido [a Lockheed agradece], instalar um novo quartel general permanente na Polônia e posicionar mais sistemas antiaéreos na Alemanha e na Itália.

Mas a declaração mais altissonante foi a promessa de quase multiplicar por oito o atual contingente europeu de forças de deslocamento rápido, de 40 mil para 300 mil. Aliás comentada por um colunista como visando tornar a Otan de “cão de guarda da Europa” em “cão de ataque da América”.

Analistas consideraram o anúncio – que aliás surpreendeu os próprios países membros – mais apologético do que real. Um alto funcionário europeu da Defesa disse, sob anonimato, ao jornalista Michael Birnbaum que pode ser apenas “magia com os números”.

Segundo o Washington Post, o próprio Stoltenberg respondeu que a maioria das tropas estaria estacionada dentro de seus países de origem e se basearia no pessoal existente. Um código para simplesmente reclassificar tropas existentes atualmente, supostamente tornando-as mais disponíveis para rápida implementação em caso de crise de segurança.

Outra fonte revelou que mesmo esse número de 300 mil é “teórico” e que o conceito ainda não foi “plenamente elaborado”.

Grãos e fertilizantes

Enquanto isso, a Rússia anunciava, como um gesto de boa vontade, a retirada de suas forças da Ilha da Serpente, próximo de Odessa, para permitir a implementação do plano conjunto com a ONU que propiciará um cenário seguro para a exportação de grãos ucranianos, assim como grãos e fertilizantes russos, de forma a minorar as preocupações internacionais com a fome, principalmente nos países africanos.

A Turquia vem ajudando nessas negociações e Putin recebeu na quinta-feira o presidente da Indonésia, Joko Widodo, que esteve, como convidado, na reunião ampliada do BRICS.

“Conversamos sobre assuntos de interesse por enquanto para todo o mundo, todos os países. Refiro-me ao fornecimento de alimentos, outros produtos agrícolas, incluindo fertilizantes minerais, para os mercados globais”, disse o líder russo.

“Estamos prontos para satisfazer plenamente a demanda dos produtores agrícolas da Indonésia e de outros estados amigos por nitrogênio, fosfato, fertilizantes à base de potássio e matérias-primas para sua produção”, disse Putin.

“Certamente pretendemos continuar cumprindo de boa-fé nossos compromissos contratuais sobre o fornecimento de alimentos, fertilizantes, juntamente com recursos energéticos e outros bens críticos”, disse o presidente. É exatamente por isso que é fundamental restaurar as cadeias de suprimentos interrompidas pelas sanções, acrescentou Putin.

O presidente russo revelou que em 2021 o comércio bilateral aumentou mais de 40% e, nos primeiros cinco meses deste ano, o aumento foi superior a 65%.