Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. Minas concentra 60% dos bens tombados pelo instituto

O ministro da Cidadania, Osmar Terra, terá que prestar esclarecimentos ao Congresso por conta da nomeação do ex-assessor do PSL, Jeyson Dias Cabral Silva, para a superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Minas Gerais para o lugar da especialista Célia Corsino.
Um requerimento protocolado pela deputada federal Áurea Carolina (PSol-MG), na terça-feira (1º), pede esclarecimentos sobre “a denúncia de aparelhamento político” da superintendência do órgão público.
O ministro tem 30 dias para responder aos questionamentos. Além de perguntas sobre a nomeação, a parlamentar pede explicações sobre o corte de orçamento da pasta e a como se dará a preservação do patrimônio histórico e cultural com esse contingenciamento.
Célia foi exonerada do comando da superintendência do Iphan de Minas Gerais (Iphan-MG), um dos mais importantes do país, já que o estado concentra 60% dos bens tombados pelo instituto, conforme publicação no Diário Oficial da União na última quarta-feira (25).
Em seu lugar, por nomeação de Osmar Terra, entrará Jeyson Dias Cabral da Silva, que é cinegrafista da Câmara Municipal de Juiz de Fora, e já atuou como assessor legislativo do ex-vereador e hoje deputado federal Charles Evangelista (PSL).
Funcionária de carreira do Iphan desde 1974, a museóloga Célia Corsino é considerada autoridade mundial em patrimônio histórico. Ela foi uma das responsáveis pela criação do Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial, do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, e pelo primeiro museu brasileiro de patrimônio imaterial em uma antiga estação ferroviária de Belo Horizonte.
Segundo informações do Iphan, Célia possui graduação em Museologia pelo Museu Histórico Nacional (1973), especialização em Metodologia do Ensino Superior pelas Faculdades Integradas Estácio de Sá (1985) e especialização em Administração de Projetos Culturais peloa Fundação Getúlio Vargas (1986). Foi por duas vezes diretora de identificação e documentação do Iphan nacional (1996-2002) e atualmente também é funcionária da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
A deputada Áurea Carolina afirma no documento que “o desmanche do setor cultural tem sido visto com estranheza e muita preocupação. “Minas Gerais reúne 60% de todo o patrimônio tombado do país, dentre ele nove cidades. A Superintendência do Iphan no estado é uma das mais complexas dentro da estrutura nacional do instituto”, observa a parlamentar.
Nomeados não possuem qualificação técnica
A alteração na direção do Iphan-MG , que acontece após mudanças polêmicas em outras quatro superintendências do instituto pelo Brasil, gerou perplexidade em diversas entidades da área do patrimônio e políticos do estado pela falta de conhecimento técnico do novo indicado.
Em Goiás, a historiadora Salma Saddi foi substituída pelo advogado Alysson Ribeiro e Silva Cabral à frente da superintendência de patrimônio histórico do Estado.
Alysson Ribeiro era funcionário da Unifan (Faculdade Alfredo Nasser), do deputado federal Professor Alcides (PP-GO). O jornal “O Popular” divulgou uma matéria revelando que sua indicação ao cargo aconteceu por meio de um sorteio onde o diretor da Unifan ganhou, do governo federal, o direito a nomear alguém de confiança para assumir a superintendência.
O deputado negou as informações, então o jornal local divulgou um áudio com a voz do parlamentar onde dizia: “O Iphan foi um cargo que foi sorteado para nós aqui. Quando foi feito o sorteio no governo federal dos cargos de Goiás, o que sobrou para mim foi o Iphan”.
DESMONTE
Sob o (des)governo Bolsonaro, unidades estaduais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) perdem a qualidade do quadro técnico e sofrem drástica redução orçamentária de 72%.
O órgão, ligado ao Ministério da Cidadania, de Osmar Terra, desde a extinção do Ministério da Cultura, é responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro. Até o momento, a gestão do instituto foi trocada nos estados de Minas Gerais, Paraná, Goiás, Distrito Federal. No Mato Grosso do Sul, a exoneração da antiga superintendente e a nomeação de outra pessoa para o cargo foi feita e em seguida revogada pelo ministro.
Em março deste ano, Bolsonaro assinou o decreto 9.227/19 que amplia as restrições para nomeações de cargos em comissão e função de confiança da administração Federal, autárquica e funcional, como é o caso do Iphan.
Na prática, a texto determina critérios como “idoneidade moral”, “reputação ilibada” e perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou função para a qual a pessoa tenha sido indicada. Mas não foi essa a regra aplicada na nomeação de quadros colocados à frente das entidades públicas de proteção ao patrimônio histórico, ligadas ao Iphan, em Ouro Preto, Paraná, Goiás e Distrito Federal.
Em todos esses locais, técnicos à frente das superintendências do instituto foram trocados por nomes da base aliada do governo Bolsonaro, sem experiência alguma no ramo.
Além de reduzir a qualidade técnica dos quadros de preservação de patrimônio histórico, o governo Bolsonaro prevê no Projeto de Lei Orçamentária, enviado ao Congresso, uma redução orçamentária de mais de 70% de recursos que a área recebe hoje para o ano que vem.
Os valores para preservação de patrimônio e memória reduziu de R$ 230.816.976 para R$ 66.509.432, uma perda de 72%.
MEMÓRIA
O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Nivaldo Andrade, afirmou que o interesse político no Iphan está ligado ao licenciamento de empreendimentos. “Embora tenha poucos recursos econômicos, o Iphan tem uma influência e um poder muito grandes. Ele aprova ou reprova empreendimentos que envolvem bilhões de reais”, disse.
Segundo Nivaldo, as ações do governo revelam o “processo de desmonte do Iphan”. Ele destaca que o instituto, há 82 anos em atividade, passou por diversas mudanças políticas no país e é um dos órgãos mais antigos da área no mundo. “Se você fica sem investir dinheiro na restauração e conservação do patrimônio, na fiscalização, se autoriza licenciamentos que não deveriam ser autorizados, [o impacto] é irreversível”, disse. “É a memória da sociedade brasileira, a memória do país que vai se perder. Não tem volta.”
EXPERIÊNCIA
Representantes da sociedade civil no Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan emitiram uma nota contra as substituições de superintendentes em diferentes estados “sem o necessário respeito a critérios de qualificação que o exercício do cargo exige”.
Segundo Andrade Junior, exonerações com perfil semelhante ocorreram no Distrito Federal e no Paraná. “Não estamos nos manifestando contra as nomeações de A, B ou C, isso é uma prerrogativa do governo. Mas queremos que os substitutos sejam capacitados e tenham experiência na área de patrimônio. O superintendente tem o poder de decisão sobre licenciamentos e projetos que envolvem investimentos econômicos vultosos. É ele quem aprova ou veta um parecer técnico no estado, em muitos lugares ele tem mais poder do que o próprio prefeito”, destacou.
O Ministério Público Federal de Goiás recomendou em 26 de setembro ao ministro da Cidadania que suspenda a nomeação do novo superintendente do Iphan no Estado por ele não ter “perfil e formação adequados para o cargo”. Dessa forma, seu exercício da função “não atende ao interesse público e à legislação”.
MINERAÇÃO
O presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais e prefeito de Conceição do Mato Dentro, José Fernando Aparecido de Oliveira também manifestou preocupação em relação aos processos de licenciamento do Iphan nas áreas de mineração. “As cidades históricas de Minas surgiram da atividade mineradora e, em muitos casos, ainda convivem com ela. A área de patrimônio sofre uma pressão muito grande, é preciso ter conhecimento e sensibilidade para lidar com todas estas questões”, afirmou Oliveira, cuja associação representa 31 cidades mineiras.