Os democratas não podem esquecer os trabalhadores… de novo
Há um dito popular no sul dos EUA que diz “se estiver no meio da estrada, ou passa a linha amarela ou atropela.”
O Partido Democrata, não só está nessa situação, mas também, nacionalmente, deve refletir sobre essa analogia, mesmo que grosseira. A classe trabalhadora dos EUA está entre o precipício e o abismo. Enfrenta não apenas salários rebaixados, mas também um período indefinido de perda catastrófica de empregos no crescimento agora exponencial do coronavírus, que se alastrou sem ser controlado pelo governo Trump.
Por W. Scott Poole*
Muitas dessas questões são especialmente pungentes no sul dos EUA. Já mais pobre, menos saudável e onde moram grande parte dos eleitores negros, que são cada vez mais privados de seus direitos pelos republicanos em alguns estados, uma política neoliberal não mudará sua trajetória sombria. A região, após décadas de desenvolvimento econômico de mercado livre, tem uma taxa de mortalidade infantil excessivamente alta e 9 em cada 10 dos estados mais pobres da União.
James Clyburn é congressista da Carolina do Sul – e me orgulho de sua atuação, dada seu papel na luta pela liberdade negra. Mas estou menos orgulhoso do fato de que ele é meu congressista em um distrito conhecido como “o Sexto Negro”. Que inclui uma parte do bairro onde moro, no centro de Charleston, se estende ao norte até a Rodovia 17, que serve de limite para a região branca de Georgetown / Myrtle Beach, formando um ângulo sinuoso para incluir parte da capital do estado de Columbia (cerca de 120 milhas de onde estou) e, em seguida, a oeste, toma uma série de condados de maioria negra até que beira o mar e inclui as ilhas marítimas onde a cultura negra da Carolina do Sul floresce desde a Guerra Civil.
É gerrymandering [manipulação de um distrito eleitoral – Nota da Redação] na sua pior versão e garante que as votações negras não afetem o resultado de outras eleições parlamentares. O congressista Clyburn está nesse distrito desde 1993.
A mentalidade do Partido Democrata da década de 1990 molda sua visão – e de outras figuras do establishment – do mundo político. Ao dizer a seus colegas que a bancada democrata na Câmara deve evitar a “medicina socializada” (um termo desatualizado), ele também culpou o movimento Black Lives Matter (BLM) e culpa o “Defund the Police” [“Reduzir o orçamento da polícia”, em tradução livre – NdaR] pela recente derrota de Jaimie Harrison, uma negra moderada que desafiou Lindsey Graham por uma cadeira que foi de John C. Calhoun.
Clyburn também sugeriu que o que ele chama de “slogans” arruinou as esperanças de reeleição de Joe Cunningham, um democrata conservador que venceu no primeiro distrito de Carolina do Sul em 2018. Mas, apesar das preocupações da atual liderança democrata, essa derrota não aconteceu porque todos temiam que Joe Cunningham pudesse ter tendências bolcheviques.
Cunningham tentou o seu melhor para se apresentar como a alternativa simples de pão branco a Nancy Mace, leal a Trump e que nega a mudança climática em um distrito já afetado pela elevação do nível do mar. Na verdade, durante seus dois anos, Cunningham já havia tentado encontrar o centro e mover-se ligeiramente para a direita, de acordo com a prescrição de Clyburn. “Os Sul-carolinos não querem socialismo”, disse em fevereiro de 2020, ecoando o que se tornou um dos mantras de Trump sobre o Partido Democrata. No mesmo discurso, Cunningham afirmou, falsa e escandalosamente, que Bernie Sanders “aumentaria os impostos para quase todos”, dando uma linha de ataque perfeita para os republicanos se Sanders tivesse ganhado a indicação.
Por que os democratas estão ignorando a possibilidade de aumentar sua base, enquanto alienam faixas significativas de seu atual apoio? Parte da resposta parece relativamente simples. Os democratas ainda não venceram no Senado conforme previsto. Os republicanos, incluindo candidatos de extrema direita simpáticos à falsa noção de conspiração QAnon, consumiram a maioria dos democratas na Câmara. Assim, começaram as recriminações da liderança democrata, ávida por defender suas próprias posições.
Mas estão errados. Em um artigo recente no “People’s World”, Chauncey K. Robinson apontou que os progressistas que fizeram do “Green New Deal” o centro de sua campanha (“The Squad”) venceram a reeleição, apesar do que representou uma campanha nacional contra eles pela extrema direita. Além disso, aumentaram seu número com as eleições de Jaamal Bowman, do 16º Distrito de Nova York, e Cori Bush, uma ativista Black Lives Matter (BLM) que se tornou a primeira congressista negra do Missouri.
Além disso, os estadunidenses em todo o espectro político estão profundamente preocupados com a economia. Na Flórida, que não é especialmente conhecida por suas inclinações progressistas, o movimento #Fightfor15 obteve uma grande vitória. É difícil exagerar a importância disso em um estado com milhões de trabalhadores de salário mínimo nas empresas de varejo, serviços e turismo que apoiam a indústria de turismo multibilionária do estado. Em um estado que votou em Trump duas vezes, isso deve sinalizar para os centristas democratas a importância das questões básicas.
Esta eleição nos colocou diante de um daqueles momentos de perigo máximo. Em uma luta nacional contra o fascismo, o apoio à alternativa democrática tornou-se um simples ato de dever cívico e clareza moral. Muitos de nós na esquerda contribuímos para a campanha de Biden, e votamos nele em uma luta contra a autocracia, não porque gostemos dos interesses empresariais que financiam os democratas mais do que financiam os republicanos. Na verdade, eles geralmente são os mesmos.
Mas não podemos permitir que o establishment democrata abandone a classe trabalhadora como fez nos anos 1990. Muitos moderados veem essa década como uma idade de ouro em que chegaram ao poder com Bill Clinton, que se apresentou como um “Novo Democrata”, e suas políticas sobre comércio, rede de segurança social e encarceramento em massa espancaram cidadãos destituídos de direitos, já prejudicados pelo declínio da indústria que começou na década de 1970. E o esforço de uma década para destruir o movimento trabalhista na era Reagan-Bush.
A esquerda deve pressionar os democratas de todas as maneiras possíveis. Muitos de nós criamos relacionamentos com democratas na campanha de Bernie Sanders ou ajudamos a registrar eleitores moderados, centristas e conservadores na máquina tradicional do partido. Vamos usar essas conexões. Vamos também chamar nossos senadores e representantes democratas com o mesmo senso de demanda e impaciência que impusemos aos republicanos nos anos de Trump, quando tentamos impedir os piores ultrajes de seu regime.
As páginas de opinião dos jornais do establishment estão cheias de preocupações de que nosso “sistema bipartidário saudável se degenerou” ou a noção de que o país precisa de um partido de centro-direita para evitar o extremismo. Não tenho certeza se isso já foi verdade na história dos EUA, mas certamente não é agora. O Partido Republicano é amplamente irreconhecível como qualquer coisa que não seja um culto trumpista, e o excesso de políticas do Partido Democrata desde os anos Clinton o tornaram a alternativa de “centro-direita”.
Se não houver uma mensagem clara de populismo econômico em quatro anos, o país enfrentará um populismo nacionalista. Pode vir em um pacote livre das vulgaridades de Trump. Uma mudança de guarda sem mudança sistêmica e definitiva nos dará apenas um novo e mais sombrio 2016.
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*Scott Poole é Professor e presidente associado do Departamento de História do College of Charleston. É autor de “Wasteland: The Great War and the Origins of Modern Horror” [“Wasteland: a Grande Guerra e as origens do moderno horror”].