Os bons ventos que vêm da França
A vitória da esquerda e a derrota da extrema-direita nas eleições legislativas na França transcende as fronteiras locais. Representa a resistência e o avanço, com base na mobilização do povo, em diferentes regiões do planeta, do ideal progressista e democrático, o combate à ascensão da extrema-direita que se apresenta como falsa solução para os efeitos da crise da globalização neoliberal.
Dado o favoritismo que a extrema-direita ostentava, a vitória da esquerda é surpreendente, porém não se deu por obra do acaso. Vem de uma conduta de combate, há décadas, à maré regressiva de desmonte do Estado de bem-estar social que o presidente Macron deu sequência com o “austericídio”; do enfrentamento resoluto à pauta racista, xenófoba, autoritária da extrema-direita; da mobilização pela paz e contra o genocídio praticado em Gaza pelo governo de Israel; e também de oposição a política de guerra da OTAN.
Estes três fatores credenciaram o campo da esquerda. Porém, o “pulo do gato” seu deu pela tática de união para derrotar a extrema-direita e abrir um caminho novo à França. Com rapidez, a esquerda superou a fragmentação e se agregou na Nova Frente Popular – bloco integrado pelo partido A França Insubmissa, o Partido Comunista Francês, o Partido Socialista e o Partido Verde. O nome da aliança evoca a épica Frente Popular que enfrentou o nazifascismo no século passado.
Terminado o primeiro turno, a Nova Frente Popular lançou a proposta de unidade entre a esquerda, a centro-direita e setores da direita para preservar a democracia francesa e barrar a ameaça da extrema-direita. Mais de 200 candidaturas foram retiradas para permitir a concentração de votos.
Essa ampla aliança, na tradição do país, já conhecida como Frente Republicana, foi acolhida com entusiasmo pelo povo, com participação forte da juventude. Foi uma mobilização porta a porta, como disse Jean-Luc Mélenchon, do partido A França Insubmissa. Houve a participação de 67% dos franceses nas eleições, a mais alta registrada em mais de 40 anos. Há o relato de pesquisas que demostram o grau de consciência e engajamento do eleitorado: mais de 70% dos eleitores da esquerda votaram em candidaturas de centro-direita quando estas eram mais viáveis; igualmente, os eleitores da centro-direita, em grande percentagem, sufragaram candidaturas mais competitivas da esquerda.
É preciso sublinhar que a extrema-direita perdeu, porém segue com força. Como disse o Partido Comunista Francês (PCF), Reagrupamento Nacional fez progressos muito significativos na Assembleia Nacional. “Ele continua a ser um sério perigo para a República. A nossa mobilização, a nossa unidade, será, portanto, essencial no período que se abre”, disse uma nota dos comunistas.
Desde 2002, quando Jean-Marie Le Pen – pai de Marine Le Pen, líder do Reagrupamento Nacional – foi ao segundo turno das eleições presidenciais, o neofascismo francês descreve uma linha ascendente. Com uma tática camaleônica, de tentar tornar palatável as bandeiras da extrema-direita, na votação para o parlamento em 2022 o Reagrupamento Nacional foi a grande surpresa, com cerca de 18% dos votos e 89 deputados. Agora, conquistou 143 cadeiras e certamente vai se rearticular para os próximos embates, em especial a sucessão do presidente Emmanuel Macron.
De todo modo, o êxito da esquerda mostra o caminho para o combate à extrema-direita. Firmeza programática de alternativa ao neoliberalismo; tática de coesão da esquerda e de aliança ampla contra a extrema-direita; e mobilização contínua do povo.
Caberá ao governo que será constituído pela Nova Frente Popular, com as necessárias composições, dar consequência aos anseios que mobilizaram o povo francês, há muito pronunciados nas manifestações contra o desmonte do Estado de bem-estar social. O cumprimento dessa expectativa, mesmo na proporção das duras condições da correlação de forças, poderá descortinar um caminho novo à França com repercussão na Europa e além dela.
Adalberto Monteiro é secretário Nacional de Formação e Propaganda do PCdoB