Três dos quatro de Groveland trazidos ao tribunal sob falsa acusação de estupro, o 4º, Ernest Thomas havia sido morto em um linchamento

O caso dos ‘Groveland Four’ [os Quatro de Groveland], a infame imputação em 1949 de quatro jovens negros de uma cidade da Flórida, a 50 km de Orlando, falsamente acusados de estupro, finalmente chegou ao fim em um tribunal da Flórida em 22 de novembro de 2021, quando um juiz local anulou as acusações de dois deles e revogou as condenações dos outros, em caráter póstumo.

Walter Irvin, Ernest Thomas, Charles Greenlee e Samuel Shepherd se tornaram o símbolo da injustiça sob a legislação segregacionaista Jim Crow e o racismo e só foram inocentados 72 anos depois, bem depois de mortos, e por muita insistência dos familiares, defensores dos direitos civis e promotores e advogados comprometidos com a justiça e a verdade.

Carol Greenlee, filha de Charles, que estava presente no tribunal quando sua condenação e as contra os outros foram anuladas, disse que seu pai muitas vezes achava muito doloroso contar sua provação, mas que ela persistiu por ele e por tantos outros.

Por sua vez o sobrinho de Ernest Thomas expressou a esperança de que outras vítimas de tramas semelhantes também tivessem seus nomes inocentados, mesmo que não estivessem vivos para ver aquele dia.

Uma história típica da era Jim Crow, a legislação que institucionalizou por décadas nos EUA o apartheid no sul. Foi a adolescente branca Norma Padgett que acusou em 16 de julho de 1949 os quatro negros de estupro.

Seu marido, que tinha um histórico de abuso conjugal, corroborou a acusação, relatando que os quatro, de idades entre 16 e 26 anos na época, que haviam se oferecido para ajudar depois que seu carro quebrou, o espancaram e sequestraram sua esposa.

Linchamentos

Thomas conseguiu escapar de ser preso, para acabar cercado por uma turba de racistas, centenas deles, e brutalmente linchado. Os outros três foram torturados, até dois deles terem uma confissão arrancada, sem que nenhuma evidência fosse apresentada.

Posteriormente, a Suprema Corte rejeitou as condenações de Irvin e Shepherd.

O xerife local, Willis McCall, supostamente levando os homens para uma audiência em novembro de 1951, atirou neles a sangue frio, alegando agir em “legítima defesa” e matou Shepherd. Irvin só sobreviveu por fingir que estava morto.

Mais tarde, ele foi julgado novamente e teve a pena de morte comutada para prisão perpétua. Em 1968 – um ano antes de morrer – Irvin recebeu liberdade condicional.

Dos quatro, o único que conseguiu sobreviver por um tempo mais longo à injustiça foi Charles Greenlee, que em 1962 conseguiu liberdade condicional e viveu mais 50 anos.

A juíza do Tribunal do Circuito do Condado de Lake, Heidi Davis, atendeu a uma moção do Estado, anulando as condenações e rejeitando as acusações sobre os Quatro de Groveland.

O procurador estadual local Bill Gladson disse que novas evidências surgiram. Aos investigadores, um neto do procurador que tinha sido responsável pelo caso décadas atrás disse ter encontrado correspondência que o convenceu de que tanto o juiz original quanto o promotor sabiam que nenhum estupro havia ocorrido.

Brutalização

O caso dos Quatro de Groveland também motivou outro crime racista na época. O líder na Flórida da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor, a principal entidade norte-americana antirracismo (NAACP, na sigla em inglês), Harry Moore, e sua esposa Harriette foram mortos pela explosão de bomba em sua casa no dia de Natal de 1951.

Menos de um mês antes, Moore havia escrito uma carta indignada ao governador da Flórida exigindo respostas sobre o incidente em que o xerife McCall matou Shepherd e feriu gravemente Irvin. O assassinato de Moore nunca foi solucionado, embora não haja dúvidas de quem está por trás disso: a Ku Klux Klan e autoridades locais que davam guarida aos racistas.

Quase quatro anos depois, ocorreu o assassinato brutal de Emmett Till Jr., de 14 anos, por supostamente assobiar para uma mulher branca, o que serviu de estopim para manifestações contra a segregação no sul e que ganhou repercussão no norte.

Os cinco do central Park

Mais de duas décadas depois do movimento pelos direitos civis e quatro desde Groveland, em 1989, o caso dos Cinco do Central Park reviveria todo esse horror, com adolescentes negros de 13 e 14 anos falsamente acusados e forçados a confessar o estupro de uma garota branca em Nova York. Episódio infame ao qual esteve associado o então magnata do setor imobiliário Donald Trump, que publicou anúncios de página inteira açulando a população contra os inocentes.

Foram condenados por um júri manipulado pela caça às bruxas na mídia e pelos círculos racistas, como retratou com detalhes recente – e excelente – minissérie da Netflix.

“É mais do que raiva … É ódio, e quero que a sociedade os odeie.” – Anúncio de página inteira de Trump no New York Times e outros jornais, 1º de maio de 1989. “As pessoas estão apenas gritando, você sabe, ‘Estuprador!’ ‘Seu animal!’ ‘Você não merece estar vivo’ … Parecia que o mundo inteiro nos odiava”: depoimento de Antron McCray, um dos Cinco do Central Park.

Em suma, o fascismo de Trump forçou seu caminho à notoriedade em 1989, por cima do suplício de cinco adolescentes negros inocentes.