Orlando Silva: Proteger nossa frágil democracia
Em “Argumento”, Paulinho da Viola nos aconselha sobre como agir diante das adversidades: “faça como o velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar.”
O presidente Jair Bolsonaro aprontou das suas ontem, somando-se a movimentos de extrema-direita que convocaram um ato político contra o Congresso Nacional para o próximo dia 15 de março. Pode? Não! Não pode.
Por Orlando Silva*
O artigo 85, inciso II, da Constituição Federal é explícito. “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, os que atentem contra: o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação.”
O presidente da República conhece – ou deveria conhecer – a Constituição e sabe o que fala e faz. Sabe que poderia até ser afastado da Presidência. Seus movimentos são calculados. O fato é que a tensão no ambiente político, com Bolsonaro, é o novo normal. Ele opera no limite para manter o ímpeto de suas milícias digitais.
Bolsonaro navega no mar alto da antipolítica, fomentada por décadas, e que levará um tempo para voltar a níveis toleráveis – se é que voltará algum dia. Exercita seus planos autoritários numa conjuntura de crise da democracia liberal, tempos em que tudo está em questão.
Bolsonaro reage aos movimentos do Congresso Nacional. As novas regras do Orçamento trouxeram para o Brasil práticas de democracias maduras, em que cabe ao Parlamento pronunciamentos decisivos sobre as contas públicas. Mecanismos como esses não combinam com déspotas.
O ato do dia 15 será mais um round da luta de Bolsonaro contra o Parlamento e o Supremo Tribunal Federal. Esse embate é quase diário, basta ver as MPs, PLNs e os vetos. Ele multiplica suas frentes de batalha. Veremos até quando conseguirá lutar o tempo todo em tantas frentes.
A resistência anti-Bolsonaro ainda está dispersa e desorganizada. A divisão fundamental está na visão sobre a economia.
A entrevista de Edmar Bacha, na Folha de São Paulo, tem grande importância para esclarecer possíveis tendências. Quando ele aponta que “a agenda liberal deste governo não vale para empresários” e que em outras recessões a retomada foi “em forma de V” e atualmente “estamos patinando em L e não conseguimos sair”, quer dizer que a recuperação é incerta e não anima os agentes econômicos. Os resultados do agronegócio são bons apesar do governo, que atrapalha bastante; a indústria segue na UTI, acumulando resultados adversos. Só o capital financeiro segue intocável.
É preciso cautela, frieza e objetividade. Os ataques ao Congresso Nacional são golpes contra a democracia e necessitam de respostas à altura. O decano do Supremo, ministro Celso Mello, se posicionou de maneira enérgica quanto à convocação de ato hostil aos poderes feita por Bolsonaro. Diversas lideranças políticas e sociais, de diferentes matizes ideológicos, também condenaram prontamente o ataque.
O Parlamento precisa cadenciar suas iniciativas. Essa provocação de Bolsonaro cai como uma luva para que a agenda da Câmara e do Senado dialogue mais com a sociedade e vá além dos dogmas liberais.
Pacientemente, vamos fazer o degelo das relações que andavam interditadas. E encontraremos novas conexões para tecer uma rede, uma barreira intransponível para proteger nossa frágil democracia. À política também se aplica o ensinamento do velho marinheiro: “Sem preconceito, sem mania de passado, sem querer ficar do lado de quem não quer navegar.”