Orlando Silva: Pouso suave
A instabilidade política se tornou o novo normal no Brasil. Desde 2013 é difícil projetar, com alguma solidez, as tendências de curto prazo. Junto com a instabilidade política vieram as incertezas na área econômica. Esse quadro inviabiliza planejamento e as ações e investimentos de longo prazo. Isso vale para o setor público e para o setor privado.
Por Orlando Silva*
Mas a vida segue. Não temos a alternativa de apenas observar a cena. Atuamos nas condições existentes e somos obrigados a tratar dos desafios postos, de acordo com a realidade.
Essas pinceladas do cenário são úteis para compreender meu ponto de vista acerca da revisão da Desoneração da Folha de Pagamento proposta pelo governo federal através do projeto de lei nº 8456/2017.
Defendi a implantação da Desoneração da Folha como parte das medidas de enfrentamento à grave crise internacional que atingiu fortemente o Brasil. Era uma versão “tropicalizada”, já que as condições aqui não eram as mesmas, de medidas adotadas com sucesso na Europa e que alcançaram algum êxito na geração/manutenção do emprego, servindo ao enfrentamento daquela crise. Aliás, o fundamento principal da Desoneração, por aqui, estava no emprego.
De 2011 até hoje, essa política foi revisitada inúmeras vezes. Iniciativas do Executivo e do Legislativo fizeram-na alcançar 56 setores e a contribuição previdenciária sobre a receita bruta, que seria temporária, se tornou permanente para aqueles setores.
Num país que tem o sistema tributário, digamos, complexo e injusto como o nosso, o que se vê é uma corrida em busca de algum mecanismo que pese menos na hora da contribuição. E essa corrida maluca só aumenta a irracionalidade do sistema tributário. No caso da Desoneração da Folha, chegou-se ao cúmulo de tributar de modo diverso a mesma empresa: sobre um dado produto incide uma forma de tributação e sobre outro produto incide outra forma, ainda que seja a mesma empresa e, no limite, até o mesmo trabalhador. A irracionalidade alcança tal dimensão, que a Receita Federal, tão criticada pela sanha arrecadatória, merece toda a atenção nas críticas feitas ao modelo.
Mas, voltemos a PL 8456.
Se pode fazer sentido a revisão da Desoneração, o certo é que o governo Temer errou na proposta quando não apresentou critérios objetivos. O que fundamentou a manutenção do benefício para alguns em detrimento de outros? O governo não tem resposta.
Na condição de relator, minha meta foi – em diálogo na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, com o governo e os agentes econômicos – estabelecer critérios objetivos que justifiquem a manutenção no programa.
Retomamos um critério básico fixado em 2011: valorizar setores intensivos em mão de obra. Assim, o tema emprego volta ao centro desse debate. Agora, isso se faz ainda mais importante, considerando que de lá para cá houve uma explosão do desemprego. Críticos questionam a eficiência dessa ação, com o argumento que não houve expansão de vagas. Mas, diante da gravidade da crise, a manutenção do nível de emprego verificado nos setores beneficiados já justifica a medida. Os dados recentes têm demonstrado que, ao contrário da propaganda oficial, a crise não ficou para trás. A lenta e tímida recuperação não tem repercutido em reposição dos postos de trabalho que se foram e as poucas vagas geradas são, em sua maioria, precárias.
A Desoneração da Folha seria mantida também para quem sofre concorrência desleal de produtos importados. Sobretudo na indústria, é impossível a disputa com produtos que chegam aqui com preços imbatíveis, beneficiados por estímulos governamentais de seus países e custos de produção contidos artificialmente ou por circunstâncias muito específicas.
Também consideramos apoiar setores importantes de logística e atividades da economia do futuro, cuja sensibilidade pode transformar o Brasil num pólo dinâmico ou inviabilizar sua presença aqui.
É evidente que o tratamento proposto ao PL 8456 não produzirá os efeitos fiscais pretendidos originalmente pelo governo. Ainda assim, o substitutivo proposto permitirá um saldo importante de recursos para investimentos.
Nos termos que discutimos a política de desoneração na Câmara dos Deputados, damos um passo na revisão dessa iniciativa, preservando empregos e induzindo o desenvolvimento. Assim produzimos um pouso suave, diferente da proposta de queda abrupta baseada na sanha arrecadatória do governo.
Garantir a sustentabilidade econômica e o equilíbrio fiscal são obrigações do Estado, assim como a indução de setores estratégicos da economia e a ampliação dos níveis de emprego. É preciso incorporar os dilemas da vida real na frieza das planilhas. E o mais difícil, fazer isso apesar da miséria intelectual, radicalização estéril e falta de compromisso com o Brasil, que domina a cena política.
*Orlando Silva é deputado federal por São Paulo, líder do PCdoB na Câmara