Orlando Silva: O julgamento de Lula é de todos nós
O julgamento do recurso do ex-presidente Lula no TRF-4, contra a sentença proferida pelo juiz Sergio Moro no famoso “caso do tríplex”, por seu contexto e possíveis implicações, reveste-se de importância histórica. O ambiente de caçada judicial a Lula e a politização acerca do processo encerram em si, independente do resultado, uma primeira derrota institucional para o país: o questionamento quanto à imparcialidade da justiça brasileira.
Por Orlando Silva*
Pudera, os senões apresentados quanto à sentença condenatória estão longe de ser esperneio de militantes. Inúmeros advogados e juristas conceituados escreveram rios de tinta, nos últimos meses, criticando abertamente a fragilidade das evidências, a ausência de provas materiais e questionando a competência do juiz de Curitiba para o caso. Por fim, a celeridade incomum do julgamento, que furou a fila de outros sete processos, deixa clara a influência do calendário eleitoral no procedimento.
Todo o “caso do tríplex” está afiançado em delação premiada feita por empresário que ficou meses preso até reformar sua colaboração milimetricamente para a implicação de Lula. Ainda assim, a maioria dos juristas que se manifestaram sobre as declarações que embasam a sentença dizem que os depoimentos do colaborador corroboram mais a tese da defesa que a da acusação.
Cá entre nós, chega a ser risível o argumento de que o dito “chefe de quadrilha” obteve como pagamento por contratos bilionários um apartamento no Guarujá, imóvel este que jamais foi utilizado por Lula e se encontra penhorado para quitar dívidas da OAS. O fato é que, ao condenar alguém apenas com base em mera delação, Moro inverte o ônus da prova e traz insegurança jurídica para toda a sociedade.
Mas as trapalhadas não ficam por aí. Durante toda a investigação não se conseguiu apontar um único ato de ofício, como exige a lei, ligando o ex-presidente e a Petrobrás em benefício da construtora. Moro sacou da cartola um dispositivo legal inventado: apontou “atos de ofício indeterminados” praticados por Lula. Ora, “atos indeterminados” não significam nada, mas, pelo direito inaugurado pela Lava-Jato, passaram a autorizar tudo, inclusive o atropelo ao preceito do “juiz natural”.
Sem a ligação objetiva com a Petrobrás, a sede do processo teria de ser São Paulo, posto que o imóvel fica no Guarujá, sendo o juiz do Paraná incompetente para julgá-lo. Mais uma vez, as violações processuais praticadas em Curitiba ameaçam o direito que todos os brasileiros temos de sermos julgados pela autoridade competente e não escolher o juiz ou ser por ele escolhido.
Muitas outras coisas poderiam ser questionadas na sentença, mas o que salta mesmo às vistas é a falta de isenção e a politização do processo de Lula. Está cada vez mais nítido que ocorre um julgamento de exceção contra o ex-presidente: procedimentos exóticos, presunção de culpa, aceleração dos prazos, exploração midiática quase publicitária do caso.
Busca-se a todo custo antecipar uma condenação que inviabilize juridicamente Lula. É o golpe dentro do golpe, a liquidação da democracia engendrada por dentro dos próprios aparelhos da burocracia estatal.
Para o novo mundo que os arautos do judiciário querem construir o ideal é a democracia sem povo, essa massa que teima em manter o perseguido Lula politicamente vivo. Por isso, Lula representa a pedra angular do mundo que se quer destruir. Aos verdadeiros democratas, cabe denunciar os abusos, esclarecer o povo que o objetivo final do conluio de parcelas do judiciário e da grande mídia é substituir o poder de escolha do eleitor por um poder de fato que não é eleito, é imune ao controle social e não presta contas a ninguém.
Lutar para que Lula tenha um julgamento justo e tenha preservado seu direito de disputar as eleições se entrelaça com a própria causa democrática e de defesa do Estado de Direito. O julgamento não é de Lula, é todos nós.
*Orlando Silva Jr é deputado federal pelo PCdoB-SP (eleito em 2014). Foi ministro do Esporte do segundo mandato do governo Lula e da presidenta Dilma Rousseff (2006 a 2011) e vereador pela cidade de São Paulo. Começou sua trajetória no movimento estudantil em Salvador e foi o único presidente negro da União Nacional dos Estudantes (UNE).