O projeto de lei 2.630/20, que dispõe sobre a Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecido como Lei de Combate às Fake News, trata de tema nevrálgico à sociedade brasileira contemporânea, que tem no fluxo contínuo e imediato de dados, informações e opiniões seu principal elemento de organização.

Por Orlando Silva*

As redes sociais funcionam como uma espécie de arena pública permanente, terreno fértil tanto para o exercício de direitos individuais, como a liberdade de expressão, quanto para a ação de grupos organizados que manipulam a opinião pública, com objetivos políticos e econômicos.

Atenção: não falamos aqui de uma pessoa que repassa conteúdo falso. Estamos nos referindo a organizações estruturadas e financiadas para produzir e disseminar mentira, desinformação, discurso de ódio e até conteúdos que atentam contra a saúde pública e as instituições democráticas do Estado.

É nesse contexto que diversos países têm feito esforços legislativos para dinamizar o potencial criativo das redes e, ao mesmo tempo, reduzir o espaço para atividade criminosa. Afinal, nenhum direito é absoluto —os mais antigos diriam: a liberdade de um termina quando começa a do outro.

No caso brasileiro, a proposta traz responsabilidades para as plataformas, como deveres de transparência, observância ao devido processo na moderação de conteúdo, código de conduta, submissão à lei nacional e supervisão de sua aplicação pelo Comitê Gestor de Internet.

Traz obrigações e vedações para contas de interesse público, entendidas como as de órgãos governamentais ou de agentes políticos. Não faz sentido, por exemplo, que políticos possam bloquear críticos e jornalistas que não considerem aliados ou que governos utilizem verbas públicas para fazer publicidade em veículos que divulguem desinformação. Insisto: o PL traz mais obrigações e vedações aos agentes públicos.

Causou infundada polêmica a emenda sobre a imunidade material dos parlamentares nas redes sociais. Ora, apenas foi transcrito no projeto o que já está disposto no artigo 53 da Constituição Federal, o que é lugar-comum na prática legislativa.

Os parlamentares, por comando constitucional, são invioláveis civil e penalmente por opiniões, palavras e votos, o que vale para os debates no Congresso, na padaria da esquina e nas redes sociais —não há nenhuma novidade nisso. Se a Constituição, lei máxima do país, é expressa quanto a isso, a norma infraconstitucional trazer o mesmo em seu texto não causa nenhuma alteração jurídica. Nesse caso, uma desinformação deturpou o debate, fazendo com que a mera cópia de um dispositivo já existente parecesse a inclusão de um privilégio.

Vale dizer: é importante que não se confunda a imunidade por opiniões, palavras e votos de que gozam os parlamentares com práticas ilegais, como a incitação ao crime e à violência, que não estão amparadas pela Constituição nem pelo projeto. Nesses casos, o agente político terá que responder na forma da lei.

Imunidade parlamentar não serve para proteger crime ou criminoso. Tampouco anula os comandos previstos na lei para a atividade de moderação de conteúdo das plataformas e as demais obrigações dos agentes públicos.

A Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, construída em amplo debate com a sociedade, certamente contribuirá para que tenhamos uma esfera pública livre, menos tóxica e mais democrática.

 

*Orlando Silva é deputado federal do PCdoB-SP

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo

 

(PL)