Orlando Silva: Carta aberta ao presidente da Câmara
Já se passaram alguns dias, mas confesso que ainda sigo impactado pelo deprimente espetáculo protagonizado por Jair Bolsonaro na segunda-feira (18). Achei que já tivesse visto de tudo, mas um presidente da República – que, por força de nossa Constituição, acumula as funções de Chefe de Estado – convocar diplomatas de diversos países para desmoralizar a si próprio e à Nação que governa diante do mundo foi demais até para quem dele só espera o pior.
Por Orlando Silva*
A repercussão do ato foi a negativa possível, aqui e alhures. Jornais de grande credibilidade internacional, como o americano The New York Times e o britânico The Guardian, apontaram que os embaixadores ficaram estarrecidos com o comportamento do brasileiro, que não cansa de apresentar acusações infundadas sobre o sistema eleitoral, prenúncio de sua possível tentativa de desestabilizar o país em caso de derrota.
Entre os poucos que se pronunciaram, Pietro Lazzeri, embaixador da historicamente neutra Suíça, disse em bom diplomatês que deseja que as próximas eleições “sejam mais uma celebração da democracia e das instituições”. O torpedo mais direto e incisivo veio em nota oficial da embaixada dos Estados Unidos que, sem meias palavras, reafirmou confiança nas urnas eletrônicas e nas instituições: “As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e suas instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”, disse o comunicado.
Uma verdadeira avalanche de lideranças, entre as quais se destacam o presidente do Senado e do Supremo Tribunal Federal, veio a público repudiar os ataques e manifestar confiança na democracia brasileira. De igual modo, procuradores da República, entidades representativas de delegados e de peritos criminais da Polícia Federal e um sem-número de magistrados e membros do Ministério Público Eleitoral saíram em defesa da confiabilidade das urnas eletrônicas e desmoralizaram as aleivosias proferidas por Bolsonaro.
Até mesmo os chefes das Forças Armadas, à sua forma, demonstraram contrariedade com o reiterado comportamento do presidente ao se negarem a comparecer na fatídica reunião e, segundo a imprensa, prestarem solidariedade aos ministros e ao STF.
Jamais se viu um chefe do Executivo ser tão cabalmente desmascarado e isolado como nesse episódio. Pudera, trata-se de ato de traição nacional, com direito a crimes de responsabilidade e crimes eleitorais às escâncaras.
Finda a semana do mais grave atentado à democracia de nossa história recente, o presidente Arthur Lira não se manifestou, nem sequer uma postagem nas suas redes sociais.
Francamente, não é esse o papel institucional e legal do chefe do Poder Legislativo, expressão maior da soberania do voto popular. Não é mera questão de vontade, mas de dever, pois entre suas atribuições está a de zelar pela dignidade da Câmara e respeito a suas prerrogativas constitucionais.
Quando as agressões de Bolsonaro à democracia passam a questionar a própria legalidade do resultado eleitoral, coloca-se em questão a legitimidade não apenas do Executivo, mas também dos mandatos dos atuais e futuros parlamentares. Tanto mais porque agora, em sua cruzada golpista, passou a ameaçar até a realização das eleições.
O presidente da Câmara dos Deputados tem o dever de se manifestar publicamente para defender a democracia e o poder Legislativo. Nesse momento, ele não representa apenas a si, mas o parlamento. Não lhe é dado o direito ao silêncio!
Por fim, lembro de um episódio quando a PEC do Voto Impresso foi derrotada na comissão especial e deveria ter sido arquivada, na minha leitura do Regimento. Entretanto, o parecer de rejeição da fatídica PEC foi para uma exótica votação em plenário.
Na ocasião, o próprio deputado Arthur Lira disse taxativamente que a decisão da Casa colocaria fim à campanha difamatória contra as urnas eletrônicas. Chegou mesmo a afirmar que tinha esse acordo com o próprio Jair Bolsonaro e deu sua palavra como aval.
Não fosse pelo dever institucional já mencionado, será também em respeito à autoridade de seu cargo. Presidente Arthur Lira, Vossa Excelência precisa falar!
*Orlando Silva é deputado federal pelo PCdoB/SP, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
Artigo originalmente publicado no site Congresso em Foco
(PL)