Orlando Silva: Brasil volta ao passado; resistir é lutar pelo futuro

Os dados apresentados pela pesquisa do IBGE são desoladores e atestam uma triste realidade que a propaganda oficial do governo tenta esconder: o Brasil mergulhou no abismo em todos os indicadores sociais relevantes nos últimos dois anos.

Por Orlando Silva*

É certo que, após 2014, o rebote da crise internacional chegou com força ao país, tendo seus efeitos ainda mais agravados pela crise política que culminou na farsa do impeachment da ex-presidenta Dilma. Contudo, o que se viu de 2016 em diante não foi a prometida retomada da economia e sim um governo sem legitimidade, completamente rendido aos interesses de especuladores, banqueiros e grandes empresários, impermeável a qualquer tipo de mediação com os reclamos dos trabalhadores e da população mais pobre em geral.

O retumbante fracasso da chamada “Ponte para o Futuro”, como ficou conhecida a pactuação ultraliberal que impôs o golpe e levou Michel Temer ao poder, produziu a desestruturação do trabalho e o esgarçamento do tecido social brasileiro, ampliando a informalidade, a miséria, o desalento.

O IBGE mostra que, no ano passado, mais de 1,7 milhão de brasileiros foram levados ao mercado de trabalho informal. Se para a população isso significa precarização da mão de obra, salários mais baixos e ausência de direitos trabalhistas, para o governo implica em menor arrecadação da Previdência Social, impactando negativamente as já combalidas contas públicas.

Chama a atenção que, de 2012 até 2016, o número de trabalhadores informais vinha em queda – mesmo entre 2015 e 2016, ápice da crise, a informalidade regrediu de 36,1 para 35,6 milhões -, mas a tendência foi revertida até chegar nos 37,3 milhões de 2017 – 40,8% dos trabalhadores ocupados. Fica claro como o sol que o efeito imediato da reforma trabalhista foi o aumento da informalidade – um tiro no pé, portanto.

Consequência óbvia dos anos de retração e da piora do mercado de trabalho, o IBGE mostra que aumentarem em 2 milhões os brasileiros em situação de pobreza entre 2016 e 2017, passando de 52,8 para 54,8 milhões de pessoas, ou 26,5% da população. Já a pobreza extrema – aqueles com renda menor que R$ 140 por mês – aumentou 13% e é uma chaga que acomete mais de 15 milhões de pessoas.

Mas as más notícias não param aí. Justamente no momento em que a pobreza cresce e a população passa a precisar ainda mais dos serviços públicos, o governo ultraliberal cada vez mais lhe dá as costas. O mesmo instituto de pesquisa mostra que 60% das pessoas têm falta de ao menos um serviço essencial, como educação, saneamento básico, moradia, proteção social e internet.

Aqui, devemos lembrar de mais uma medida irresponsável aprovada pelo governo Temer: a PEC do Teto, que congela gastos sociais por 20 anos. Ora, não se trata de fazer tábula rasa do problema das contas públicas, mas sim de escolher onde apertar o torniquete. Como toda batalha pelo orçamento público é uma batalha política, o governo Temer escolheu garrotear os investimentos em áreas sociais – como saúde, educação e moradia – para liberar geral no gasto com os agiotas da dívida pública. Ou seja: quem paga a vida nababesca dos multimilionários são os milhões e milhões de brasileiros excluídos até do básico.

Como tudo o que está ruim pode piorar, o presidente eleito promete agravar tais medidas e acelerar na marcha à ré trilhada pelo atual governo. Antes mesmo de assumir, Jair Bolsonaro já disse que a vida dos patrões no Brasil é muito dura e que é preciso retirar mais direitos dos pobres para gerar empregos; prometeu fazer uma reforma da Previdência que restringirá o direito à aposentadoria; e extinguiu o Ministério do Trabalho, responsável por políticas de qualificação do trabalhador, mediação de conflitos entre empregados e patrões e fiscalização do trabalho escravo e infantil. Ao que tudo indica, Bolsonaro será um Temer piorado pelo autoritarismo na política e conservadorismo nos costumes.

O Brasil, que passou a última década sendo referência mundial em políticas sociais que retiraram quase 40 milhões de pessoas da pobreza, que vinha diminuindo as desigualdades sociais e regionais, está vendo escorrer por entre os dedos as conquistas civilizatórias que levamos tempo para alcançar. Isso nós não podemos permitir!

Se hoje vemos um país que caminha de volta a um passado sombrio, nosso desafio é lutar pelo futuro. É hora de renovarmos a confiança na luta do nosso povo, de nos irmanarmos aos que sofrem, de buscarmos inspiração no exemplo das gerações que construíram esse grande país. Sobretudo, é hora de ter energia para resistir e esperança na vitória que virá.

*Orlando Silva é deputado federal por São Paulo e líder do PCdoB na Câmara.