ONU isenta Hezbollah e Síria de ligação com morte de premiê libanês
Não há evidência de que a liderança do Hezbollah teve qualquer envolvimento no assassinato de Mr. Hariri e não há evidência direta do envolvimento sírio”, declarou o juiz David Re, na terça-feira (18) ao ler o veredito do Tribunal Especial para o Líbano criado pelo Conselho de Segurança da ONU para julgar os criminosos responsáveis pelo assassinato do primeiro-ministro libanês Rafik Hariri.
O governo sírio, que mantinha tropas no Líbano desde 1990, foi acusado por integrantes do governo norte-americano de estar à testa do atentado.
Imediatamente, teve início uma série de mobilizações, gigantescas para as dimensões do Libano, contra e a favor da permanência das forças sírias no Líbano. Diante dos protestos contra a presença síria, então comandados pelos seguidores de Hariri, o governo sírio decidiu retirar suas tropas do Líbano.
A Síria – que mediou o Acordo de Taif, o qual pacificou o Líbano depois de 15 anos de guerra civil (1975-1990), uma guerra que custou 120 mil vidas e deixou ainda 17 mil desaparecidos – atendeu ao convite de enviar tropas sírias para garantir a suspensão dos atos beligerantes no interior do Líbano.
Hariri, que já de algum tempo fazia campanha pela saída das tropas sírias, iniciava por aqueles dias entendimentos com o presidente sírio, Bashar Al Assad, para o estabelecimento de um cronograma de consenso para esta retirada.
Era, portanto, muito contraditório que o governo sírio tivesse qualquer interesse em causar a morte do premiê que buscava entendimentos com este vizinho.
Coincidentemente, assim que as tropas sírias se retiraram, mais precisamente em 12 de julho de 2006, forças israelenses invadiram o Líbano a pretexto de um ataque a suas tropas pelo Hezbollah.
Coube ao mesmo Hezbollah – cujo braço armado se configurou no prolongado esforço de guerrilha para expulsar Israel do sul do Líbano (1982 a 2000) – enfrentar a invasão, detê-la e revertê-la, desta vez em cerca de um mês.
O prestígio do Hezbollah continuou crescendo ao ponto de, em janeiro deste ano, ter indicado o primeiro-ministro, Hassan Diab, e 11 ministros para participar de um novo governo no Líbano, compromentido em recuperar o país afundado em dívidas e profundamente incapaz de ver atendidas as demandas básicas da população (em meio a apagões constantes e incapacidade até de coletar o lixo nas ruas de Beirute e manifestações pela demissão do premiê Saad Hariri, filho de Rafik).
O esforço de recuperação, inclusive via renegociação da dívida externa junto aos credores, com a suspensão do pagamento de suas parcelas, foi abruptamente interrompido exatamente no dia em que o Tribunal Especial para o Líbano deveria se pronunciar sobre cinco indiciados (todos com ligações com o Hezbollah) na morte de Rafik Hariri, dia 7 de agosto. Neste dia, uma nova explosão, desta vez de 2.750 toneladas de nitrato de amônio depositados no armazém 12 do porto de Beirute, causou mais de 160 mortes, 6 mil feridos e deixou 300 mil libaneses desabrigados.
Imediatamente, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, que não reconheceu o tribunal da ONU, deixou claro não haver qualquer envolvimento de seu partido com nenhum dos dois acontecimentos.
Em respeito às vítimas da bomba no porto de Beirute, o pronunciamento do veredito foi adiado para o dia 18 de agosto.
O Tribunal Especial para o Líbano foi criado em 2005 pelo Conselho de Segurança da ONU, atendendo a solicitação do governo libanês que passou a ser liderado pelo filho de Rafik, Saad Hariri.
Este tribunal que custou quase US$ 1 bilhão, metade deste custo pago pelo governo libanês, para se pronunciar após 15 anos. Foi instalado em 1º de março de 2009.
De 2011 a 2013, foram indiciados 5 libaneses como suspeitos do crime contra o premiê: Mustafa Badreddine, Salim Ayyash, Assad Sabra, Hussein Oneissi e Hassan Habib Merhi, todos filiados ao Hebollah, sendo que Badreddine, que era dirigente do Hezbollah, teria sido o arquiteto do atentado.
Badreddine veio a falecer em 2016, em combate contra os terroristas que invadiram a Síria, pois o Hezbollah, a pedido da Síria, enviou contingentes para apoiar a luta contra a invasão do país vizinho orquestrada pelos Estados Unidos.
Ao final de todo este tempo, o Tribunal chegou à conclusão de que não só o Hezbollah, nem a Síria têm qualquer comprovação de envolvimento com o assassinato de Hariri, como também não há provas contra 4 dos cinco acusados. Em especial, não foi encontrada nenhuma evidência de que Badreddine, como antes acusado, tivera participação e, muito menos, sido o mentor da fatídica operação.
Para a corte especial, apenas Salim Ayash teria, comprovadamente, participado na agressão, de acordo com ligações de seu celular, consideradas provas de seu envolvimento.
O veredito deixa no ar a pergunta que não quer calar: porque apontaram o dedo acusatório exatamente contra duas forças que resistem ao predomínio norte-americano/israelense na região se, afinal de contas, não há qualquer evidência deste envolvimento após 15 anos de investigações?
Em tempo: a família de Rafik Hariri declarou acatar o veredito.