Testemunhos recolhidos pelo informe incluem relatos de tortura psicológica e ameaças de morte, assim como execuções simuladas

“Há razões fundamentadas para sustentar que, a partir de 18 de outubro, têm se produzido um elevado número de violações graves aos direitos humanos”, condenou o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU (ACNUDH), em informe emitido, na sexta-feira (13), sobre a atuação das forças de segurança na repressão das mobilizações sociais que continuam há oito semanas.

O informe da ONU registra que essas violações “incluem o uso excessivo ou desnecessário da força que resultaram na privação arbitrária da vida e em lesões, a tortura e maus tratos, a violência sexual e as prisões arbitrárias”.

Os dados do Instituto Nacional de Diretos Humanos do Chile (INDH) indicam que até a quinta-feira, 12, 26 pessoas morreram nos protestos e houve 3.461 feridos. Destes, 1.986 por disparos. 375 sofreram lesões oculares, sendo que 23 com perda parcial e total da visão.

Passam de 1.400 as denúncias judiciais por torturas, abusos sexuais, uso excessivo da força, entre outros.

Segundo o Ministério da Justiça, 28.210 pessoas foram presas durante o período compreendido entre 19 de outubro e 6 de dezembro. 1.615 permanecem ainda em prisão preventiva. A maioria das pessoas presas são jovens sem antecedentes penais, sublinhou o ACNUDH.

O estopim da crise foi o aumento do preço da passagem de metrô na capital, Santiago, mas rapidamente a população inteira convocada pelos sindicatos, partidos de oposição e entidades sociais saiu às ruas para exigir o fim dos abusos com a previdência, os baixos salários e as precariedades derivadas do modelo econômico neoliberal vigente, onde 50% dos lares mais pobres vivem com apenas 2.1% da riqueza bruta do país, enquanto que os 10% mais ricos ficam com 66%. Isso no país elogiado pelo Banco Mundial e outros órgãos internacionais como sendo um exemplo de modelo econômico.

O ACNUDH, presidido pela ex-presidente chilena Michelle Bachelet, denunciou que algumas dessas violações aos direitos humanos, “em particular o uso indevido de armas menos letais e os maus tratos, são reiteradas no tempo e no espaço”.

Entre alguns testemunhos recolhidos e divulgados pelo informe se incluem relatos de tortura psicológica, ameaças de morte ou de ser desaparecidos, assim como de execuções simuladas.

“A Polícia me jogou no chão, senti golpes com a culatra de uma arma na minha cabeça e coluna vertebral. Quando subimos ao veículo militar, continuavam nos golpeando e disseram: ‘levemo-los ao quartel e vejamos quanto tempo duram com a eletricidade’. Suplicamos que nos deixassem ir. Jogaram-nos a escuridão e pude reconhecer que estávamos na parte de trás do cemitério. Ordenaram-nos que puséssemos as caras contra a parede do cemitério. Havia uns 12 soldados por trás de nós, que carregaram suas armas. Nos fizeram gritar ‘perdoa-me, Chile’. Nesse momento, pensei que iam atirar contra nós. Choramos, ficamos de mãos dadas e nos despedimos”, registra.

O informe do Alto Comissariado se soma a outros emitidos pela Anistia Internacional, HRW, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), todos elaborados com amplas coincidências e que colocam o governo de Sebastián Piñera com um perfil inaceitável de desrespeito criminoso aos direitos.

O povo chileno mobilizado exige pensões e aposentadorias mínimas dignas (atualmente estão em torno de 140 dólares), salário mínimo decente, diminuição do preço dos medicamentos, acesso à saúde pública, cancelamento das dívidas dos estudantes universitários, entre outras demandas. E a redação de uma Carta Magna nascida de um processo constituinte com ampla participação cidadã, expressão da diversidade social do país.