Philonise, irmão de George Floyd, dirige-se à Comissão de DDHH da ONU em sessão presidida por Bachelet - foto - Martial Trezzini - Reuters

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou uma resolução condenando o racismo e a violência policial contra a população negra. Mesmo sem mencionar especificamente os Estados Unidos, o documento deixa claro que foi uma resposta ao criminoso assassinato do cidadão norte-americano George Floyd.

O homicídio do homem negro em Minneapolis em 25 de maio tendo seu pescoço apertado pelo joelho de um policial branco durante vários minutos, e que provocou enormes manifestações de repúdio durante dias nas principais cidades dos EUA e em todo o mundo, motivou a sessão e a resolução.

O texto foi adotado por consenso pelos 47 países-membros, durante uma reunião extraordinária convocada por 54 nações africanas para debater a discriminação racial e, particularmente, a brutalidade policial – de motivação racista – nos EUA, na sexta-feira (19/06).

Ao abrir o encontro, a alta comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, defendeu “uma ação enérgica em todo o mundo”, tanto para reformar ou reinventar as instituições e órgãos de aplicação da lei, como para abordar o racismo generalizado.

Denunciou a “violência racial, o racismo sistêmico e as práticas policiais discriminatórias da atualidade”, que ela considerou um legado do comércio de escravos e do colonialismo.

Bachelet disse que o racismo “corrói as instituições do governo, denuncia a desigualdade e é subjacente a tantas violações de direitos humanos”. Para a alta comissária, é hora de acabar com os ciclos de impunidade.

A versão inicial da resolução incluía críticas explícitas ao governo norte-americano e estabelecia a criação de uma comissão internacional de inquérito para apurar o racismo nos Estados Unidos e em outros países em situação semelhante.

Contudo, devido a posicionamentos submisso do Brasil e de outros países aliados do presidente americano, Donald Trump, o texto original foi modificado. A criação da comissão foi retirada do texto final, como também menções diretas aos Estados Unidos.

Na quarta-feira, a representação brasileira posicionou-se contra o estabelecimento de uma comissão para investigar os fatores que levaram a atos como o linchamento de Floyd, com o cínico argumento que “o problema do racismo não é exclusivo de uma região específica”.

Os EUA, que se retiraram do Conselho de Direitos Humanos há dois anos, pressionaram aliados a buscarem a exclusão dessa questão. Para que a proposta vingasse, as nações africanas concordaram com a modificação do texto. A representação de Burkina Faso, em nome as nações que patrocinaram a resolução, assinalou que o grupo de países africanos fez “numerosas concessões” para “garantir o consenso” de apoio ao texto.

Em lugar de uma investigação dedicada aos Estados Unidos por parte de um comitê independente, a resolução final fala em uma apuração internacional sobre o uso excessivo da força por agentes da lei contra negros no mundo inteiro.

O texto solicita à Michelle Bachelet “um relatório sobre o racismo sistêmico, as violações do direito internacional em relação aos direitos humanos e os maus-tratos contra africanos e pessoas de descendência africana pelas forças de segurança”.

Ficou também claro que, mesmo com todo o lobby, Washington não conseguiu impor uma restrição total a menção do racismo nos EUA. Isso se verifica, em especial, no trecho do documento aprovado, exigindo que o relatório de Bachelet venha a se referir aos “eventos que levaram à morte de George Floyd e de outros africanos e pessoas de origem africana, com o objetivo de ajudar a estabelecer responsabilidades e fazer justiça às vítimas”, afirma a resolução.

É evidente que não interessa aos norte-americanos e não apenas aos negros mascarar ou tentar esconder essa agressividade, da qual – como diz o texto aprovado – são atingidos africanos e seus descendentes, incluindo os linchamentos, como o que tirou a vida de Floyd. Interessa localizar, dimensionar como passos decisivos para enfrentar o problema. Mesmo com a tentativa de tapar o sol  com a peneira por parte do governo Trump, a resolução aprovada por unanimidade na ONU é passo importante.

Cerca de 20 altos funcionários das Nações Unidas de origem ou ascendência africana, incluindo o chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus, assinaram uma declaração considerando que “a simples condenação de expressões e atos de racismo não é suficiente” e organizações de direitos humanos acusaram o governo de Trump de “intimidar” outros países para esvaziar a resolução.

Para Jamil Dakwar, da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), com as pressões exercidas pela Casa Branca, no afã de fugir a “qualquer investigação internacional, os Estados Unidos estão mais uma vez dando as costas às vítimas da violência policial e às pessoas negras”.

O irmão de George Floyd, Philonise Floyd, enviou uma mensagem gravada ao Conselho, de cerca de 3 minutos, na qual pedia a instauração de uma comissão de inquérito para apurar a morte do irmão. “Vocês têm o poder de nos ajudar a obter justiça”, afirmou.